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Crimes raciais no Pará: queda de registros não reflete diminuição do problema, alertam especialistas

Apesar dos números, especialistas apontam para persistência do racismo e desafios na denúncia e combate ao crime

Eva Pires

Casos de injúria racial apresentaram queda de 49% nos dois primeiros meses deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. Foram 41 registros em todo o Pará, em janeiro e fevereiro de 2024. O dado, divulgado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), destaca a importância de esforços pelo Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, celebrado nesta quinta, 21. Entretanto, a diminuição dos números não significa uma diminuição do problema, conforme apontam especialistas.

Em 21 de março de 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em memória do Massacre de Sharpeville em Johanesburgo, na África do Sul, em 1960. Como iniciativas para combater o racismo no Brasil, a Lei 7.716/89 foi um avanço significativo na penalização do racismo no país. Já a Lei 9.459/1997 introduziu o crime de injúria racial no Código Penal brasileiro, tipificando como crime a conduta de ofender a honra de alguém por meio de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.

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No cenário paraense, a Segup informa que em 2024, nos meses de janeiro e fevereiro, foram registrados 41 casos de injúria racial, o que representa queda de 49% em relação ao mesmo período de 2023, em que foram computados 78 casos. Em Belém, nos meses de janeiro e fevereiro de 2024, foram registradas oito ocorrências do mesmo crime, representando redução de 76% em comparação ao mesmo período de 2023, em que foram registrados 33 casos.

Já em relação às ocorrências do crime de racismo, em 2024, no período de janeiro e fevereiro, foram registrados quatro casos no estado e, em Belém, nenhuma ocorrência. Enquanto no ano de 2023, de janeiro a dezembro, o Pará registrou 523 casos de injúria racial e 17 de racismo; em Belém foram 194 ocorrências de injúria racial e 4 de racismo no mesmo período. No ano completo de 2022, ocorreram 320 casos de injúria racial e cinco de racismo em todo o estado. Já em Belém, foram computados 112 registros de injúria racial e dois de racismo no mesmo período.

Diferença entre racismo e injúria racial

A injúria racial consiste em quando há uma ofensa à honra de outra pessoa usando elementos ligados à raça, cor, etnia, religião ou origem, como fazer comentários depreciativos sobre a cor da pele. Já o racismo vai além das ofensas individuais e é uma discriminação sistemática e estrutural contra pessoas de determinada raça ou grupo étnico. A Lei 14.532/2023, publicada em janeiro de 2023, equipara a injúria racial ao crime de racismo. Com isso, a pena tornou-se mais severa com reclusão de dois a cinco anos, além de multa, não cabe mais fiança e o crime é imprescritível.

A pena será agravada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas ou por funcionário público no desempenho de suas atribuições, assim como quando ocorrer em situações de lazer, entretenimento ou recreação. Nos casos em que o delito ocorrer durante atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais, a lei prevê não apenas a pena de reclusão, mas também a proibição de frequentar locais destinados a essas práticas por um período de três anos.

Crimes ainda são subnotificados

De acordo com Alexandre Julião, Advogado e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará, os crimes de racismo e injúria racial são delitos subnotificados.
"De início, precisa-se entender que se trata de um dado relacionado ao registro de casos e não à ocorrência de injúria racial no Estado. Ou seja, há uma grande quantidade de pessoas que são diariamente vítimas de racismo e que não procuram registrar boletim de ocorrência por razões diversas. É preciso saber a razão de uma redução tão significativa nos registros", afirma.

Diante dos dados informados pela Segup, nota-se que nos três anos notificados o crime de racismo foi registrado significativamente em menor quantidade do que o de injúria racial. "Uma primeira razão para o maior registro de injúria poderia se dar pela maior facilidade de as vítimas identificarem o comportamento ofensivo e registrarem boletins de ocorrência. Uma segunda poderia ser a confusão, geralmente feita pelas autoridades públicas, em identificar e classificar de forma acertada cada caso" explica.

O ato de denunciar é essencial para demonstrar a sociedade que o racismo não será mais tolerado, segundo o advogado. A Segup reforça que as vítimas desses tipos de crime são atendidas na delegacia especializada de Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos (DCCDH).

O olhar da nova geração

image(Marx Vasconcelos / Especial)

 

A estudante Leandra Souza, 23 anos, ingressou na Universidade Federal do Pará pelo sistema de cotas raciais. Como a primeira pessoa de sua família a entrar em uma universidade pública, ela relata que o momento em que o racismo se tornou mais evidente em sua vida foi após entrar na faculdade.

"Foi quando me afastei do ambiente familiar e do convívio com pessoas que compartilhavam comigo a mesma cor e classe social, que o racismo se tornou mais nítido na minha vida. Comecei a frequentar espaços de poder, como a universidade, os meus estágios, onde os cargos superiores eram ocupados por pessoas majoritariamente brancas", diz.

"Eu lembro que foi muito impactante para mim. Comecei a perceber que teria que lutar mais do que a maior parte das pessoas para conseguir as mesmas coisas de quem estava andando do meu lado, enquanto eu estava correndo", pontua. "Eu entendo que as pessoas mais jovens estão mais politicamente ativas e estão mais inseridas nesse cenário de reconhecer a sua identidade, de reconhecer as suas vivências, de buscar aprender o passado para não repetir os erros no futuro", completa.

O papel do ativismo como enfrentamento do racismo

Flávia Ribeiro, 45 anos, é ativista do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa). A jornalista e pesquisadora de Comunicação ingressou na fundação há cerca de dez anos, quando estava se preparando para a Marcha das Mulheres Negras de 2015, realizada em Brasília. Para ela, não é o racismo que está diminuindo, e sim as denúncias. "É uma série de fatores que desestimulam a denúncia do racismo. Muitas vezes a vítima não se enxerga nesse lugar. O racismo é crime desde a Constituição Federal de 1988, há mais de 30 anos. Apesar disso, ainda vivemos sob o mito de uma democracia racial. As pessoas têm dificuldade para enxergar o racismo, mesmo sendo uma coisa cotidiana", afirma.

De acordo com a ativista, o despreparo das autoridades para lidar com crimes raciais e a violência policial também são entraves para que a vítima denuncie. "As vezes até os próprios policiais, quando são chamados, questionam e desestimulam a vítima. Somado a isso, são vários os casos de violência policial contra pessoas negras em todo o país. O pensamento por trás disso é de que o corpo negro pode ser tão perigoso que precisa ser domado por meio da força e da violência. Diante disso, temos feito uma mobilização para que tenha mais pessoas negras com letramento racial nesses espaços de poder, porque aí sim a gente consegue tensionar o olhar e compreender", informa.

A pesquisadora de comunicação ressalta, ainda, o papel das lideranças negras no combate ao racismo. "A gente estuda muito para compreender essas relações sociais que marcam a sociedade brasileira e o racismo está no pano de fundo. O racismo é estrutural, ele é quem causa as desigualdades sociais. O nosso papel como liderança é compreender essas dinâmicas, denunciá-las, procurar as autoridades, propor ações que combatam, que previnam e propagar conhecimento sobre isso", declara.

"A gente não fala só de racismo. Eu sou uma mulher negra, mas também sou jornalista, tenho mais de 20 anos de experiência. Então, eu falo de comunicação, falo como pesquisadora. A professora Zélia Amador, do Cedenpa, é uma das grandes intelectuais negras que a gente tem nas Américas e que é referência em vários assuntos. Nosso papel é falar, mas é importante compreender que a gente não é só isso", conclui.

(Eva Pires, estagiária sob supervisão de Fabiana Batista, coordenadora do núcleo de Atualidades)

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