Presidente da Fenafisco sobre reforma tributária: 'Os mais pobres continuarão pagando mais'

Francelino Valença destaca a importância de uma abordagem que modifique o sistema, especialmente focando em uma tributação mais justa das altas rendas e uma menor carga sobre os contribuintes de baixa renda

Igor Wilson
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Em uma conversa exclusiva concedida ao Grupo Liberal, o presidente da Fenafisco, Francelino Valença, fez uma análise franca e objetiva sobre os impactos da reforma tributária aprovada em dezembro passado. Valença descreve a visão da Fenafisco, destacando que, embora tenha sido apresentada como uma reforma, a medida, na verdade, representa uma pequena alteração no sistema tributário brasileiro, focada principalmente na simplificação dos tributos sobre o consumo.

Ao abordar como essa reforma será percebida pelo cidadão comum em seu cotidiano, Valença ressalta que, apesar das mudanças na legislação e na simplificação dos processos, os efeitos para os mais pobres serão mínimos, enquanto os mais ricos continuarão a pagar proporcionalmente menos impostos. Confira:

Como a Fenafisco enxerga os impactos dessa reforma aprovada em dezembro passado?

Na nossa ótica não é uma reforma tributária. Uma reforma tributária na nossa visão seria uma reformulação do sistema. Uma das bases de incidência da tributação, são três bases tradicionais: patrimônio, renda e consumo. Das três, escolhemos o consumo para fazer uma pequena reforma que simplificasse os tributos. Então o grande contributo da Fenafisco nos últimos anos é debater uma possibilidade de reformular a matriz tributária, mudar o sistema como um todo, e não é isso que está acontecendo.

Como o cidadão comum irá sentir essa reforma no seu dia a dia?

O cidadão vai perceber pouca coisa dessa reforma, porque na prática ela foi muito focada na simplificação de tributos. Simplifica as legislações, que deixam de ser 27, além das dos municípios, que são milhares. Isso facilita o empreendedorismo, setor muito importante para o país, mas não muda o fato de que os mais pobres continuarão pagando mais e os ricos e super-ricos bem menos ou quase nada.

O que deveria ser feito para que houvesse uma mudança de fato?

Para uma mudança de matriz tributária, precisamos modular esse sistema. A reforma tributária deveria simplificar, é importante para o país. Mas o que é mais importante é atacar o que nunca atacamos, que é a baixa tributação das altíssimas rendas, e a alta tributação dos que ganham pouco. A OCDE por exemplo, tributa muito mais a renda, todos os países desenvolvidos fazem isso, mas nós fazemos o oposto.

De onde vem esse modelo e porque ele não muda?

É a matriz histórica do Brasil, alguns segmentos tentam se apropriar da coisa pública como se privado fosse, e utilizam os poderes de pressão que detêm para desenhar um modelo em que não os tributam, e aí você transfere o fardo para os mais pobres. Temos um modelo que permite uma democracia um pouco frágil, com acesso restrito. Há uma bolha em que esse grupo se protege, cria narrativas e as vende para população, que passa a acreditar a ponto de odiar tributação. As pessoas odeiam tributos e nem percebem porque odeiam.

Qual a narrativa criada por esse grupo?

A narrativa que foi criada é a de que tem que diminuir o tributo, que é muito caro, mas é caro para quem? Para a maioria da população, o tributo não diminui. Vou dar um exemplo, vamos unir tudo em uma alíquota, só que nesse detalhe incluíram na constituição federal, trazendo de alguns institutos americanos, alguns mecanismos que permitem a revisão e não pagamento da transferência de patrimônio intergeracional de renda, onde vai ser permitido evitar a tributação de fundações. Ou seja, os multimilionários vão jogar tudo para as fundações criadas por eles e assim evitar o pagamento de tributos.

Quais brechas?

Além da transferência intergeracional de renda e da progressividade que foi colocada, disseram que vamos taxar agora embarcações e aviões, que não pagam IPVA. Só que colocam brechas na lei, tipo: se o avião prestar serviço aéreo não paga, então o multimilionário pode comprar um avião e registrar dizendo que está prestando serviço aéreo. Uma embarcação, se fizer pesca artesanal não paga, então ele pode comprar um iate e dizer que faz pesca artesanal.

Os municípios têm se unido contra a atual reforma, pois acreditam que vão perder recursos. Existe ainda uma forma de mudar essa reforma que foi aprovada no final do ano passado?

O que fizemos com essa reforma tributária sobre consumo foi arranhar muito os princípios basilares da nossa constituição. Temos uma constituinte de 1988 definindo quais tributos eram dos Estados, quais eram dos municípios e quais eram da União. E de repente nós criamos algo que afronta isso. Isso era autonomia, e a partir de agora essa autonomia é diluída, ela é jogada para um todo. Poderia ter sido um caminho adotado, mas deveria estar na constituinte.

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