Trabalho infantil ainda resiste na sociedade paraense e brasileira

Este sábado, 12, marca o Dia de Combate ao Trabalho Infantil, data que serve para refletir sobre essa chaga social

Fernanda Martins
fonte

Há mais de duas décadas, o trabalho infantil foi proibido no Brasil. Apesar da tendência de redução nos números, a lentidão com o que esta ocorre e as leves altas regulares registradas pelos órgãos de fiscalização dão conta de que a vigilância e conscientização da população se faz mais necessária do que nunca. O Pará registrou em 2019 mais de 50 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos exercendo funções tidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) com as piores possíveis para esses jovens. Em mais um Dia de Combate ao Trabalho Infantil, neste sábado, 12, entidades se unem em ações que jogam luz sobre o problema.

O Brasil é signatário das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, entre elas, o compromisso de erradicar o trabalho infantil até 2025. No entanto, se permanecer no atual ritmo de combate ao problema, essa meta dificilmente será alcançada. O Pará não foge desta realidade, sendo atualmente o quarto no ranking nacional de crianças exercendo funções na lista TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil -, com 50.983 crianças e adolescentes nestes postos de trabalho. O estado perde apenas para Minas Gerais, São Paulo e Bahia, respectivamente. 5,7% da população do Pará entre 5 e 17 exerce atividade econômica ou de autoconsumo.

Até a década de 80 ainda era muito difundida na sociedade brasileira a ideia de que o trabalho infantil era algo positivo na formação de crianças e adolescentes. “A promulgação da Constituição Federal de 1988 e a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990 representam marcos importantes para a promoção dos direitos das crianças e adolescentes, ao mudarem a perspectiva, para vê-los como de direitos e colocá-los sob a responsabilidade não apenas da família, mas do Estado e da sociedade”, explica a promotora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Rejane Alves.

Contabilização começou em 1992

O trabalho infantil passou a ser contabilizado apenas a partir do ano de 1992, pelo IBGE, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Considerando as Pnads de 1992 a 2016, o trabalho infantil caiu de 7,8 milhões, para 2,4 milhões. “Vale destacar que essa redução foi de aproximadamente 69%, no entanto, nesse período observou-se mudanças metodológicas nas Pnads, como por exemplo no ano de 2003, a população rural de seis dos sete estados da região Norte do país, não foram computadas”, observa a promotora. Apenas no Censo Demográfico se consegue obter um mapa da situação por município.

Mesmo com os avanços constatados nesse arco temporal, também foi possível visualizar tendência de alta em alguns momentos. “Os indicadores de trabalho infantil estão sujeitos a retrocessos”, destaca Rejane, que atua no MPT há 13 anos e já presenciou na apuração de denúncias situações hediondas. “Todo e qualquer caso de exploração do trabalho infantil, me toca profundamente, mas o que me impressiona é que a criança e o adolescente diariamente são vítimas de todo a sorte de violência. Ainda assim é muito forte o discurso de que o trabalho na infância não mata, o que é uma grande mentira”, declara.

Rejane relembrou um caso ocorrido no mês de abril deste ano, em Melgaço, no Marajó. Um adolescente de 14 anos faleceu ao ter seu corpo cortado ao meio em uma serra elétrica, num acidente de trabalho. “O fato se deu em uma serraria da família. Ele estava trabalhando junto com o pai. Nesse caso específico, a família toda foi vítima da falta de implementação de políticas públicas. Registramos dezenas de crianças vítimas de acidentes desta natureza”, relembra ela, que reafirma a importância do trabalho de conscientização e sensibilização, para desmistificar a recorrência de falas que envolvem a exploração do trabalho de crianças e adolescentes, como “melhor trabalhar do que roubar” ou “eu trabalhei desde criança, e nem por isso morri”.

“Na prática, este tipo de questionamento se direciona fundamentalmente para as crianças de famílias pobres, mais vulneráveis, sob o ponto de vista econômico-social. A pergunta que fica é a seguinte: porque o filho daquela família, que possui uma boa condição socioeconômica não trabalha na infância? Por que essas crianças fazem atividades extracurriculares, tais como cursos de língua estrangeira, música, praticam atividades esportivas e culturais?”, questiona Rejane.

Piora na pandemia

Com o caos econômico trazido pela pandemia, era de se esperar que as crianças e adolescentes de famílias menos favorecidas seriam empurrados para atividades visando aumentar a renda do lar. Os números ainda são escassos, mas já é possível conformar esta hipótese. “Ainda não temos dados oficiais sobre a situação atual, porém o aumento do trabalho infantil já é percebido a olhos vistos em todas as cidades e áreas do Brasil, a exemplo do que ocorre no mundo. Basta sairmos às ruas e observarmos nas esquinas, semáforos e à frente de farmácias e supermercados”, declara a juíza do Trabalho, Vanilza Malcher, que integra a Comissão do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Regional do Trabalho (TRT 8).

Na avaliação dela, a realidade constatada nas ruas sinaliza dados temerosos assim que os levantamentos puderem ser feitos com segurança. “Isso é um grande alerta a todos nós, porque os efeitos disso serão sentidos não apenas pela criança explorada ou por suas famílias, mas por toda sociedade, agora ou no futuro, já que a infância é breve, essas pessoas crescem e, com elas, também crescem a evasão escolar, a pobreza e a violência. Por isso, conclamamos todos à urgente reflexão e à ação, pois o problema é nosso, e não apenas da família e do poder público.”, alerta.

O TRT da 8a Região, por sua função judicante, não tem a atribuição institucional de receber denúncias, porém, diante do forte trabalho que realiza no enfrentamento do trabalho infantil, é muito comum, e quase que diário, sua comissão de combate ao trabalho infantil receber registros fotográficos ou denúncias desse tipo de trabalho em diversos pontos de Belém e região metropolitana. “Especialmente neste período de pandemia, quando é visível o aumento da exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, não apenas em nossa região, mas no mundo, onde, segundo levantamento feito pela OIT, já somam 160 milhões de trabalhadores infantis, e há quase nove milhões a mais de crianças em risco de trabalho infantil até 2022, como resultado da pandemia da COVID-19 e, o que é mais sério e preocupante, com um aumento substancial no número de crianças de 5 a 11 anos em situação de trabalho infantil”, acrescenta a magistrada.

E se nos grandes centros é possível visualizar este aumento, é nas regiões rurais que estão normalmente as maiores taxas de trabalho infantil. Na PnadC, de 2020, referente ao ano de 2019, constou que, no Brasil, tínhamos 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil, e isso representava 4,6% da população (38,3 milhões) nesta faixa etária. “Desse quantitativo, 24,2% se concentravam em atividades agrícolas, com quase a metade deles realizando trabalho infantil perigoso, o que é muito preocupante, não apenas pelo ponto de vista sócioeconômico e da proteção à infância, propriamente dita, mas também pelo aspecto da saúde pública, haja vista o adoecimento presente e futuro dessas pessoas.”, observa.

Já na área urbana predomina o trabalho infantil na área do comércio e reparação, com 27,4%; merecendo também destaque o trabalho infantil doméstico que aparece com 7,1%, enquanto a legislação brasileira proíbe o trabalho doméstico para menores de 18 anos.

A fiscalização é um dos itens importantes no combate ao trabalho infantil. “Infelizmente, em 2019, a informação que já tínhamos era de queda no número de fiscalizações para o enfrentamento desse problema. Isso, por certo, diminuiu mais ainda neste período de pandemia, pelos diversos fatores que sabemos, principalmente a necessidade de distanciamento social e trabalho remoto”, diz.

Entre os fatores que dificultam a fiscalização em nossa região estão as longas distâncias, o número reduzido de auditores fiscais diante do tamanho do problema, a baixa destinação de recursos específicos para esse fim, o fato de grande parte do trabalho infantil estar oculto dentro das residências, onde não se pode ingressar sem autorização judicial.

Para tentar reduzir essa mazela no Pará, a Comissão de Combate ao Trabalho Infantil do TRT 8, realiza trabalho de conscientização da sociedade sobre os males da atividade laboral para os pequenos. “Prosseguimos com nosso trabalho junto às comunidades, com apoio de quase 70 voluntários ou padrinhos cidadãos, que atuam diretamente com crianças e adolescentes, estimulando-os à educação, à aprendizagem e a seu desenvolvimento pleno”, diz a juíza.

Além disso, o Tribunal atua em mais de 100 escolas públicas estaduais e municipais da Região Metropolitana e em Santarém.

Campanhas

Essa semana, a Prefeitura de Belém criou uma Comissão Municipal Intersetorial de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao Adolescente Trabalhador no Município de Belém. O decreto, assinado pelo prefeito Edmilson Rodrigues, foi publicado na edição da última quarta-feira, 9, do Diário Oficial do Município.

A Comissão será formada por representantes, titulares e suplentes, da Fundação Papa João XXIII  (Funpapa), Centro de Referência em Educação Ambiental - Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira (Funbosque); Fundo Municipal de Solidariedade para Geração de Emprego e Renda (Ver-o-Sol); Secretaria Municipal de Economia (Secon); Secretaria Municipal de Educação (Semec); e Secretaria Municipal de Saúde (Sesma).

Através da parceria do Ministério Público do Trabalho e da Escola Salesiana do Trabalho, a Comissão de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, do TRT8, foi lançada na sexta-feira, 11, a campanha "Têm Criança precisando de Nós – parte 2", com um novo objetivo: arrecadar equipamentos de uso tecnológico, como computadores novos ou usados; tablets; celulares, que serão doados para os alunos de escola pública.

A nova realidade imposta pela pandemia da Covid 19 trouxe impactos para toda a sociedade, na escola, no trabalho, na família. As crianças e jovens tiveram que se adaptar com as aulas online porém, infelizmente, a realidade dos alunos carentes é outra, muitos não possuem acesso à internet e nem equipamentos para acompanhar as aulas online, novo formato de ensino em tempos de isolamento social.

As doações podem ser feitas diretamente na Escola Salesiana do Trabalho, localizada na avenida Pedro Miranda, nº 2403, bairro da Pedreira, de 11 de junho a 11 de julho de 2021. Podem ser doados equipamentos novos e usados como: computadores, tablets, celulares. Quem desejar fazer doações via PIX, pode direcionar para a Escola Salesiana do Trabalho, por meio  do CNPJ da instituição:04.373.163/0050-59.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Economia
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM ECONOMIA

MAIS LIDAS EM ECONOMIA