Universidades do Pará integram caravana que mapeia mudanças climáticas ao longo do rio Amazonas
A Caravana Iaraçu realizará a travessia de Manaus a Belém, aportando na capital paraense para a Cúpula dos Presidentes e para a COP 30
A Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) vão representar o Pará na Caravana Fluvial Científica e Intercultural Iaraçu, que irá navegar o rio Amazonas durante todo o mês de novembro. A expedição parte nesta terça-feira (28), e terá paradas em cidades e comunidades ribeirinhas para ouvir relatos e destacar iniciativas locais sobre as mudanças climáticas. O retorno à capital será nos dias 6 e 7 de novembro, para a Cúpula dos Presidentes, e permanecerá durante as discussões da COP30, de 10 a 21 de novembro.
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Fruto de uma parceria que une instituições brasileiras e francesas, a Caravana Iaraçu conta com a participação da IRD, ONFandina, UnB, ICB, Programa Paragoclima e Université de Guiana, UFPA e Embrapa. A iniciativa é coordenada pelo IRD e CIRAD. “A Ufra coordena a rede de pesquisa chamada Rede Territórios Amazônicos, e o convite para a participação veio desta parceria. A gente se reuniu para lançar essas propostas e parceria da universidade com o CIRAD que envolvem a rede como um todo”, conta o professor da Ufra Gabriel Resque, coordenador da Rede Territórios Amazônicos.
O professor Gabriel irá representar a Ufra na Caravana Iaraçu. Docente do Instituto Socioambiental e de Recursos Hídricos (ISARH) da Ufra, campus Belém, ele é coordenador de dois projetos que serão apresentados ao longo da programação. Um deles é o documentário ‘Amazonie: un autre regard’ (Amazônia: uma outra perspectiva, em tradução livre), desenvolvido com o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), instituição francesa parceira da Ufra.
Gravado no ano de 2022, o documentário surgiu para mostrar o trabalho realizado pela parceria franco-brasileira, com a apresentação de três territórios distintos da Amazônia: os municípios de Paragominas e Santarém e o estado do Amapá. “Um deles foi a região de Paragominas, onde tem um trabalho de longa data realizado por meio dessa parceria. O segundo foi Santarém, que já é uma uma fronteira um pouco diferente, um território diferente, muito ligado à questão da agricultura familiar e também da fronteira agrícola”, explica.
“Já no estado do Amapá, a presença do açaí e da bioeconomia é muito forte. O documentário tentou mostrar aspectos positivos e negativos desses territórios e como essa parceria franco-brasileira consegue contribuir com esse contexto. A ideia é apresentar o documentário na caravana e discutir com as pessoas”, diz o professor Gabriel.
Outro projeto do professor Gabriel Resque é a mesa ‘Redes ciência-sociedade pan-amazônicas frente às mudanças climáticas’, que destaca a importância das redes de pesquisa participativa na Amazônia. A mesa irá debater pontos do trabalho das redes de pesquisa e a ação entre diferentes países para o desenvolvimento territorial na Amazônia. Ao longo da programação, haverá reflexões sobre as parcerias internacionais e o que pode ser trabalhado nas redes, especialmente em termos de logística.
Conexão com o rio
Já a UFPA será representada pelo professor Cristiano Mendel Martins, do Instituto de Geociências da UFPA (IG). É geofísico e estudioso dos métodos potenciais, como campos naturais da Terra, gravidade e campo magnético. “O projeto que eu propus é uma viagem no litoral de Belém, uma cidade historicamente construída de costas para o rio. Muito recentemente as áreas nobres de Belém tem conexão com o rio, mas historicamente as conexões com o rio sempre foram marginalizadas, periféricas e sem um tratamento de dignidade, e nem de nobreza, de importância”, diz.
Durante a programação, a proposta é que uma comitiva científica de 30 pesquisadores partam da UFPA, contornando a cidade de Belém, com destino à Icoaraci. De lá, o grupo seguirá até a ilha Tatuoca, que conta com uma estação científica na qual são observados fenômenos físicos e geofísicos, como o campo magnético da Terra. São apenas dois observatórios do tipo no Brasil, sendo o de Belém instalado na cidade desde 1957. O outro está localizado em Vassouras, no Rio de Janeiro.
“O evento prevê a apresentação dessa ilha que é a estação científica mais antiga em funcionamento na Amazônia. Ela é importante para a comunidade científica global de geomagnetismo, mas está num contexto em que a elevação do nível do mar ameaça a própria existência dela. Se o nível médio das águas subir, a ilha vai ser inundada e no futuro teríamos que mudar de lugar essa estação que tem uma série histórica de mais de 60 anos de aquisição”, alerta.
A viagem também irá dialogar sobre o impacto da elevação no nível das águas em toda a ocupação urbana. Na volta, o plano é passar pelas ilhas do arquipélago, como Cotijuba e ilhas do entorno, para debater sobre outro fenômeno. “Se o nível do mar se eleva, o nível do rio acompanha, mas não acontece isso só na cota vertical da água. Acontece também um outro fenômeno horizontal que é a frente de água salgada. Ela vai invadir o estuário, ela vai entrar para dentro do rio e se isso acontecer, todo o bioma vai ser impactado”, explica.
“É sobre isso que o evento discute dentro do barco, para discutir a Amazônia fluvial e estuarina. Quando se vê a Amazônia, todos imaginam a Amazônia continental, floresta, mas Belém faz parte de uma Amazônia especial dentro do estuário, na Foz do Rio, e com todo esse arquipélago ao redor”, destaca Cristiano Mendel Martins.
Escuta das comunidades
A viagem será encerrada no dia 20 de novembro, em Santarém. Até lá, a expectativa dos pesquisadores é que a Caravana direcione as iniciativas de pesquisa, para dialogar com os tomadores de decisão e apresentar a realidade amazônica na COP 30. A iniciativa terá contato direto com as comunidades tradicionais e ribeirinhas ao longo do trajeto.
De acordo com o professor Gabriel Resque, da Ufra, é uma oportunidade ímpar para alavancar a produção científica, alcançando diferentes locais. “Muitos dos quais com pouco acesso à tecnologia e à eventos. É uma oportunidade de difundir trabalhos e fazer com que as produções cheguem mais próximo do público alvo. A pesquisa tem que ser participativa, se ela não chega nos atores locais, não faz sentido”, argumenta.
“O diálogo com a população ribeirinha é um dos objetivos mais importantes e protagonistas. Essa troca, ao mesmo tempo que desvenda os olhos de quem pesquisa a Amazônia, é também uma oportunidade de trazer à COP 30 a voz da população ribeirinha pelas queixas, e por isso acontece em dias anteriores à conferência, para que as questões possam ser fortemente debatidas com argumentos de quem acabou de conviver com elas”, finaliza o professor Cristiano Mendel Martins.
(*Ayla Ferreira, estagiária de Jornalismo, sob supervisão de Fabiana Batista, coordenadora do Núcleo de Atualidades)
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