Pará: artigo da reforma tributária abre brecha para taxação de exportações

Setor produtivo alerta para os impactos que a tributação de produtos primários ou semielaborados teria na economia do Estado

Fabrício Queiroz

A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/19, que trata da Reforma Tributária foi bem recebida por diversos segmentos da sociedade, porém o texto encaminhado para apreciação do Senado Federal apresenta um trecho preocupante na avaliação de representantes do setor produtivo, juristas e políticos. O artigo 20 da matéria trata da possibilidade dos Estados criarem um tributo que incidiria sobre a exportação de produtos primários ou semielaborados, o que no caso do Pará abrangeria, por exemplo, atividades como o agronegócio e a mineração.

O trecho em questão prevê que os Estados e o Distrito Federal poderão instituir a contribuição sobre os itens produzidos em seus territórios para realizar investimentos em obras de infraestrutura e habitação. A medida seria uma forma de substituir os recursos repassados pelos fundos estaduais e ficaria em vigor até 31 de dezembro de 2043.

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Por não constar no texto original da PEC, esse artigo tem sido rechaçado por diferentes setores, que esperam que ele não seja endossado nas discussões no Senado. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou nota defendendo a Reforma Tributária, mas alertou para os perigos de uma taxação estadual.

“A CNI se posiciona contra a criação dessa nova contribuição, que vai na contramão do que se pretende com a reforma tributária, pois fere alguns dos seus princípios fundamentais ao manter a cumulatividade, tributar as exportações, prever tributação da produção na origem em oposição à tributação do consumo no local destino e permitir aumento da carga tributária”, pontua a entidade.

Faepa: é preciso preservar o teor da proposta aprovada

No âmbito local, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Pará (Faepa) diz que é necessário preservar o teor da proposta aprovada, visto que a criação de novos tributos poderia prejudicar o desempenho do Brasil na balança comercial, além de gerar um efeito em cadeia, que atingiria inclusive o consumidor final.

“É importante não errarmos. É importante diminuirmos a quantidade de impostos, que são mais de cinco macroimpostos para um ou dois, mas não errar a mão nesses, pois os produtos primários quando são tributados quem paga é a classe baixa, é a classe que precisa desses alimentos com menor preço. Isso não pode chegar até eles e ou na nossa balança comercial. Nos preocupa muito como vai ficar essa redação final”, comenta Guilherme Minssen, diretor técnico da Faepa.

Minssen ressalta ainda que qualquer taxação extra poderia ser danosa ao próprio abastecimento do país e à dinâmica do agronegócio. “Vários produtos da agricultura são fundamentais em outras cadeias. Sem ele, nós não podemos ter avicultura, não podemos ter suinocultura. Tudo isso está muito interligado. Nós temos uma preocupação muito grande porque se nós aumentarmos essas taxas e nós não soubermos negociar uma reforma tributária como precisa ser feita, ela pode atingir também a todos esses trabalhos que migrariam rapidamente para a informalidade”, analisa.

No mesmo sentido, o Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará (Simineral) divulgou posicionamento favorável à Reforma Tributária, mas esclarece que não apoia a redação dada ao artigo 20. “Acreditamos que este artigo contraria a própria reforma e aumenta a carga tributária, caminhando em sentido contrário à simplificação e à neutralidade fiscal, o que poderá gerar sérias repercussões ao setor empresarial e às exportações brasileiras. Esperamos um fundamental diálogo sobre o tema, envolvendo o setor produtivo mineral e antecedendo a votação no Senado Federal, de forma que seja debatida a retirada de tal artigo do texto da Reforma Tributária”.

Artigo tenta constitucionalizar fundos estaduais

Na avaliação da advogada tributarista Aline Ferraz, é importante compreender que a proposta do artigo 20 da Reforma Tributária vem na esteira de uma série de debates que envolvem a desoneração de produtos primários, que envolve inclusive a Lei Complementar nº 87/1996, mais conhecida como Lei Kandir.

Um dos instrumentos legais que deveria sanar as perdas de arrecadação é o que estava previsto no artigo 91 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que estabelecia que a União repassaria recursos para os Estados e Municípios produtores desses produtos na proporção de 75% e 25%, respectivamente. Contudo, tal medida precisaria ser regulamentada, mas não houve iniciativa do Poder Legislativo nesse sentido, o que motivou o Estado do Pará a ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 25.

“Em 2020, nós tivemos um acordo no âmbito da ADO 25, no STF, em que ficou definido que seriam transferidos R$ 65 bilhões ao longo de 18 anos aos Estados por conta desse tema”, explica Aline Ferraz, que acrescenta que, após o julgamento, diversos estados, como o Pará. elaboraram leis complementares para criação de fundos estaduais de desenvolvimento com o objetivo de suprir as perdas de arrecadação.

“Em Goiás, no Pará, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul temos algumas leis que foram editadas, inclusive existem ações tramitando junto ao STF pedindo o julgamento da inconstitucionalidade desses fundos”, contextualiza a advogada. Nesse sentido, caso a PEC seja aprovada sem alterações, a criação desses fundos seria amparada pela Constituição.

“Na minha visão se criaria uma constitucionalização do que hoje, nós, tributaristas, alegamos ser inconstitucional. Existe uma grande preocupação no ambiente tributário em decorrência do artigo 20, ainda mais que foi de forma aglutinativa, ou seja, não teve um debate, não teve estudo a cerca do tema nem do impacto disso”, analisa Aline Ferraz, que ressalta que o artigo tem sido classificado como um jabuti, que é um jargão legislativo para definir uma proposta que não tem relação com o texto original.

image A advogada tributarista Aline Ferraz diz que artigo 20 foi incluído na Reforma Tributária sem o debate necessário (Divulgação)

O Governo do Estado foi questionado pela reportagem sobre a criação a posição do Executivo em relação à Reforma Tributária e a possível taxação de produtos primários e semielaborados. Em nota ao Grupo Liberal, a Secretaria da Fazenda do Pará informou apenas que “foi criada uma contribuição não compulsória, por meio da Lei 8.931/2019, dentro do Fundo de Desenvolvimento Econômico, para contribuintes de ICMS com tratamento tributário diferenciado. Até hoje não houve adesão das empresas”.

Senado inicia debates em agosto

A PEC 45/19 agora precisa ser votada no Senado Federal para, caso seja aprovada, seguir à sanção presidencial. Antes disso, a matéria vai tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sob a relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que já anunciou que divulgará o plano de trabalho somente em agosto.

Ainda assim, os debates entre os parlamentares já começaram a ser travados. O senador paraense Zequinha Marinho (Podemos), por exemplo, diz que pretende reunir com relator para sugerir aperfeiçoamentos no texto. “É preciso garantir que essa reforma atenda a necessidade do país em se modernizar, tornando-se mais competitivo em relação aos outros países. Contudo, mais do que essa preocupação, devemos chegar num texto final que seja bom para a sociedade e que reduza o peso tributário pago atualmente no país”, afirma.

Sobre a polêmica em torno do artigo 20, Marinho diz que é preciso levar em conta a necessidade de compensação das perdas dos Estados oriundas da desoneração do ICMS. “Estamos estudando essa situação, de forma que a possibilidade para que estados criem novos impostos não desvirtue o objetivo finalístico da reforma, que é simplificar e reduzir o peso da carga tributária. Não podemos tolerar a criação de mais impostos. Acredito que a solução está no Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que vai compensar os estados e proporcionar recursos para investimentos”, adianta o parlamentar.

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