Saiba o que é a agroecologia, ameaçada pelo fim da reforma agrária e titulação de terras indígenas e quilombolas

Forma de cultivo respeita o meio ambiente, segurança alimentar e cultura de povos tradicionais

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Agroecologia é uma forma de cultivo que vai na contramão do grande agronegócio, sendo muito característica da agricultura familiar e de povos tradicionais. É um segmento que costuma extrapolar o perfil de um segmento de negócio rural. É um movimento que defende várias causas sociais, combinando a produção de alimentos de maneira responsável com a preservação do meio ambiente e modo de vida das comunidades. De forma organizada ou não, os pequenos produtores são os responsáveis por cerca de 80% dos alimentos que chegam à mesa das famílias brasileiras.

Os trabalhadores defendem o direito à terra dos povos tradicionais — indígenas, quilombolas e ribeirinhos, precursores de muitas técnicas de cultivo —, floresta em pé, produção que não agride o meio ambiente, produtos orgânicos (livres de agrotóxicos), alimentação de qualidade, combate à fome e à desigualdade social e geração de emprego no campo. São algumas entre muitas motivações do setor. Chico Mendes, um seringueiro, sindicalista, ativista social e ambiental do Acre, assassinado em 1988 pelo ativismo, é uma das principais referências.

"Agroecologia é comportamento de indivíduos em produzir alimentos saudáveis, com respeito à biodiversidade. Na Amazônia, é praticada há muitas décadas. Quando se lutava para manter a floresta em pé, se fazia agroecologia. A floresta devolve oxigênio, limpa os rios e produz alimentos. Dela se tiram diversas riquezas. Sem necessitar de venenos e agrotóxicos que fazem mal à saúde. E hoje, o que a população compra nas feiras livres é fruto da agroecologia de pequenos produtores, produtores familiares e povos tradicionais. Ter a floresta em pé é uma conquista da humanidade", explica Paulo Rocha, secretário do Conselho Nacional de Populações Extrativistas.  

Paulo aponta que há 60 milhões de hectares de terra na Amazônia que são destinados à preservação através de unidades de conservação, territórios de povos tradicionais e assentamentos rurais. Manter esses territórios têm sido um dos principais desafios. "São áreas cobiçadas pelo agronegócio, que cada vez mais demanda terra e as terras já tiveram tanto veneno, queimadas que já não produzem nem capim. É uma ameaça constante de mineradoras e madeireiras também. Já faz 30 anos da morte de Chico Mendes e essa violência já existia", ressalta. E com a dificuldade em preservar os territórios e obter novos títulos de terras, o acesso ao crédito para desenvolvimento é ainda mais prejudicado.

Grande parte dos produtos típicos do Pará são de origem da Agroecologia, feita por pequenos produtores tradicionais. O cultivos das frutas regionais, muitas vezes, também é trabalho de pequenos produtores e povos tradicionais. A Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap) aponta que o Pará tem 280 mil propriedades rurais destinadas a pequenas produções e agricultura familiar.

 

FALTAM RECURSOS E RECONHECIMENTO. SOBRA VIOLÊNCIA.

 

Todas essas lutas dos trabalhadores da agroecologia esbarram na falta de recursos, na falta de títulos de terras aos povos tradicionais, demarcações territoriais consideradas injustas e ataques constantes às comunidades. Algumas pessoas estão sendo coagidas a vender títulos de terras legítimos para companhias e empresários. Isso quando quem tem interesse na terra alheia se dispõe a negociar. Há grupos criminosos que tentam entrar nas terras regularizadas ou da União ou do Estado à força. Por isso, esses povos se veem constantemente ameaçados, assediados e vítimas de violência em meio a conflitos agrários.

A Reuters teve acesso a memorandos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), já na nova gestão, que suspendiam, por tempo indeterminado, processos de regularização fundiária, reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas e criação de assentamentos. Para instituições ligadas ao direito à terra, trabalho no campo e agroecologia, é o fim da reforma agrária. O programa já estava a passos lentos no final dos governos petistas. Em 2016, sofreu vários cortes de verbas, praticamente imobilizando as ações. O Incra voltou atrás e suspendeu os memorandos, mas a ameaça permanece.

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Essas medidas já eram previstas e temidas desde que o presidente Jair Bolsonaro estava em campanha. Afinal, ele já disse publicamente, mais de uma vez, que não iria demarcar terras indígenas ou quilombolas. Manifestou desprezo por comunidades quilombolas (em palestra numa comunidade judaica) e indígenas, comparando esses povos a animais em zoológicos e chamando-os de inúteis e excluídos. O atual presidente sempre teve proximidade com o grande agronegócio.

Nos últimos três anos, critica Paulo, a agroecologia vem sofrendo sucessivos cortes de verbas. De um lado, a redução do orçamento para órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). De outro lado, cortes de recursos destinados ao fomento da agricultura familiar e da agroecologia. Com isso, a fiscalização e proteção  da integridade de produtores agroecológicos ficou comprometida. Falta pessoal para fiscalizar o imenso território amazônico. E as próprias instituições sofrem ataques e ameças. Com os ajustes recentes nas estruturas e missões desses órgãos, incluindo o Incra e a Fundação Nacional do Índio (Funai), agroecologistas temem por um futuro de mais violência e conflitos por terra.

De quase R$ 10 bilhões em investimento, em 2013, o orçamento caiu para R$ 1 bilhão, acompanhado da extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2016. Neste ano, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) recebeu produções que somariam R$ 295 milhões, mas só foram disponibilizados R$ 22 milhões para a aquisição de alimentos. Ainda assim, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) recebeu o prêmio de Políticas para o Futuro 2018 (Future Policy Awards).

 

POVOS TRADICIONAIS RELATAM EXPERIÊNCIAS POSITIVAS E VIOLÊNCIA

 

"Nossa experiência com a agroecologia é muito boa e fortalece nossas organizações. Mas nossa realidade é muito difícil. Somos ameaçados pelo agronegócio, pelos sojeiros e fazendeiros, e nosso território já não tem mais floresta. Estamos perdendo parentes indígenas e também parentes quilombolas e ribeirinhos. Tanto pela violência quanto pelo envenenamento de agrotóxico", relata Manoel Batista, coordenador do povo Munduruku do Planalto Santarém e cacique da aldeia Ipaupixuna. O relato dele é marcado por lágrimas e tristeza. O povo tem conseguido fazer produções de açaí, cupuaçu, acerola, graviola e arroz. Os produtos são fundamentais para o sustento das tribos pela alimentação e remuneração.

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Ivanessa Ramos é representante da comunidade quilombola Maria Vitória, de Peritoró (MA). Ela conta que o trabalho de agroecologia lá começou há cerca de 20 anos. No começo, nem havia qualquer forma de apoio. Muitos consideravam loucura entrar nesse segmento pelos custos de não trabalhar com fogo e agrotóxicos. As culturas de produtos variados são consorciadas e sem destruição da floresta nativa. "Foi a melhor forma de garantirmos nossa soberania alimentar e diversidade de alimentos", afirma, orgulhosa. Atualmente, a comunidade fornece a produção para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

A Associação em Áreas de Assentamento no Maranhão (Assema) e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) começaram a dar visibilidade ao trabalho agroecológico da comunidade quilombola Maria Vitória. A Secretaria de Agricultura do Maranhão passou a fazer acompanhamento técnico. As práticas da comunidade, destaca Ivanessa, já são referência para outros municípios e famílias de povos tradicionais. Com o fim de queimadas, a redução de territórios e de danos ao meio ambiente diminuiu. Na área de 20 hectares da comunidade, tem açaí, banana, coco, cupuaçu, acerola, cajá e caju. Assim, tem frutas o ano todo. Há ainda mandioca, milho e arroz. Tudo no mesmo espaço.

"Enfrentamos a violência e a perseguição desde a fundação das comunidades. Temos enfrentamento com os grande latifúndios e ameças. Muitas pessoas morreram e ainda morrem. Muitas famílias estão sendo expulsas e estão migrando. Muitos estão vendendo seus títulos de terras para a expansão do agronegócio. Com isso aumenta a violência, o desemprego e os quilombolas, principalmente os mais idosos, não conseguem se adaptar às cidades pelo modo de vida completamente diferente. Com esse cenário político, não sabemos como as coisas vão ficar. É o avanço da perda de direitos", comentou Ivanessa, dizendo temer pela continuidade do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), pelo qual ela estuda Agronomia. Outros cursos do programa são todos voltados para a realidade das comunidades.

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