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Pará comemora, neste domingo, sua adesão à Independência do Brasil

Mas ainda há uma luta pela manutenção da democracia e direito à terra, diz professora da UFPA

Dilson Pimentel

“Temos ainda uma luta pela manutenção da democracia, pelo direito à terra e a moradias dignas nas cidades e nos interiores da Amazônia brasileira em geral e no Pará em particular”. É o que afirma a professora doutora Magda Ricci, da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará, ao comentar a Adesão do Pará à Independência, cuja data é comemorada neste domingo (15). Terra, trabalho e dignidade de vida caminham lado a lado com tolerância étnica, sexual e religiosa, acrescenta. “É preciso pensarmos em todo o Pará, em seus campos e rios, em suas matas povoadas por povos indígenas e comunidades quilombolas, mantidas por gentes organizadas cultural e socialmente dentro de fora de reservas e zonas de proteção ambiental”, diz. “Todos têm direito à vida, direito à saúde e à educação. Só assim evitaremos novos conflitos e passaremos a trilhar caminhos mais frutíferos no rumo de novos sonhos democráticos e libertários que nasceram de longa data desde, ao menos, a época da adesão e da Cabanagem”, afirma.

Em 15 de agosto de 1823, as autoridades maiores do antigo Grão-Pará assinaram um documento legal que unia esta região ao chamado Estado Imperial do Brasil, com sede no Rio de Janeiro e sob a batuta do novo imperador Pedro I. É importante lembrar que esta região envolvia os atuais estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Amapá e parte do Tocantins, Maranhão e Piauí. No entanto, apesar de existir este documento no Arquivo Público do Estado do Pará e os bancos escolares e os governos terem consagrado como ‘histórica’ esta data, a sociedade ainda deve se perguntar o que este documento e a ‘adesão’ em si significa nos dias de hoje, comentou a professora doutora Magda Ricci

Antes da adesão, houve levantes indígenas e de negros

Primeiro, diz, é preciso entender que se a ‘adesão’ foi assinada em agosto de 1823, houve, antes e depois dela, vários movimentos interiores ao Pará que tentaram independências e liberdades. Houve levantes indígenas e de negros, como um grande movimento no Marajó (e mais precisamente em Muaná em maio de 1823) e que foi duramente reprimido por tropas organizadas por oficiais lusitanos. Houve outros tantos depois da adesão até a grande Cabanagem, em 7 de janeiro de 1835. Mas, afinal, por que toda esta gente se levantava? Diz a professora: “É preciso lembrar que o antigo Grão-Pará foi a última Província a aderir à Independência. Entretanto, foi o primeiro a apoiar os portugueses na Revolução Liberal de 1820. Isto demonstra que os comerciantes locais e nossa economia estavam muito mais próximas àquela vinculada à Portugal e à Europa e quase nada ligada ao Rio de Janeiro. Belém tinha o mesmo status que a cidade lusitana do Porto e o bispado local esteve, até 1826, institucionalmente atrelado ao Patriarcado de Lisboa”, explicou.

Tudo isso enlaçava os paraenses e portugueses, especialmente os mais endinheirados e ligados aos comércios e produções vinculadas à exportação. Em que pese estes fatores que afastavam o antigo Grão-Pará do Rio de Janeiro, a adesão ocorreu muito porque a situação em Lisboa politicamente foi se tornando mais e mais conservadora e contrária aos brasileiros.  As chamadas “Cortes de Lisboa” foram se tornando um espaço mais próprio aos deputados de Portugal, do que aos do Brasil.

Mas, mesmo assim, os três deputados do Pará e do Rio Negro ficaram por lá até a promulgação da Constituição. Significativo ainda é notar que, por aqui, a lei máxima portuguesa foi jurada na Catedral da Sé. 

“O movimento de Adesão, todavia, foi fruto imediato de um blefe. Havia uma frota de navios comandados por um almirante inglês que foi enviada por D Pedro I com o intuito de unir o Império mais ao norte e incentivar a adesão à sua causa. Entretanto, esta esquadra havia ficado no Maranhão. Somente um navio seguiu ao Pará, mas seu comandante afirmou que seu navio era o primeiro de uma frota que invadiria a Província, caso os paraenses não aceitassem pacificamente se tornar brasileiros”, contou. “Entretanto a frota estava bem longe. Mas, quando as tropas portuguesas locais puderam perceber, já era tarde demais e a adesão fora assinada”, completou Magda Ricci.

Depois da adesão, pouca coisa ou quase nada mudou na vida dos mais pobres e dos escravizados negros

Mas, depois dessa adesão, pouca coisa ou quase nada na vida dos mais pobres e dos escravizados negros e para os povos indígenas e os mestiços, que majoritariamente viviam por aqui. “Trocamos de local de comando e de Lisboa e passamos a pertencer ao império brasileiro, mas como não vieram mudanças rapidamente eclodiram revoltas e a do brigue palhaço foi a mais conhecida e talvez a mais dramática”, afirmou. Ela ocorreu apenas três meses após a adesão. Foram 256 paraenses que lutavam por direitos iguais aos dos portugueses que aqui viviam que foram confinados no porão do navio São José Diligente (vulgo Palhaço) e morreram asfixiados ou fuzilados sem direito à julgamento e em pleno vigor do início de uma era constitucional. Até mesmo o Imperador Pedro I julgo excessivo este espetáculo dantesco. 

Em sua opinião, esse episódio marcou fortemente uma mudança na consciência política e na construção de uma identidade local paraense ou, ao menos, da região mais próxima de Belém, Marajó, Macapá e Cametá. Nasceu nessas localidades um forte sentimento de identidade que irá explodir mais tarde, em outros movimentos, como na revolucionária Cabanagem, que eclodiu em Belém em janeiro de 1835”, disse. 

Para a maioria que morava no Pará, independência local era a oportunidade de mais liberdades.

Para alguns, a adesão era uma oportunidade de abrir novos negócios mais liberalizados e com menores impostos e monopólios. Para outros, significava mudar as cabeças e lideranças locais, elevando ao poder brancos descendentes de portugueses, imigrantes e proprietários locais que ficavam de fora dos antigos negócios e sociedades luso-paraenses dos tempos coloniais. “Mas, para a esmagadora maioria dos que moravam no Pará, a independência local era a oportunidade de mais liberdades. Muitos queriam o fim da escravidão, como era o caso dos escravizados negros e mestiços. Outros queriam viver com mais liberdade de ir e vir sem recrutamentos forçados e sem ter que se submeter a trabalhos forçados com quase nenhuma remuneração”, disse.

Ela diz ainda que a identidade brasileira no Norte do Brasil foi um processo que pode ter na chamada “Adesão”, e em seu documento de 15 de agosto de 1823, um marco inicial com sonhos descumpridos. “Significou um processo no qual a Cabanagem foi um grito de aviso de que ela (a independência nacional e sua ‘adesão’ local) tinham sido insuficientes. No entanto, creio que ainda em 2021 este processo libertário ainda não se encerrou”, afirmou.

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