Apenas 7 dos 144 municípios paraenses têm leis específicas sobre acessibilidade em espaços públicos
Os dados mostram ainda que nenhum município do Pará possui um comitê permanente de acessibilidade
A biomédica Malena Mendes foi diagnosticada com mielomeningocele ainda bebê, mas a falha congênita da coluna e medula espinhal nunca foi um fator limitante para a sua independência, a qual ela tem muita estima. Praticante de Crossfit, atualmente, aos 26 anos, ela é uma das cerca de um milhão de pessoas com deficiência física, auditiva, visual e intelectual no Pará que lutam para garantir o seu direito de ir e vir.
Segundo informações do Observatório da Diversidade e da Igualdade de Oportunidade de Trabalho, apenas 7 de 144 municípios paraenses possuem leis específicas sobre adaptação de espaços públicos para facilitar a acessibilidade – Santarém, Juruti, Aveiro, Portel, Marabá, Parauapebas e Canaã Dos Carajás. Os números também revelam que, na maioria das vezes, nem mesmo o prédio das prefeituras tem condições de acessibilidade. Os dados mostram ainda que nenhum município do Pará possui um comitê permanente de acessibilidade.
“Eu sinto principalmente porque moro no centro da cidade, às vezes, até ir numa praça é complicado. Essas pedras portuguesas dificultam o nosso ir e vir e a rua como um todo tem buraco. Às vezes fazem rampa, mas quase sempre são muito íngremes, então não dá pra subir adequadamente, tanto de andador quanto de cadeira de rodas”, relata.
A Lei Brasileira da Pessoa de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146), de 6 de julho de 2015, em seu Capítulo I, Art 3º, considera acessibilidade: a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; e em seu Capítulo II, Art. 4º, determina que Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
Apesar de os direitos e liberdades fundamentais serem garantidos às pessoas com deficiência, para que sejam incluídas de forma social e cidadã, Malena, que atualmente faz pós-graduação em biomedicina, ainda sente falta de facilidades mínimas ao circular por Belém, e sente que tem sua independência comprometida. “O episódio que mais me recordo é quando vou no comércio fazer uma compra, é difícil, já dei muita topada de cadeira de rodas e andador nesse chão. Já caí de bater meu queixo. Tem subida que se você não pede ajuda, não dá para ir sozinha”, lembra.
Até mesmo em um ponto turístico como o Forte do Castelo falta acessibilidade, segundo Malena, que precisa sempre de ajuda porque a subida não é adequada. “Eu acho que as pessoas que planejam as ruas deveriam olhar mais por isso, pelo menos deveria ter uma rampa. Belém também falta muito meio fio. O mais importante é que as pessoas lembrem que nós não somos limitados, a falta de acessibilidade nos limita”, pontua.
Acessibilidade deve ser transversal
A diretora de comunicação da Associação Paraense das Pessoas com Deficiência (APPD), Regina Barata, coloca em questão o que ela acredita ser o mais importante nesse debate sobre acessibilidade: o conceito de design universal. Para ela, a causa não é mais pela quebra das barreira arquitetônicas somente, é por uma mudança coletiva de pensamento, em que magros, gordos, idosos, deficientes físicos, auditivos e intelectuais tenham acesso a tudo que uma cidade dispõe.
“Não podemos projetar uma cidade sem pensar em todos. As portas, por exemplo, não podem ter menos de 1 metro. Tem portas com 80 centímetros, e uma cadeira de rodas não passa. As casas precisam acolher todos e todas. Todos vão ficar idosos, vão ter dificuldades de locomoção. As pessoas sofrem acidentes, quebram uma perna. Falamos em quebra de barreira mesmo, senão você sai de casa e não sai na rua, sai na rua e não entra no ônibus”, explica.
Para Regina, o caminhar é em direção a uma mudança atitudinal, em que a cultura não só do paraense, mas do brasileiro, seja transformada. “Mesmo que os locais sejam acessíveis, enfrentamos olhares que condenam, pessoas que não te ajudam não são solidários. Quando temos um problema coletivo, se agirmos individualmente a gente não avança. Precisamos fazer uso das leis já existentes, porque a nossa legislação é avançada. Lutamos na APPD para que todos possam compreender, o gestor público, o empresário, os parlamentares as pessoas como um todo”, afirma.
O relatório do Observatório aponta que a Adaptação do transporte coletivo por ônibus intermunicipal a PCDs existe apenas em parte do Estado e Regina lembra que, antes da Lei da Inclusão, de 2015, no ano de 2004, foi dado um prazo de dez anos para que o transporte coletivo fosse 100% acessível. Dezessete anos depois, o Pará ainda não tem sua frota inteiramente adequada.
“Nós fomos o primeiro Estado a fazer a isenção tarifária para a pessoa com deficiência no transporte rodoviário e aquaviário, mas chegamos a 2021 e nem todos os coletivos são acessíveis, até porque teriam que ser de fábrica, e em Belém compramos coletivos sucateados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde a vida útil é de 5 anos e aqui é de dez, então já compram o ônibus sucateado e sem acessibilidade”, ressalta.
Legislação estadual e municipal
A Assembleia Legislativa do Estado do Pará informou que não há Leis na casa voltadas especificamente para a acessibilidade de pessoas com deficiência. Já a Câmara de Vereadores de Belém possui duas leis regulamentadas: a dos Assentos Prioritários nos Ônibus (nº 9.216, de 25 de maio de 2016); e a da Parada Segura (nº 9.591, de 4 de agosto de 2020), do vereador Fernando Carneiro.
O parlamentar também está com outro Projeto Resolução em tramitação, para que as sessões da Casa sejam transmitidas em libras para garantir o acesso à informação a todos. “É dever desta Câmara Municipal zelar pelos direitos de todos os munícipes inclusive aqueles que por consequência de alguma deficiência tenham dificuldade de acesso. Precisamos trabalhar esse tema de uma maneira mais global e, quando fizermos a revisão do Plano Diretor, que deveria ter sido feita em 2018 e estamos querendo fazer esse ano ainda, vamos ouvir todas as entidades que debatem a questão da acessibilidade”, finaliza.
INFOGRÁFICO PARÁ (IBGE - PESQUISA DE INFORMAÇÕES MUNICIPAIS, 2019)
8,7mi habitantes (IBGE, 2020)
- Lei Específica sobre Adaptação de espaços públicos para facilitar a acessibilidade em 7 de 144 Municípios (4,9%): Santarém, Juruti, Aveiro, Portel, Marabá, Parauapebas e Canaã Dos Carajás
- Acessibilidade na prefeitura - Rampas de acesso: 93 de 144 municípios, 64,6%
- Acessibilidade na prefeitura - Reserva de vaga para veículos: 18 de 144 municípios (12,5%)
- Acessibilidade na prefeitura - Sinalização de atendimento prioritário: 9 DE 144 MUNICÍPIOS (6,2%)
- Acessibilidade na prefeitura - Admissão de cão guia: 6 DE 144 MUNICÍPIOS (4,2%)
- Acessibilidade na prefeitura - Rampa externa e rebaixamento de calçadas para travessia de pedestre: 29 DE 144 MUNICÍPIOS (20,1%)
- Acessibilidade na prefeitura - Pessoal capacitado para atendimento em LIBRAS: 26 DE 144 MUNICÍPIOS (18,1%)
- Acessibilidade na prefeitura - Elevadores, plataformas elevatórias e outros: 8 DE 144 MUNICÍPIOS (5,6%)
- Acessibilidade na prefeitura - Sanitário acessível: 60 DE 144 MUNICÍPIOS (41,7%)
- Acessibilidade na prefeitura - Piso tátil: 16 DE 144 MUNICÍPIOS (11,1%)
- Acessibilidade na prefeitura - Elevadores com braile e sonorização: 4 DE 144 MUNICÍPIOS (2,8%)
- Acessibilidade na prefeitura - Telefone público adaptado: 1 DE 144 MUNICÍPIOS (0,7%)
- Acessibilidade na prefeitura - Mobiliário de recepção adaptado: 7 DE 144 MUNICÍPIOS (4,9%)
- Acessibilidade na prefeitura - Pessoal capacitado para atendimento: 30 DE 144 MUNICÍPIOS (20, 8%)
- Acessibilidade na prefeitura - Pessoal capacitado em acessibilidade digital: 10 DE 144 MUNICÍPIOS (6,9%)
- Promoção de direitos de PCDs quanto à melhoria de acessibilidade a espaços: 60 DE 144 MUNICÍPIOS (41,7%)
- Promoção de direitos de PCDs quanto à melhoria e garantia de acessibilidade de transporte público: 28 DE 144 MUNICÍPIOS (19,4%)
- Promoção de direitos de PCDs quanto à acessibilidade digital: 18 DE 144 MUNICÍPIOS (12,5%)
Ações Estaduais (2017)
- Adaptação do transporte coletivo intermunicipal ferroviário a PCDs: não Informado
- Adaptação do transporte coletivo por ônibus intermunicipal a PCDs: em parte
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