Embaixador Ruy Pereira defende cooperação internacional com base na 'amazonização'
Diretor da Agência Brasileira de Cooperação destaca relevância do protagonismo regional na elaboração de políticas públicas

O Estado do Pará esteve no centro do debate sobre desenvolvimento sustentável e cooperação internacional na Pan-Amazônia nas duas últimas semanas. Durante a realização dos Diálogos Amazônicos e da Cúpula da Amazônia um aspecto ficou evidente: a necessidade de que os debates sobre o tema passem a privilegiar mais as percepções e as narrativas dos próprios moradores da região. Essa é a avaliação do diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), embaixador Ruy Pereira, que esteve em Belém para participar dos eventos e concedeu uma entrevista exclusiva para o Grupo Liberal.
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Na conversa com o analista de política internacional e articulista do jornal O Liberal, Gustavo Freitas, o diplomata disse que um dos frutos das discussões foi a criação do neologismo “amazonizar”, que reflete o espírito das propostas apresentadas pelos organismos de cooperação dos países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
“Nós pensamos que amazonizar a Amazônia significa fazer com que a Amazônia seja capaz de construir uma narrativa sobre si própria a partir de si própria, com uma visão própria sobre a sua situação e sobre as possíveis soluções e objetivos a partir dessa constatação própria. Eu repito o termo ‘própria’ justamente para frisar o que é amazonizar”, explicou o diretor da ABC.
Nesse sentido, Ruy Pereira esclarece que é preciso fomentar espaços como os Diálogos Amazônicos e instâncias como a OTCA para que as visões de povos indígenas e comunidades tradicionais sejam incorporadas nas políticas públicas elaboradas para a região. “O que se observa é que as políticas públicas aplicadas na Amazônia, as iniciativas de cooperação internacional para o desenvolvimento da Amazônia partem de narrativas alheias à Amazônia. Partem de narrativas construídas nos gabinetes em Brasília, partem de narrativas construídas no setor privado em São Paulo ou no Rio de Janeiro, partem de narrativas construídas nos gabinetes públicos e privados do mundo desenvolvido”, critica o embaixador defendendo que é possível conciliar essa visão exógena com as demandas endógenas.
“A amazonição da Amazônia não significa dizer que nós pulemos de um extremo ao outro, ou seja, como se a partir de agora só quem pode falar sobre a Amazônia fossemos nós. Não é isso, mas fazer com que a nossa visão sobre si mesma deva ser incorporada ao debate sobre o que é a Amazônia e como vamos fazê-la entrar em uma trajetória de desenvolvimento sustentável que respeite e proteja as populações que vivem dentro da Amazônia”, acrescenta.
Para ele, o conceito de “amazonização” abrange ainda a necessidade de compreensão sobre as diversas realidades da região sejam elas rurais ou urbanas, o reconhecimento de que é preciso valorar a contribuição da Amazônia para o clima global e que o desenvolvimento científico e os conhecimentos dos povos originários podem ser aliados na reflexão sobre as demandas e interesses do bioma e suas populações. “A Amazônia é sobretudo vida e essa vida deve ser respeitada, cuidada, promovida e estimulada. Isso significa amazonizar a Amazônia”, sintetiza.
Política externa
A ABC é um órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores que tem a missão de planejar, coordenar, negociar, aprovar, executar, acompanhar e avaliar as estratégias de cooperação do Brasil com os demais países, sobretudo no que se refere à cooperação técnica e a cooperação humanitária. A presença da Agência é particularmente importante na região da América Latina e Caribe e na África, mas há iniciativas desenvolvidas em outras nações, como é o caso do Canadá.
Apesar de não atuar especificamente no âmbito de acordos bilaterais ou multilaterais de interesse econômico, Ruy Pereira considera que a experiência da ABC, em consonância com a tradição da política externa brasileira e os debates realizados em Belém, proporcionam ferramentas para que o Brasil avance também nas discussões econômicas.
“Para fazer avançar o acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo, eu penso que é preciso aquilo que o Presidente da República já disse repetidas vezes: vontade política, obstinação e ter visão de futuro de que nós estaremos melhor e a Europa estará melhor com o acordo”, avalia o embaixador.
Durante a entrevista, Ruy Pereira analisou ainda a realização dos Diálogos Amazônicos e da Cúpula da Amazônia como eventos preparatórios para a COP 30, em 2025, na capital paraense. Para ele, a experiência desses encontros traz à tona a emergência de uma abordagem diferente para esses espaços, em que as populações locais passam a ter um papel mais determinante.
Ele cita o exemplo dos Diálogos que, em sua visão, mostraram uma capacidade convocatória sem igual, mobilizando cerca de 27 mil pessoas entre cidadãos comuns e entidades públicas e privadas interessadas nas questões locais. “Eu acho que a Cúpula da Amazônia não é o fim. É o começo. E eu tenho a convicção de que será um começo da trajetória de uma política externa que será mais ampla porque envolverá o conjunto dos países-membro da OTCA, o que fará com que haja uma convergência de interesses e de visões de todos os países”, ressaltou.
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