Derrubada do IOF no Congresso pode levar a cortes no orçamento federal e prejudicar o Pará
Economistas, tributarista e cientistas políticos alertam que a decisão poderá reduzir investimentos essenciais em saúde, educação e infraestrutura no estado, afetando diretamente setores econômicos e serviços públicos.
A derrubada do decreto sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso brasileiro pode resultar em um corte significativo no orçamento federal de 2025, impactando diretamente o Pará. Economistas, um advogado tributarista e cientistas políticos paraenses ouvidos pelo Grupo Liberal apontam que a medida forçaria o governo federal a realizar contingenciamentos, afetando áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura no estado. Municípios paraenses, segundo eles, especialmente os do interior, seriam os mais vulneráveis, enfrentando cortes em serviços básicos. Além disso, setores vitais como a construção civil e o agronegócio também sofreriam com a redução de investimentos. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu, nesta sexta-feira (4/07), os efeitos de todos os decretos que tratam sobre o IOF e determinou uma audiência de conciliação entre governo e Congresso sobre o tema. A audiência foi marcada para 15 de julho.
O encontro, que ocorrerá no plenário de audiências da Corte, em Brasília, buscará solucionar o conflito entre o governo Lula e o Congresso Nacional quanto à validade do decreto que aumentou o tributo. Na mesma decisão, Moraes determinou que, dentro de 5 dias, Executivo e Legislativo apresentem as justificativas para suas respectivas ações. O governo deverá explicar os motivos para o aumento das alíquotas do IOF, enquanto o Congresso terá que esclarecer os fundamentos que levaram à suspensão dos efeitos dos decretos presidenciais.
Corte de verbas federais pode comprometer saúde, educação e infraestrutura paraenses, segundo economista
Para o economista Nélio Bordalo, conselheiro do CORECON PA/AP (Conselho Regional de Economia do Pará e Amapá), essa decisão pode resultar em um efeito cascata no estado, afetando diretamente setores essenciais como saúde, educação e infraestrutura, fundamentais para o desenvolvimento do Pará.
De acordo com Bordalo, a derrubada do decreto do IOF acarretaria um contingenciamento imediato no orçamento federal de 2025. Esse bloqueio exigiria uma redução nos investimentos em áreas estratégicas para o estado, como saúde, educação e infraestrutura.
O economista ressalta que "a estimativa é que programas na saúde, educação e infraestrutura sofram uma redução significativa, incluindo a suspensão de emendas parlamentares que são essenciais para o desenvolvimento regional".
No Pará, isso poderia significar menos recursos para hospitais, universidades federais e projetos de infraestrutura, como obras rodoviárias e portuárias.
O impacto na Unifesspa, que já sofreu um corte de quase 19% em seu custeio em 2021, é um exemplo claro das consequências dessa restrição orçamentária. “A falta de recursos comprometeu a contratação de docentes, a manutenção de bolsas de pesquisa e até a assistência estudantil. Isso é um reflexo do que pode acontecer em outras universidades e programas públicos do estado,” alerta Bordalo.
Setores econômicos do Pará sob pressão: construção civil e agronegócio
Com o corte no orçamento federal, setores vitais para a economia do Pará também enfrentariam sérios desafios. A construção civil, a logística e o agronegócio, que dependem fortemente de investimentos públicos, seriam os mais afetados. Bordalo explica que “obras de infraestrutura, como rodovias, portos e aeroportos, podem ser adiadas ou paralisadas, o que prejudica não só a construção civil, mas também o transporte e a logística, essenciais para o agronegócio”.
Além disso, o economista observa que, embora o agronegócio seja menos dependente do orçamento federal, ele também sentiria o impacto devido a uma infraestrutura precária, que dificultaria o escoamento da produção.
“Com o aumento nos custos de transporte e nas perdas nas áreas produtoras, o setor pode enfrentar elevação nos preços dos produtos, afetando consumidores e empresas”, completa.
Pequenos negócios, especialmente nas áreas rurais, também podem ser duramente afetados pela redução de programas federais de crédito subsidiado e assistência social. Bordalo alerta: “Com menos recursos para assistência social, o comércio local e prestadores de serviços enfrentariam queda nas vendas e no faturamento”.
Municípios paraenses enfrentariam efeito cascata com redução de repasses
Outro efeito importante da derrubada do decreto seria a diminuição dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é diretamente vinculado à arrecadação federal. Bordalo explica que "os municípios, especialmente os mais dependentes do orçamento federal, seriam severamente impactados, com a possibilidade de cortes em serviços essenciais como saúde básica e educação infantil".
Com a queda nos repasses, muitos prefeitos teriam dificuldades em manter programas de saúde, transporte escolar e a manutenção de estradas e saneamento básico. “Já em 2023, mais da metade dos municípios paraenses estavam no 'vermelho' devido à queda no FPM. Com novos cortes, essa situação pode se agravar ainda mais, levando a atrasos no pagamento de salários e fornecedores, e até a demissões de servidores públicos”, destaca Bordalo.
O economista acrescenta que a situação seria ainda mais crítica para os municípios do interior, que dependem quase exclusivamente dos repasses federais para manter os serviços básicos e a infraestrutura local.
“O impacto no interior será imediato, já que a falta de recursos comprometeria a capacidade de manter os serviços públicos funcionando de forma adequada”, completa.
Alternativas estaduais e desafios para mitigar os efeitos dos cortes
Diante desse cenário de restrição fiscal, o governo do Pará busca alternativas para compensar as perdas com recursos próprios ou por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Bordalo explica que o estado já tem planos de executar até R$ 5 bilhões em infraestrutura, especialmente com foco na COP 30, um evento internacional que o Pará sediará em 2025. “O governo está comprometido com a execução de projetos de infraestrutura, mas isso depende de um planejamento bem estruturado e da disponibilidade de caixa para dar continuidade a essas iniciativas”, afirma.
No entanto, ele alerta para os desafios que esse caminho implica, como a necessidade de aumentar tributos estaduais ou buscar financiamento via PPPs, o que pode levar anos para gerar retorno.
“Essas alternativas têm prazos longos e exigem uma capacidade técnica e regulatória robusta por parte do estado. A pressão sobre a população também aumentaria, caso sejam necessários ajustes fiscais locais”, conclui.
Em relação à atração de investimentos privados, Bordalo observa que um clima fiscal instável no país pode prejudicar a confiança dos investidores. “Se o Brasil continuar enfrentando instabilidade fiscal e falta de reformas, os investidores vão adiar projetos no Pará, especialmente nas áreas de mineração, energia e logística. Quando o cenário fiscal é favorável, o estado ganha com a confiança do mercado e maior acesso a linhas de crédito facilitadas”, finaliza.
Setores de infraestrutura e energias renováveis ficariam ameaçados, indica pesquisador acadêmico
De acordo com André Cutrim Carvalho, economista com Doutorado em Desenvolvimento Econômico e Pós-Doutorado em Economia pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), o impacto direto dessa decisão será sentido no orçamento federal de 2025, com cortes em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura.
O professor, que também é pesquisador da UFPA, destaca que, com a perda dessa fonte de receita, "o Governo Federal terá que recorrer ao corte de despesas, o que significa redução de repasses voluntários e discricionários", afetando diretamente o Estado do Pará.
"Projetos de infraestrutura, custeio de universidades federais e programas de saúde pública terão que ser ajustados, afetando a qualidade dos serviços prestados à população, principalmente nas áreas mais carentes."
Além disso, o impacto será sentido de forma desigual, com os municípios do interior, que têm uma grande dependência das transferências federais, enfrentando dificuldades ainda mais severas. O resultado, segundo Carvalho, é uma piora nas condições dos serviços públicos essenciais para a população.
Os reflexos do possível corte de repasses federais no Pará serão sentidos com mais intensidade em setores que dependem de investimentos em infraestrutura e logística, como transporte e energia. Com a redução de recursos, a competitividade do estado, que já enfrenta desafios de conectividade, pode ser comprometida.
"O aumento dos custos logísticos pode afetar diretamente a exportação de produtos minerais e agropecuários do Pará, principalmente nas regiões mais afastadas", explica o economista.
Além disso, a expansão da infraestrutura energética, vital para áreas remotas, pode ser comprometida, afetando não apenas a qualidade do fornecimento de energia, mas também a atração de novos investimentos em setores como mineração e agronegócio.
As universidades e centros de pesquisa também correm riscos. Com o contingenciamento de recursos, instituições como a UFPA e o Museu Paraense Emílio Goeldi, que desempenham papel crucial no desenvolvimento científico e econômico do estado, podem enfrentar cortes em bolsas e projetos de pesquisa. "É um efeito multiplicador: o comprometimento das instituições de ensino reflete na capacitação da mão de obra, pesquisa aplicada e até no desenvolvimento de novas tecnologias locais", afirma Carvalho.
Para os municípios paraenses, a vulnerabilidade orçamentária aumenta
Os municípios paraenses são os mais vulneráveis a um possível contingenciamento orçamentário. "Muitas cidades no Pará têm uma baixa capacidade de arrecadação própria e dependem fortemente dos repasses federais para a manutenção de serviços essenciais", alerta Carvalho. O economista explica que programas como o Piso da Atenção Básica (PAB) e o Programa de Apoio à Educação Básica (PAE) são financiados principalmente por transferências da União, e qualquer redução nesse sentido pode paralisar serviços fundamentais.
Além disso, em um cenário de crise fiscal, muitos municípios podem enfrentar dificuldades para manter suas folhas de pagamento e até mesmo os serviços básicos. "Em cidades do interior, isso se traduz em unidades de saúde desabastecidas, escolas com estrutura precária e a paralisação de obras de infraestrutura", explica. Carvalho também destaca que a instabilidade fiscal dificulta o planejamento de médio e longo prazo, afetando diretamente as políticas públicas locais.
Alternativas estaduais e parcerias público-privadas: desafios e oportunidades
Em meio ao cenário de incerteza fiscal, o governo do Pará poderia buscar alternativas para compensar as perdas com recursos próprios ou com parcerias público-privadas (PPPs). No entanto, como aponta o economista, o estado enfrenta desafios estruturais para implementar essas alternativas de forma eficaz.
"Embora o estado tenha uma posição fiscal relativamente equilibrada, sua capacidade de investimento ainda depende significativamente de repasses da União e de operações de crédito com aval federal, o que se torna mais difícil em um cenário de restrição fiscal", observa Carvalho.
Em áreas mais remotas, a falta de atratividade econômica pode ser um obstáculo adicional. "As PPPs só funcionam quando há um forte comprometimento do governo estadual, mas para regiões com baixa demanda de mercado, o estado precisará induzir esses investimentos por meio de subsídios ou garantias", conclui Carvalho.
Investimentos estratégicos e a COP 30: a expectativa por continuidade
No entanto, o economista faz uma ressalva sobre os investimentos relacionados à COP 30, o evento internacional previsto para ocorrer em Belém. Esses projetos estruturantes, segundo Carvalho, não deverão ser afetados pela possível retração fiscal, pois já contam com financiamento federal específico e estão em andamento.
"Embora o estado enfrente desafios fiscais, o planejamento para a COP 30 já está em andamento e não deve ser prejudicado pelos cortes orçamentários", afirma. Mesmo assim, ele alerta que a instabilidade fiscal geral pode afetar a confiança dos investidores no longo prazo, prejudicando o desenvolvimento de outros projetos importantes no estado.
Tributarista paraense avalia impactos da derrubada do IOF para o Pará: "Estado não será afetado diretamente"
Para o advogado tributarista paraense Márcio Maués, o Pará não será diretamente afetado pela mudança. No entanto, ele alerta que a decisão pode ter implicações indiretas para a arrecadação e o financiamento de projetos essenciais para o estado.
Sobre os efeitos da derrubada do decreto do IOF na arrecadação estadual do Pará, Maués é claro:
“Com exceção das operações com ouro, o IOF arrecadado pela União não é transferido para os Estados. Diante deste fato, entendo que o estado não será afetado diretamente com a derrubada do decreto sobre o IOF.”
No entanto, ele alerta que a União pode enfrentar dificuldades para realizar as transferências obrigatórias de outros tributos devido à redução de receitas que pode ocorrer a nível federal.
Em relação aos programas sociais, como saúde e educação, Maués acredita que não há motivos para preocupação. Para ele, os recursos destinados a essas áreas são garantidos por vinculações constitucionais.
"Não acredito que os programas sociais destinados à população paraense sejam afetados, pois existem recursos vinculados à saúde e educação, ou seja, que são obrigatoriamente destinados a essas áreas", afirma o tributarista, reforçando que, apesar da crise fiscal, os investimentos nessas áreas continuarão sendo realizados.
Para enfrentar uma possível redução nos repasses federais, Maués sugere que o governo do Pará busque alternativas dentro de sua própria arrecadação.
“A principal estratégia seria manter e até aumentar a arrecadação dos tributos estaduais, como o ICMS e o IPVA. O estado precisa continuar investindo em infraestrutura, criando um ambiente econômico favorável ao desenvolvimento das empresas, o que, consequentemente, garante a manutenção da arrecadação tributária. Assim, o governo pode preservar os serviços e as obras públicas essenciais”, explica.
Quando o assunto é o desenvolvimento regional, especialmente em setores como o escoamento da produção agrícola e mineral, Maués acredita que o estado tem um cenário positivo.
“Não acredito que a União adotará uma política fiscal austera, pois as eleições se aproximam e há uma grande arrecadação tributária no país. Isso deve garantir o funcionamento do estado e os investimentos em infraestrutura”, observa o tributarista, demonstrando otimismo quanto à continuidade dos investimentos essenciais para o desenvolvimento do Pará.
O desafio do federalismo brasileiro, conforme um cientista político
Carlos Siqueira, cientista político paraense, destaca que o sistema de governo brasileiro, caracterizado pelo presidencialismo, exige concessões políticas para garantir governabilidade, especialmente em um Congresso majoritariamente conservador. Em um cenário em que o governo Lula tenta implementar medidas que afetam diretamente as elites financeiras, a reação do Congresso é um reflexo do poder dessas bancadas conservadoras, que têm um grande impacto sobre a agenda política nacional.
"A bancada conservadora é muito forte. O Congresso brasileiro tem uma representatividade de empresários, principalmente do agronegócio, que priorizam seus próprios interesses. Para eles, políticas sociais como saúde e educação são apenas ‘gastos’, e não investimentos", afirma Siqueira.
A falta de apoio de boa parte do Congresso para propostas que poderiam beneficiar estados da Amazônia, como o Pará, resulta em um federalismo assimétrico, onde as regiões periféricas enfrentam enormes dificuldades financeiras.
O paradoxo da economia do Pará: exportações e dependência de transferências federais
O estado do Pará, um dos maiores exportadores de commodities do Brasil, como minério, madeira, soja e gado, sofre de uma economia que depende excessivamente de exportações. Neste contexto, o possível corte orçamentário pode ter consequências diretas para as finanças do estado.
O professor e cientista político Ribamar Braun explica que as mudanças nas alíquotas do IOF não afetam diretamente os pequenos e médios empresários locais, mas, sim, as grandes exportadoras que têm suas operações atreladas a câmbio e grandes transações internacionais.
"No caso dos produtos de exportação, a alteração do IOF poderia apenas afetar a lucratividade das grandes empresas, uma vez que esses produtos não são vendidos no mercado interno", explica Braun.
No entanto, o impacto indireto de uma possível retração nas receitas de exportação pode levar a uma redução na arrecadação de impostos, prejudicando ainda mais a já limitada capacidade de investimento do estado.
O papel dos repasse federais e a vulnerabilidade regional
Um ponto crucial levantado por Siqueira é a dependência do Pará, e de outros estados da Amazônia, dos repasses constitucionais. A maioria dos recursos que chegam ao estado advém de fundos como o Fundo de Participação dos Estados e Municípios e royalties de exploração mineral, que não são suficientes para cobrir as necessidades básicas da população.
Conforme o professor, com a possibilidade de redução na arrecadação federal, esses estados correm o risco de ver seus orçamentos ainda mais comprimidos, com consequências diretas para a implementação de políticas públicas essenciais.
"Só para ilustrar, a Prefeitura de Belém, no ano passado, tinha um orçamento de R$ 5,4 bilhões, dos quais quase R$ 3 bilhões foram destinados ao pagamento de pessoal. O que sobra é para políticas públicas. Agora imagine a situação dos estados da Amazônia, como o Pará, que dependem da complementação federal para fechar suas contas", comenta Siqueira.
Desigualdade regional e a necessidade de investimentos estratégicos
O cenário descrito por Braun aponta para uma disparidade histórica nas condições de desenvolvimento entre as regiões do Brasil, com o Centro-Sul se beneficiando de um maior volume de recursos e influência política. Para os estados da Amazônia, como o Pará, a necessidade de investimentos em infraestrutura e em políticas públicas é urgente.
"As regiões Norte e Nordeste, incluindo o Pará, enfrentam sérias deficiências em termos de infraestrutura, educação e serviços públicos, e os cortes orçamentários podem agravar ainda mais essa situação", ressalta Braun.
Apesar disso, segundo o cientista político, o estado do Pará tem se mostrado estratégico ao buscar alternativas de financiamento através de parcerias com o mercado externo, especialmente com países da Europa, Ásia e o Oriente Médio. Com a expectativa de investimentos bilaterais, o estado tenta garantir recursos para projetos de infraestrutura e para a realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que ocorrerá em 2025 em Belém.
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