Mais de 4,8 mil casos de pedofilia foram registrados no Pará em 2025
A apologia a esse crime teve repercussão após o caso da comercialização de bonecas sexuais com aparência infantil em um site de vendas internacional
No Pará, 4.838 denúncias de pedofilia foram registradas de janeiro a outubro de 2025. No mesmo período de 2023 e 2024, foram computados 4.908 e 4.695 crimes deste tipo, respectivamente, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup). Nos últimos anos, operações policiais e campanhas educativas vêm sendo intensificadas no Estado com o intuito de combater crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes. No início desta semana o tema ganhou repercussão internacional após denúncias sobre a comercialização de bonecas sexuais com aparência de crianças em um grande site de vendas.
Especialistas apontam que a oferta desse tipo de produto representa não apenas uma afronta à dignidade infantil, mas também uma forma simbólica de apologia à pedofilia. Esse comportamento, embora nem sempre seja considerado diretamente como um crime, reforça práticas que violam os direitos fundamentais da criança e do adolescente.
A ausência de lei
A advogada criminalista Sarah Catrine de Souza Xavier, especialista em Direito Penal e Execução Penal, explica que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não possui uma tipificação penal específica que criminalize a fabricação, importação ou venda de bonecas sexuais com aparência infantil. Segundo ela, apesar da ausência de uma lei direta, há possibilidade de enquadramento por analogia, com base nos princípios constitucionais de proteção integral da infância e nas normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Essas condutas podem ser interpretadas como apologia ou incentivo à pedofilia, podendo se enquadrar nos artigos 241-C e 241-D do ECA, que punem a simulação e a divulgação de cena de sexo explícito envolvendo crianças, inclusive quando há representações artificiais ou realísticas”, explicou a advogada.
Sarah Xavier destaca que a lacuna legal favorece a impunidade, uma vez que o Direito Penal se baseia no princípio da legalidade. “Sem uma lei anterior que defina o crime, não há punição direta, ainda que a conduta seja eticamente reprovável”, diz.
Responsabilização
Mesmo sem tipificação penal, a especialista ressalta que empresas podem ser responsabilizadas civil e administrativamente por comercializar produtos que afrontem a dignidade humana. “O Código de Defesa do Consumidor proíbe produtos ofensivos ou que estimulem práticas ilegais. O Marco Civil da Internet impõe o dever de cooperação às plataformas digitais, que devem remover conteúdos ilícitos. Também é possível a aplicação de multas e a interdição de anúncios”, detalhou.
Para a advogada, a responsabilidade é compartilhada entre o Estado e as empresas. “O Estado deve fiscalizar e proteger a infância, enquanto as plataformas têm o dever de moderação e de impedir a oferta de produtos que sexualizem crianças. A omissão de ambos cria um ambiente permissivo e perigoso”, pontuou Sarah Xavier.
A especialista conclui alertando que a venda de bonecas com aparência infantil normaliza comportamentos pedófilos e reforça a objetificação sexual da infância. “Mesmo sem uma vítima direta, o dano social é evidente. É preciso educação digital, conscientização coletiva e uma mudança cultural que reafirme a infância como fase de proteção, não de fetichização”, declara a advogada.
Condutas
O mestre em Segurança Pública Diego Martins comenta que a pedofilia é compreendida sob as perspectivas clínica e jurídica. “A pedofilia é uma categoria médica, definida pela Classificação Internacional de Doenças (CID) como atração sexual por crianças. Já o crime está nas condutas concretas praticadas contra vítimas humanas, especialmente menores de 18 anos”, esclareceu.
Martins observa que, por não ter tipificação penal específica para a comercialização de bonecas com aparência infantil no Brasil, o tema se torna complexo e sujeito à interpretação jurídica.
“A análise deve considerar o potencial de ofensa aos direitos da criança e do adolescente. O consumo, a produção e a disseminação de material sexual envolvendo crianças são crimes graves e punidos com rigor. Mas situações indiretas, como a venda desses produtos, exigem análise criteriosa à luz da Constituição”, afirmou.
O especialista reforça que tanto o vendedor quanto a plataforma podem ser investigados, dependendo das circunstâncias, e destaca que o Estado dispõe de mecanismos de repressão e denúncia, como as delegacias especializadas, o Ministério Público e os canais Disque 181 e Disque 100.
Martins ressalta que as instituições civis são importantes para tratar esse tipo de situação. “A Ordem dos Advogados do Brasil tem um papel fundamental na conscientização, na capacitação de profissionais e na interlocução com os órgãos públicos, sempre em defesa dos direitos da infância e no enfrentamento de qualquer forma de violência sexual”, aponta.
Crime
A delegada Daniela Amorim, titular da Diretoria de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAV) da Polícia Civil do Pará, afirma que o Brasil possui uma legislação recente que trata da adultização infantil, e que cabe aos órgãos fiscalizadores, seja do comércio ou da internet, agir para impedir a venda e a divulgação de produtos inadequados.
“Por isso existem faixas etárias para brinquedos, filmes e jogos. Se um produto for considerado inadequado para crianças ou adolescentes, deve ser retirado de circulação”, explicou.
A delegada ainda ressalta que qualquer objeto ou conteúdo de cunho sexual destinado a uma criança pode configurar ato criminoso. “Se um objeto fornecido a uma criança tiver conotação sexual a ponto de se enquadrar como ato libidinoso, é crime. O adulto será responsabilizado”, destacou.
Ela acrescenta que qualquer cidadão pode denunciar situações suspeitas, mesmo que não haja vítima identificada. “Qualquer violação de direitos de crianças e adolescentes deve ser comunicada. As denúncias podem ser feitas de forma anônima pelos canais 181, Disque 100 ou diretamente à autoridade policial”, reforçou.
Proteção das crianças e adolescentes
A advogada Bianca Santos contou que é "complexo" considerar a comercialização de bonecas sexuais com imagem de criança como pedofilia, tendo em vista a definição do termo feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a carência de uma legislação específica. “No entanto, entendo que, de um ponto de vista moral, essa prática possa ser considerada como pedofilia, vez que fomenta a sexualização de menores, vilipendia a infância, à medida que objetifica a imagem da criança para fins sexuais”, alegou Santos.
Ela disse que, além do direito à proteção integral e absoluta, garantidos pela Constituição e pelo ECA, é garantido à criança e ao adolescente vítimas de violência o direito de serem protegidos e socorridos com preferências, de optarem por serem atendidos por profissionais do mesmo gênero e de serem ouvidos por meio de escuta especializada, “que é aquela em que a criança é ouvida em ambiente seguro e acolhedor”, evitando a revitimização.
“Além disso, o acompanhamento especializado para crianças e adolescentes vítimas de violência e de suas famílias também é uma das garantias destinadas a crianças vítimas de violência, previstas tanto no decreto n° 9.603/18 quanto na Lei de escuta protegida”, concluiu.
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