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Trabalhadores do setor de transporte escolar enfrentam dificuldades na pandemia

Quem vive desse trabalho não sabe como sustentar a família, pagar financiamento do veículo, as taxas obrigatórias e impostos

Keila Ferreira

Enquanto pais, professores, escolas e gestores públicos não entram em um consenso sobre o retorno das aulas, em razão da pandemia do novo coronavírus, uma classe de trabalhadores tem sofrido sem a sua principal fonte de renda e vive apreensiva, sem perspectivas para os próximos meses. Quem vive do transporte escolar não sabe como pagar financiamento do veículo usado no trabalho, as taxas obrigatórias, impostos e, principalmente, sustentar a família. Em muitos casos, marido e mulher trabalhavam juntos – um como motorista e outro como monitor. De um dia para o outro, os dois ficaram sem a renda.  

Somente na capital paraense, de acordo com a Associação dos Condutores Autônomos de Transporte Escolar de Belém (Acatebel), até o ano passado, tinham mais de cem profissionais legalizados. A entidade diz que esses trabalhadores não estão recebendo apoio do poder público. “Muitos colegas estão perdendo o seu carro, porque o banco não quer negociar, quer prorrogar uma parcela, jogando juros, para a gente, que não tem uma certeza de uma volta. Nós fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar. Temos umas dívidas que ficaram, temos muitos colegas que os IPVAs estão vencendo, habilitação está vencida. Tudo vence e não foi nada suspenso pra gente, taxa nenhuma. Nós temos colegas passando necessidade, porque muitos vivem somente do transporte escolar. Falam em se reinventar, mas vamos nos reinventar com o que? Com qual dinheiro? Muitos não conseguiram auxílio emergencial ou Fundo Esperança. Alguns conseguiram 600 reais, que não paga nem uma mensalidade de um carro nosso”, ressaltou a presidente da Associação, Rozana Oliveira Coutinho

Ela diz que a maioria dos pais deixou de pagar a mensalidade cobrada pelo serviço. Outros estão pagando, mas apenas uma parte do valor. “Infelizmente, o Procon, apoia o consumidor, Isso é lei. Então, a gente não pode nem obrigar, e olha que a gente trabalha com contrato. Mas, infelizmente, estamos passando por momentos delicados. A nossa categoria do escolar pede socorro urgentemente”.

Em razão desse cenário, muitas pessoas resolveram sair do segmento, este ano. Outras, segundo a Associação que representa a categoria, estão perdendo a legalização, por não conseguirem honrar todas as obrigatoriedades. “O órgão gestor cobra muito pagamento de impostos, carros novos. A nossa frota não pode ser velha, ela precisa estar dentro do regulamento e tudo isso é uma despesa muito grande. Você precisa estar com pneus novos, porque você está levando vidas, é o futuro. A nossa indignação é essa, porque não estamos sendo amparados por ninguém. Somos pais de família, vivemos somente disso”.

Rozana Oliveira explica que já houve reunião com a Prefeitura e, agora, há uma tentativa de reunião com o Governo do Estado, para discutir a situação de quem trabalha nessa área. “Porque você vê auxílios saindo para outras categorias, mas a nossa foi esquecida, não estamos sendo visto por ninguém. A gente tem se segurado, para não olharem para a gente e acharem que somos uma categoria de desordeiros, mas a situação está insustentável. Eu, como presidente da Associação, recebo ligações de colegas passando fome, cada um ajuda o outro, dando cesta básica”.

Gil Lima Cordeiro atendia mais de trinta alunos, nos turnos da manhã de tarde. Com a pandemia, deixou de receber da maioria dos clientes. De início, alguns continuaram pagando metade do valor e uma minoria pagava o valor total. Essa situação começou em março, mas como muitas pessoas perderam ou tiveram queda de renda ao longo dos últimos meses, Gil também viu diminuir o número de clientes ainda dispostos a pagar a mensalidade do transporte escolar. Isso afetou em cheio a família, já que a esposa dele trabalha na mesma atividade, como monitora.

Atualmente, Gil paga uma prestação da van no valor de R$ 2.370. Foi oferecida carência de dois meses, mas ela já acabou e ele precisou refinanciar o restante da dívida, quando faltavam apenas oito meses para ser quitada. Sem contar o licenciamento e taxas que ele também tem que arcar. “A gente está vendo que as aulas não vão voltar esse ano. Muitos condutores estão com carro com busca e apreensão. Provavelmente, o transporte escolar vai deixar de existir, por conta dessa falta de ajuda. Não tivemos incentivo nenhum para nos manter nesse período. E agora sem previsão de retorno”.

Segundo ele, os trabalhadores do ramo já começaram o ano letivo com dívida, porque precisa comprar pneus, fazer manutenção e outros insumos, que são parcelados. “Nós precisaríamos de uma linha de crédito específica para o transporte escolar, porque teria como pagar essas contas e voltar ano que vem. Têm pessoas que entregaram o carro pro banco. Ninguém contava com uma situação dessa. Pegou a gente de surpresa. Muitos estão saindo do escolar, por falta de ajuda”.

Gil conseguiu o auxílio emergencial de R$ 600, do Governo Federal, mas a esposa não. “O que está ajudando são os clientes. Ainda tenho alguns que estão pagando, mas até quando? A gente presta serviço de fundamental importância, transporta criança, o bem mais precioso para os pais, então, tem uns que valorizam o nosso trabalho. Também estou tentando me reinventar, fazendo lanche e comida para vender”, relata.

O Liberal procurou governo do Estado e Prefeitura de Belém, para saber que há alguma ação ou medida voltada a esta categoria e aguarda resposta. A Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) informou que apesar do transporte escolar ser enquadrado no que determina na legislação federal e municipal sobre o tema - cabendo ao órgão municipal fiscalizar isso - é um serviço privado, com o mercado regulando toda a oferta e demanda do serviço. Então, toda a  relação da prestação do serviço é feita diretamente entre o prestador e os pais, responsáveis e/ou escolas. Segundo a Semob, a Prefeitura de Belém cobra uma taxa inicial para cadastro, quando o prestador entra no sistema, e esse cadastro é renovado automaticamente todos os anos. São também cobradas taxas de vistoria obrigatória, tanto pela Superintendência de Mobilidade Urbana de Belém, quanto pelo Detran.

"Em diversas reuniões com a categoria, incluindo os representados pelo sindicato e por uma cooperativa dissidente, o que se pontuou foi que a SeMOB não pode legalmente, como órgão executivo, abrir mão do pagamento dessas taxas, mas se levou ao conhecimento da categoria a possibilidade de parcelamento delas e, no caso dos novos interessados em prestar o serviço, a prorrogação no prazo de credenciamento até o dia 31 deste mês", diz o órgão. "Do ponto de vista social, e para minimizar os impactos dos prejuízos causados pela pandemia, a Prefeitura de Belém também inseriu os representantes da categoria interessados em um programa para receber cestas básicas neste período, em uma ação prestada pela Funpapa", completou.

Ainda não houve resposta do governo sobre o tema.

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Economia
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