Atuação do STF é percebida como intervenção política, avalia jurista Ives Gandra
Jurista critica recentes decisões do Supremo Tribunal Federal e do presidente Jair Bolsonaro e vê com preocupação contexto político atual
Um dos nomes mais conceituados na área jurídica, com mais de seis décadas de advocacia, o jurista Ives Gandra, que já foi conselheiro da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), membro da Ordem dos Advogados Portugueses (OAP), e presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, onde é conselheiro nato, vem criticando publicamente a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de mandar prender, no último dia 13, o ex-deputado Roberto Jefferson, dentro do chamado “inquérito da milícia digital”.
Para Gandra, a imagem da Corte vem se desgastando perante a opinião pública, o que é consequência da linha de atuação que seus membros vêm adotando. “Cada um (ministro), individualmente, tem uma densidade jurídica muito grande, mas como colegiado, no momento em que passaram a intervir na política, passaram a atuar como legisladores, muitas vezes, ou como corretores do rumo do Executivo, eles passaram também a ser considerados pelo povo no mesmo nível. Então, daquela imagem de um verdadeiro templo, eles passaram a ser examinados como se fossem interventores políticos”, declarou, em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal.
Para ele, a determinação do ex-deputado e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi equivocada e representa uma censura prévia. “Estou com o Procurador Geral da República e entendo que essa censura não é boa para a democracia, porque cerceia, por mais transloucada que seja (a manifestação), a democracia. Qualquer manifestação, de qualquer pessoa, tem o direito dela se manifestar”, enfatizou.
Da mesma forma, o jurista entende também como exagerada a iniciativa do presidente Jair Bolsonaro de falar em impeachment de ministros do Supremo, já que processos desse tipo devem ter outros fundamentos além de uma decisão. Apesar do que classifica como “equívocos dos dois lados”, Gandra diz que a ação de Alexandre de Moraes teve uma lesão maior que a do presidente, pela prisão imposta.
Ainda sobre Bolsonaro, Gandra acredita que algumas declarações do presidente acabam atingindo ele mesmo. “Na verdade, eu tenho a impressão que (ele) é o maior inimigo dele mesmo, porque tem algumas manifestações que não precisa levar pra imprensa. A liturgia do cargo exige. Tudo isso gera uma tensão no país que prejudica a recuperação econômica, prejudica a imagem do próprio país”, declarou.
A opinião de Ives Gandra em relação à atuação do Supremo se estende ao caso envolvendo o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que está preso desde fevereiro deste ano, também por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, após divulgação de vídeo em que incitava violência contra os ministros da Corte. “Acho que foi um outro equívoco”, ressalta. Conforme destacado pelo Jurista, a Constituição Federal, em seu artigo 53, estabelece que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Nesse sentido, ele ressalta que, “por mais absurda que seja uma manifestação”, deveria ser respeitada a interpretação do constituinte que elaborou o texto da norma. Mas, para ele, Alexandre de Moraes cometeu algo ainda pior: “criou uma figura inexistente no direito penal, não existe em lei nenhuma, o ‘flagrante perpétuo’, ao considerar que aquilo que foi colocado no vídeo e, pode ser repassado “n” vezes, durante “n” anos, aquilo seria um flagrante”, ressaltou. “Então é um dado interessante, esses conflitos entre a admiração que eu tenho por ele (Alexandre de Moraes) e estas duas decisões, que a meu ver, criam uma tensão desnecessárias no país. Essa tensão prejudica não só o momento político, mas a economia, o dólar sobe, cai a bolsa, porque tem essa impressão que nós vamos pra um estado que pode ser de beligerância entre os poderes, com eventual ruptura - que eu estou convencido que não ocorrerá em nenhum momento”, aponta.
“A liberdade de expressão, quando não se pega arma, é algo que tem que se proteger”
Ives Gandra também questiona a avaliação subjetiva do que pode afetar a democracia. “Eu tenho impressão que numa democracia, a liberdade de expressão, quando não se pega arma, apenas diz o que se pensa, é algo que não se pode combater, é algo que tem que se proteger”, enfatiza.
Diante da atual crise institucional, o primeiro passo que deveria ser dado pelo ministro Alexandre de Moraes a partir de agora é a concessão da prisão domiciliar a Roberto Jefferson. Em seguida, a análise do recurso, com pedido de habeas corpus, pelo pleno. O jurista lembra que o fato de Roberto Jefferson ser presidente do PTB, partido aliado de Bolsonaro e apontado uma das possíveis siglas que o presidente pode se filiar, faz com que a opinião pública veja a decisão como algo para inviabilizar a figura do chefe do Executivo Federal. “Tenho certeza que o Supremo não vai querer se envolver, na medida que é um poder não-político”, disse, afirmando não acreditar que foi essa a intenção da Corte, mas sim a interpretação que pode ser dada pelo povo. “Liberaram de um lado o Lula, estão atacando o Bolsonaro do outro lado, os seus aliados, aqueles que estão o defendendo, e isto não é bom para a imagem do Supremo. É um dado que me preocupa muito”.
“Alguém que diz que o presidente é genocida, não tem prisão decretada”
Recentemente, uma outra polêmica envolveu o cantor Sérgio Reis, aliado do Presidente Jair Bolsonaro, que convocou uma greve de caminhoneiros com o objetivo de obstruir rodovias e pressionar o Congresso Nacional a afastar ministros do Supremo Tribunal Federal. Além das críticas às declarações do artista, parlamentares da oposição ao governo também defenderam que ele fosse penalizado. Um grupo de vinte e nove subprocuradores-Gerais da República, incluindo os três candidatos da última lista tríplice, por exemplo, apresentou uma representação na Procuradoria da República do Distrito Federal pedindo a investigação contra Sérgio Reis.
“Todos podem defender as posições que quiserem. Alguém que disse, por exemplo, que o presidente é genocida, não tem prisão decretada pelo presidente, pelo Supremo Tribunal Federal, mas se a pessoa disser que o STF não merece lá estar, os ministros, este pode estar atentando contra a segurança nacional”, completa, questionando a diferença de tratamento entre os casos.
OAB deveria ser mais atuante em defesa da democracia, afirma Gandra
Para Ives Gandra, a Ordem dos Advogados do Brasil também deveria se manifestar sobre o cenário atual, defendendo a opinião pública, contra a censura. “Eu gostaria que o presidente do Conselho Federal se manifestasse no sentido de preservação do direito. Não concordo em nada que fulano disse, mas tenho o direito de dizer numa democracia”.
Ele diz se a manifestação resultar em agressão, existem os caminhos do direito normal: denunciação caluniosa ou ação por difamação, tanto na civil como na ação penal. “Mas a prisão jamais. Então, é essa a minha via e essa que o Conselho Federal deveria dizer: ‘discordo de tudo, mas liberdade de expressão é algo sagrado numa democracia’”.
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