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Dia do Árbitro: profissionais no Pará enfrentam vida dupla e buscam reconhecimento

Sem remuneração suficiente para viver apenas da arbitragem, árbitros paraenses dividem rotina entre salas de aula, quadras e campos.

Pedro Garcia

O Dia do Árbitro, celebrado na última quinta-feira, 11 de setembro, homenageia o profissional que assume grande responsabilidade, seja em uma partida entre amigos ou nos jogos decisivos do Campeonato Brasileiro. No entanto, esses profissionais frequentemente não recebem o reconhecimento que merecem, especialmente no aspecto financeiro.

Poucos sabem que a maioria dos árbitros não consegue se sustentar exclusivamente com a profissão, que ainda não é regulamentada, precisando levar uma vida dupla para garantir uma existência digna. Para entender melhor o funcionamento da categoria e os desafios que ela enfrenta, o Núcleo de Esportes de O Liberal entrevistou Ricardo Brito, de 30 anos, professor de educação física e árbitro da Federação de Futsal do Pará (FEFUSPA).

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Para Ricardo, o interesse pela arbitragem surgiu a partir de um trauma. Até 2019, ele atuava como atleta de futsal, mas sofreu um acidente que o impediu de continuar jogando, principalmente por ser goleiro. Foi então que a arbitragem apareceu como uma forma de não abandonar o esporte definitivamente.

“Sofri um acidente e precisei passar por uma cirurgia de reconstrução facial que durou cinco horas. Em 2021, dois anos após o acidente, tive a oportunidade de fazer um curso amador de futsal e, a partir daí, meu interesse pela arbitragem começou a crescer. O que me motivou inicialmente foi não abandonar o futsal nem o futebol; mesmo não podendo mais praticar, queria continuar ligado ao esporte, aplicando as regras. Foi então que vi uma oportunidade de não deixar o esporte de lado”, explicou o árbitro.

Além de usar a arbitragem para não abandonar o futebol, Ricardo também exerce a função como fonte de renda complementar, já que atualmente é impossível se sustentar apenas com os ganhos dos jogos. Apesar do amor pelo que fez dentro de quadra, sua profissão principal é professor de educação física, atuando desde a educação infantil até o terceiro ano do ensino médio.

Questionado sobre os desafios de conciliar a vida dupla, Ricardo afirmou que o cansaço mental é o maior inimigo dos árbitros. Ele explicou que a rotina pesada de trabalho acaba afetando seu desempenho na arbitragem e, por vezes, interfere nas decisões durante as partidas.

“O maior desafio é manter uma boa saúde mental, pois minha profissão como professor de educação física exige muito esforço, especialmente mental. Imagine cumprir uma jornada de oito horas diárias, pela manhã e à tarde, e ainda arbitrar à noite, quando é necessário equilibrar, cadenciar e controlar as emoções do jogo, mesmo já estando mentalmente sobrecarregado pelo trabalho. Muitas vezes, por conta dessa rotina dupla, o árbitro enfrenta dificuldades de interpretação causadas pelo cansaço mental. É justamente por essa sobrecarga que acabam ocorrendo decisões precipitadas”, relatou.

O professor destacou que, para garantir uma boa arbitragem, seja em quadra ou no campo, é fundamental cuidar da saúde mental. Essa missão torna-se ainda mais desafiadora diante da necessidade de conciliar escalas de trabalho, dedicar tempo à família e, ao mesmo tempo, estudar as regras — que, embora fixas, exigem constante interpretação.

“Tentamos organizar nosso tempo da melhor maneira possível. Eu, particularmente, busco equilibrar as demandas entre família, trabalho, estudo e arbitragem. Ao contrário do que muitos imaginam, a arbitragem requer estudo contínuo. Apesar de as regras serem estabelecidas, sempre aparecem lances inusitados que exigem uma interpretação cuidadosa baseada na regulamentação”, explicou.

Para encerrar, Ricardo revelou seus próximos objetivos na carreira de arbitragem. “Atualmente, como árbitro profissional e oficial da FEFUSPA, a Federação Paraense de Futsal, meu objetivo é construir um futuro promissor e integrar o quadro da CBFS, a categoria nacional responsável por arbitrar as principais competições do país”, concluiu.

Profissionalização de árbitros no Pará

A equipe de reportagem de O Liberal também entrevistou representantes da Federação de Futsal do Pará (FEFUSPA) e da Federação Paraense de Futebol (FPF), que explicaram como funcionam os processos para se tornar árbitro nessas entidades. Representando a FEFUSPA, o diretor de arbitragem, Reginaldo Guedes, detalhou como é realizada a capacitação da equipe de profissionais.

"A capacitação dos árbitros começa com um curso de cerca de um mês para iniciantes. Depois, o árbitro passa por um estágio prático, apitando entre 30 e 50 jogos ao longo do ano, quando é avaliado em provas, testes físicos e desempenho nas partidas. Anualmente, há um seminário para atualizar os árbitros sobre mudanças nas regras, e reuniões mensais para discutir normas, conduta e situações ocorridas nos jogos, visando o aprimoramento contínuo. O custo dos cursos varia entre 300 e 350 reais", disse.

Ele também destacou os desafios enfrentados pela categoria no Pará. "A principal dificuldade da arbitragem está na falta de respeito e conhecimento das regras por parte de atletas, pais e comissões técnicas, o que gera muitas críticas e dificulta a condução das partidas. Além disso, o futsal é um esporte amador com pouco investimento, e o valor pago aos árbitros é baixo, gerando desvalorização e cobranças inadequadas sobre seu trabalho".

Representando a FPF, o presidente da Comissão de Arbitragem, Fernando Castro, explicou como são realizados os cursos de formação para árbitros que desejam atuar nas competições organizadas pela federação. Além da parte técnica, ele destacou a intensa preparação física ministrada pelos professores do curso.

“O curso conta com 240 horas/aula, o que equivale a cerca de seis meses de treinamento. São 11 disciplinas que abrangem desde o aspecto esportivo até o técnico do futebol. A Federação é uma das primeiras a oferecer treinamento de VAR — nossos alunos já aprendem a operar o sistema durante a formação. Os árbitros realizam treinamento físico duas vezes por semana e sessões técnicas aos sábados, no centro de treinamento”, explicou Fernando Castro.

Em relação à remuneração, o presidente destacou que um árbitro inicia ganhando menos nos campeonatos de base, mas o valor aumenta conforme a categoria. Geralmente, a remuneração varia entre 2 mil e 7 mil reais, dependendo da federação e do nível.

“Um árbitro na categoria A, que está na fase inicial, recebe entre 2 e 4 mil reais pela Federação Paraense. O valor médio por jogo na arbitragem costuma ficar em torno de 2 mil reais”, finalizou.