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Prioridade do novo governo, reforma tributária tem entraves para ser aprovada

Há duas propostas em tramitação no Congresso, mas falta um consenso. Governo eleito quer incluir sua visão nos textos.

Elisa Vaz
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A mudança do sistema tributário brasileiro tem sido discutida há décadas, e pelo menos duas propostas tramitam hoje no Congresso Nacional. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende a aprovação de uma reforma ainda no primeiro ano de mandato, em 2023, conforme adiantou nesta semana o ex-ministro Fernando Haddad, do mesmo partido, considerado a primeira opção do futuro presidente para chefiar a Economia. Com a intenção de encaminhar nova âncora fiscal e aprovar uma reforma tributária no próximo ano, as discussões agora devem ser para consolidar a proposta que mais faça sentido no Brasil atual.

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Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, o senador Paulo Rocha (PT-PA), que participa de reuniões da transição com Lula e sua equipe, disse que ainda não se tem ideia de como a reforma tributária será consolidada, mas o governo eleito quer respeitar os textos que já tramitam no Congresso e agregar sua visão às propostas assim que possível. "Já tem alguns anos que temos essas discussões, que estão em andamento, independente do governo, mas não se chega a nenhuma conclusão", diz.

Na opinião do político paraense, o principal entrave atualmente é ter uma proposta que contemple todas as camadas sociais e diferenças regionais. Ele afirma que não é fácil propor algo tão complexo no Brasil de hoje, que tem vários ambientes e grupos políticos e econômicos: "É difícil com um país desse tamanho, com diferenças de riqueza e de pobreza. É por isso que não se chega a uma boa decisão, já são décadas discutindo e não tem um consenso. Temos que fazer uma reforma tributária compatível com o momento que vive o país. Torna-se mais difícil ainda porque a economia está lá embaixo, voltou a fome e o rico só quer ficar mais rico".

Ricos vão pagar mais?

Uma das propostas de Luiz Inácio Lula da Silva é de que a reforma seja "solidária, justa e sustentável", que simplifique tributos sobre o consumo e que "os pobres paguem menos e os ricos paguem mais", corrigindo o que o programa de governo chama de "injustiça tributária", garantindo ainda a progressividade tributária, preservando o financiamento do Estado de bem estar social, restaurando o equilíbrio federativo, contemplando a transição para uma economia ecologicamente sustentável e aperfeiçoando a tributação sobre o comércio internacional.

Paulo Rocha ressalta que a concepção defendida pelo novo presidente é antiga. "Quem tem muito paga muito, quem tem pouco paga pouco e quem não tem nada recebe", diz, se referindo ao modelo almejado pelo grupo. "Às vezes, as regiões mais desenvolvidas exploram as menos desenvolvidas. Todas as matérias-primas da Amazônia vão para o Centro-Sul para alimentar as indústrias do Centro-Sul. Agora temos que discutir e ver qual proposta acopla melhor nossas ideias", adianta o senador do Pará.

Durante evento recente em São Paulo, Haddad declarou que será dada "prioridade total" à reforma tributária logo no início do próximo governo. "Ele [Lula] tentou por duas vezes ao longo dos seus últimos mandatos, com o apoio de todos os governadores. Na segunda vez, em 2007, encaminhou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para que promovêssemos a reforma tributária, e não obtivemos êxito”, afirmou. Segundo Haddad, o presidente eleito, além de priorizar a reforma tributária, também quer reformular impostos sobre renda e patrimônio.

Propostas

Atualmente, existem duas propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional: a PEC 110/2019, do Senado, e a PEC 45/2019, da Câmara. Segundo reportagem publicada no site do próprio Senado, a principal convergência entre as duas propostas é a extinção de diversos tributos que incidem sobre bens e serviços, que seriam substituídos por um tributo único: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

A PEC 110/2019 tem como diretriz principal a instituição de um modelo dual desse tributo. Ele seria composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), resultado da fusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, e do Imposto Sobre Serviços (ISS), que é municipal, para Estados e municípios; e, na outra frente, teria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificando tributos federais (Cofins e Cofins-Importação, PIS e Cide-Combustíveis) arrecadados pela União e formando o IVA Federal.

Já a PEC 45/2019, por outro lado, busca substituir cinco tributos já existentes - Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ICMS e ISS - pelo já mencionado IBS, nos moldes do IVA cobrado na maioria dos países desenvolvidos. Haveria uma única alíquota para tributar todas as operações com bens e serviços que tenham como destino determinado Estado ou município.

Qual a vatagem do imposto único?

De acordo com o contador Luiz Paulo Guedes, especialista em tributos e membro do Conselho Regional de Contabilidade do Pará (CRC-PA), a principal convergência entre as propostas é a necessidade da simplificação do sistema tributário nacional. A vantagem de haver um imposto único, diz ele, é ter apenas uma guia, uma forma de pagamento e uma data para essa efetuação, o que evitaria a complexidade financeira. Porém, existe uma preocupação do setor e dos parlamentares com a divergência desses tributos, em parte arrecadados pelos entes federais e em parte pelos estaduais e municipais.

"Ao simplificar o processo cobrando uma única guia, o governo federal seria responsável por promover a criação de normas para novas arrecadações - no imposto único, fazer a arrecadação, administrar e repassar isso para governos estaduais e os governos municipais. Aí que mora a preocupação: de que forma vai ser feito o repasse e como ele vai ser compensado?", questiona o contador. Luiz Paulo ainda lembra que cada Estado tem um montante e um percentual de arrecadação. Por exemplo, o Pará diverge muito de São Paulo. Este último, apesar de ser menor em termos de extensão territorial, tem maiores indústrias e empresas, então o volume de arrecadação é maior. Com um imposto único, seria necessário, segundo o especialista em tributos, compensar São Paulo em detrimento de outros Estados. Mas não fica claro, nas propostas, de que forma essa divisão dos tributos de forma proporcional seria feira e repassada aos entes.

A mesma coisa acontece com os tributos municipais, ressalta o contador, a exemplo do ISS, imposto municipal. Ele cita que Belém tem uma arrecadação muito menor quando comparada à de São Paulo ou do Rio de Janeiro. "Quando eu arrecado sozinho no meu município ou Estado, tenho um volume de arrecadação. Quando passo a entrar na simplificação e na arrecadação de um tributo único, fico junto com o geral. Tudo isso está sendo discutido dentro dessas propostas. As duas têm uma ideia boa, que convergem sobre a tributação única, mas divergem na ideia de como será esse repasse", argumenta.

Entre os pontos de divergência também está a preocupação com o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), segundo o texto do Senado. E outra questão debatida é a solicitação para tratamento tributário ajustado às particularidades das operações feitas pelas cooperativas. Segundo a Casa, desde a elaboração, a PEC 110 tem entre seus princípios não elevar a carga tributária, promover melhor partilha de recursos entre os entes da Federação, preservar incentivos a micros e pequenas empresas e aliviar o peso dos tributos para famílias mais pobres.

RESPONSABILIDADE FISCAL

Reforma tributária é essencial para desenvolvimento socioeconômico do país, diz contador

A mudança também traria sustentabilidade para o novo governo, que, com mais arrecadação, poderia cumprir promessas de campanha

Elisa Vaz

DA REDAÇÃO

Aprovar mudanças na área tributária do Brasil é uma necessidade, na avaliação de Luiz Paulo Guedes, tanto do ponto de vista econômico quanto do social. Ao analisar as maiores economias do mundo, o especialista em tributos diz que elas evoluíram em função das boas reformas que fizeram, incluindo a tributária. No Brasil, com um sistema complexo, extenso e confuso de tributação, há muitos entraves para a economia, evolução das empresas, desenvolvimento social e até para o governo, argumenta o contador. Essa reforma, portanto, traria, além de uma simplificação no processo de pagamento e cumprimento da obrigação fiscal, desenvolvimento socioeconômico para o país.

Guedes também considera que a reforma tributária é indispensável para que o novo presidente eleito consiga conciliar as promessas de campanha com o compromisso de manter a responsabilidade fiscal no país, fazendo a manutenção econômica de que o Brasil necessita. "Estamos percebendo que, nesse processo de transição, o novo governo está tentando tirar alguns gastos do chamado 'teto' para dar conta de cumprir as promessas feitas na época de campanha. Aprovar uma reforma tributária, automaticamente, simplificaria o processo de cobrança, melhoraria a arrecadação e, consequentemente, com mais dinheiro em caixa oriundo de arrecadação, o governo consegue se planejar, executar as ações que deseja para a população brasileira e cumprir suas promessas. Então, eu acredito que o governo deve incentivar o Congresso a aprovar essa reforma tributária", ressalta.

Para a população, um dos principais benefícios, na visão do contador, seria a transparência e simplificação para pagar tributos, eliminando aspectos mais complexos e facilitando o entendimento. Essa mudança ainda poderia inibir o processo de sonegação de impostos no Brasil.

Quanto à possível medida para reduzir a tributação sobre o consumo, Luiz Paulo Guedes tem considerações a fazer. Com poucas pessoas tendo grandes patrimônios no país, em comparação com o total da população, fazer uma arrecadação com base na tributação de patrimônio não seria tão eficaz para os cofres públicos, na opinião dele. Hoje, a principal incidência de impostos é em cima do consumo, na compra de roupas, alimentação, bens e serviços. Com a ideia de trazer benefício ao consumidor passando a tributar mais as grandes fortunas e patrimônios e tributar menos o consumo, Luiz Paulo não acha que há grande chance de aprovação da reforma.

"Acho isso muito difícil de acontecer, dado que o consumo é um volume maior em termos de tributação e arrecadação. Imagina o governo mudando, em uma reforma tributária, essa sistemática. Automaticamente, haverá uma renúncia de receita, porque se eu vou passar a tributar menos aquilo que me gera maior volume de arrecadação e vou passar a tributar mais aquilo que me gera menor volume de arrecadação, vou ter um certo desequilíbrio. Isso precisa mudar gradativamente, e é preciso criar estratégias para compensar essa renúncia de receita e não comprometer o funcionamento do governo na prestação de serviços básicos de educação, saúde e segurança, por exemplo. Acredito que, nesse primeiro momento, não vai acontecer. Pode ser que ocorra nos quatro anos de governo do presidente Lula, mas vai necessitar de muita articulação", opina.

Empresas

Para o setor empresarial, a aprovação de uma reforma também é vista como positiva. A presidente da Associação Comercial do Pará (ACP), Elizabete Grunvald, afirma que, além do peso atual da carga tributária, a atividade empresarial sofre com obrigações acessórias complexas, que demandam do contribuinte ainda mais tempo e recursos para estar em conformidade com o fisco. Por esse motivo, "urge" uma reforma tributária mais simples, justa e igualitária, que melhore o ambiente de negócios e estimule o crescimento da economia. O ideal, segundo ela, seria o Congresso Nacional estabelecer uma escala de desoneração fiscal em um determinado período de tempo, projetando um retorno da carga a um nível inferior a 30%, possibilitando maior competitividade.

"Atualmente, o dispêndio de tempo e de capital com o cumprimento de obrigações tributárias tem exaurido as empresas e reduzido o nível de investimento para aumentar a produção, sobretudo no caso dos pequenos negócios, que representam nove em cada 10 empresas existentes no Brasil. Assim, uma reforma tributária com essas premissas abriria caminho para um aumento de produtividade e, consequentemente, geração de mais postos de trabalho", adianta a representante.

A princípio, Elizabete acha promissora a proposta da PEC 007/20, que propõe a criação de apenas três classes de impostos (sobre renda, consumo e propriedade), que poderão ser cobrados, ao mesmo tempo, por União, Estados, Distrito Federal e municípios. Quanto à taxação de grandes fortunas, ela diz que a preocupação dos membros da ACP é com mais um imposto, o que elevaria ainda mais a alta carga tributária. "É um assunto que precisa de estudos consistentes, sobretudo quanto à definição dos critérios para taxação, o que poderia gerar impacto negativo no nível de investimento no país. Por isso, é imperativo se aquilatar todas as variáveis e prováveis consequências antes de se pensar em criar um novo imposto", enfatiza a presidente da Associação.

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