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Prefeitura de Porto de Moz questiona legitimidade de comunidades quilombolas

Questionamento foi levantado após decisão da Vara Agrária de Altamira e ação civil pública da Defensoria Pública do Estado, que obrigam o executivo municipal a ouvir comunidades e reabrir escolas fechadas

Victor Furtado

A Prefeitura de Porto de Moz não reconhece a existência de cinco comunidades quilombolas no município: Perpétuo Socorro do Tauerá, São Francisco do Buiuçú, São Raimundo do Taperú, Sagrado Coração de Jesus do Turú e Maripí. O questionamento sobre a legitimidade ocorreu em nota enviada à Redação Integrada de O Liberal. Era a respeito de uma decisão da Vara Agrária de Altamira. O judiciário, acatando uma ação civil pública, movida pela Defensoria Pública do Estado (DPE), obrigou a prefeitura a reabrir escolas fechadas e ouvir as comunidades.

Na ACP, a Defensoria Pública tinha como base informações do Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Pelo relatório, a comunidade Perpétuo Socorro do Tauerá, tem nove famílias, com 40 pessoas ao todo. A São Francisco do Buiuçú tem 15 famílias e 57 pessoas, ocupando 16 casas. A São Raimundo do Taperú tem 28 famílias, com total de 80 pessoas, em 28 casas residências. A Sagrado Coração de Jesus do Turú possui 23 famílias, com 85 pessoas e 23 casas. E a Maripi concentra 15 famílias.

Na nota, a prefeitura dizia "O Município de Porto de Moz não oferece e nunca ofereceu resistência ao reconhecimento da existência de qualquer comunidade quilombola em seu território, porém, no presente caso, jamais recebeu de nenhum órgão oficial estadual ou federal, bem como, de nenhum morador daquela região, qualquer expediente informando da existência oficial de tal comunidade quilombola. Aliás, há uma grande incerteza se tal território sequer existe, uma vez que, inclusive, o Ministério Público do Estado do Pará já ingressou com ação judicial contra o Iterpa pela demarcação da referida área como comunidade quilombola".

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Ainda na nota, a prefeitura disse que o Iterpa "...em seu relatório de vistoria in loco, assegura que a imensa maioria dos moradores não se reconhecem como remanescentes de quilombos e, por tal razão, afirma não ter como realizar a aludida demarcação".

"Esta situação, somada à falta de documentação oficial que certifique ser tal área pertencente à suposta comunidade quilombola, bem como, a resistência da maioria dos moradores que anseiam por legalização de suas áreas de forma individual e não coletiva (Território Quilombola), torna impossível o Município de Porto de Moz, sem qualquer critério legal e oficial, reconhecer a dita existência", seguia a prefeitura.

A Fundação Palmares, que é o órgão federal que atua nesse processo de reconhecimento oficial, confirmou apenas que não há procedimento aberto em relação a essas comunidades na fundação. Mas isso não quer dizer que não exista comunidade. Se alguém começar a mobilização pelo autorreconhecimento, já é suficiente. E haver procedimentos em órgãos estaduais reforça uma luta em prol dos direitos de remanescente de quilombos.

 

Iterpa confirma estudo, mas não disse nada sobre não reconhecer quilombolas

Diferente do que alegou a prefeitura, o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) informou, por nota, que "...em 2007, foi protocolado no Instituto o requerimento administrativo de titulação coletiva das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos denominadas 'Maripi', 'N. S. do Perpétuo Socorro do Tauerá', 'São Francisco do Buiuçu', 'São Raimundo do Taperu' e 'Sagrado Coração de Jesus do Turu', situadas no Município de Porto de Moz, cuja pretensão inicial era de 21.770 hectares, por requerimento de três pessoas físicas representantes das comunidades".

"Na primeira vistoria realizada pelo Iterpa, identificou-se cerca de 90 famílias moradoras das comunidades autodeclaradas quilombolas – o direito ao autorreconhecimento da identidade étnica e cultural. O Iterpa realizou uma nova vistoria na área. O Iterpa ressalta que, após ação da Defensoria Pública, e determinação da Justiça, foi realizada uma perícia antropológica, custeada pelo Instituto, para identificar as áreas tradicionalmente ocupadas por remanescentes de quilombos, as áreas de populações tradicionais extrativistas, as áreas de agricultores e demais formas de ocupação do território", disse o Iterpa.

O resultado da perícia, explicou o Iterpa, ainda não foi divulgado. O Instituto reitera que "...a identidade étnica-cultural quilombola é o primeiro elemento para o reconhecimento da propriedade das terras, cuja prioridade na regularização fundiária é garantida pela Lei Estadual nº 8.878/2019".

A promotora de Justiça Agrária Nayara Santos Negrão, do MPPA de Altamira, comentou que a DPE "...alega que membros do Poder Executivo e Legislativo do Município são contrários à titulação da área em favor da Associação, uma vez que supostamente possuem interesses econômicos na região, razão pela qual se movimentam para “enfraquecer” o processo de regularização iniciado pela Associação".

Nayara também explicou que, em 10 de maio de 2018, recomendou à Prefeitura de Porto de Moz apenas a interdição da Escola São Francisco, em razão das péssimas condições estruturais do educandário à época. Além da deficiência no transporte escolar e ausência de merenda, colocando em risco a vida e saúde dos alunos.

"Tais condições foram verificadas durante fiscalização realizada pelo Conselho Tutelar, o qual elaborou relatório detalhado e anexou fotos que comprovam o alegado. Entretanto, frisou-se, na oportunidade, a necessidade de realocar os estudantes de forma provisória em outras escolas, enquanto não se sanassem as graves deficiências detectadas, bem como, no item B da Recomendação nº 001/2018-MP/PMZ, a necessidade de consulta à comunidade antes de qualquer providência nesse sentido", completou a promotora.

"Não há qualquer incerteza quanto a existência do território quilombola. A Legislação estadual e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) asseguram o autorreconhecimento das comunidades quilombolas", informou a defensora Andrea Barreto, da DPE.

 

Prefeitura garante que fez reuniões com comunidades

A Prefeitura de Porto de Moz garantiu, na nota, que "As escolas que foram paralisadas no ano de 2018, na zona rural, especificamente nesta região, foram ativadas no ano de 2019. Apenas a E.M.E.F. São Francisco/Buiuçú permanece fechada por recomendação e acompanhamento do Ministério Público Estadual da Comarca de Porto de Moz por ter acompanhado de perto a situação e conhecer a realidade".

"A paralisação foi resultante do Plano Municipal de Educação, que visa exterminar o sistema multisseriado de pequenas escolas. Já foram reformadas e ampliadas 27 escolas e construídas 12 novas escolas, que possuem uma estrutura melhor em todo o município, com mais benefício para as comunidades ribeirinhas. As escolas em funcionamento na 'Área Quilombola' [a prefeitura escreveu entre aspas na nota] foi decidido em reunião com as comunidades, representantes do CDS (Comitê de Desenvolvimento Sustentável), representante do sindicato dos professores (Sintepp), equipe técnica da Secretaria de Educação e representante do MPF Altamira", disse a prefeitura.

O MPF, por nota, retrucou: "Especificamente sobre a questão dos quilombolas, estes se mostraram bastante relutantes em aceitar o fechamento da escola em seu território, e enviar as crianças para uma escola polo distante, o que, segundo eles, poderia enfraquecer o seu senso de comunidade, e diluir sua cultura. Especificamente para essa questão, ficou estabelecida nova reunião, no mesmo local, para o mês de agosto de 2018."

"Sobre essa segunda reunião, prevista para ser realizada em agosto de 2018, o MPF não tem registros no banco de dados da instituição e, por isso, não podemos afirmar se ela foi realizada ou não", comentou o MPF.

A defensora Andrea Barreto disse "...que está ciente dos distintos interesses locais sobre as terras que hoje integram o território quilombola Maripi, Tauerá, Taperú, Buiuçú e Turú. Por isso, continua atuando ativamente na defesa das famílias quilombolas, para que tenham a segurança do título de seu território e políticas públicas necessárias à sua sobrevivência, como é o caso da educação".

"A Ação Civil Pública 0802652-14.2019.814.0005 foi ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Pará porque foram esgotados os meios extrajudiciais para abertura das escolas municipais existentes no interior do território quilombola, inclusive no autos da referida ação foi juntado termo de acordo firmado pelo Município de Porto de Moz, o qual não cumpriu as obrigações assumidas no citado termo, quanto à abertura das escolas e consulta das comunidades quilombolas", reforçou a defensora.

Por fim, a prefeitura disse, na nota, que "O MM. Juízo da Vara Agrária de Altamira fora induzido a erro, estando atualmente com prazo para apresentação de sua defesa e tem absoluta tranquilidade e convicção de que, após a apresentação à Justiça dos argumentos e provas que possui certamente a decisão liminar será revogada".

 

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