Protagonismo e preservação da Amazônia dependem da sociedade, diz especialista
Região é provedora de serviços ambientais para o Brasil e para o planeta, segundo Marcelo Furtado, que tem mais de 30 anos de experiência no campo da sustentabilidade

A proteção da Amazônia passa pela responsabilidade de governantes a níveis federal, estadual e municipal, mas cabe também à sociedade ficar atenta e refletir sobre soluções viáveis e sustentáveis que contribuam para o crescimento do protagonismo da região frente ao mundo.
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É o que diz o fundador do Centro Soberania e Clima, organização independente que promove diálogo, conexões e convergências entre atores da defesa e do meio ambiente no Brasil e no mundo. Para Marcelo Furtado, é preciso pensar em inovações e em diferentes modelos econômicos para que se garanta a proteção das florestas. Confira:
O LIBERAL: Como a soberania da Amazônia pode afetar a proteção do meio ambiente na região? Qual a relação entre esses dois termos?
MARCELO: O conceito de soberania evolui como todo conhecimento evolui, e hoje não é apenas uma leitura territorial e de fronteiras, mas de conhecimento, ameaças, desafios e oportunidades. A Amazônia tem uma importância muito grande, começando pelo seu papel de regulador climático e controlador hídrico, não só do Brasil, mas do planeta. Quando a gente pensa que o futuro da humanidade é mudar os processos econômicos que a gente tem hoje para uma economia que seja alinhada à natureza, que seja resiliente do ponto de vista climático, a gente entende que não há lugar melhor para exemplificar essa bioeconomia que não seja a Amazônia. Soberania é cuidar, preservar e desenvolver isso de maneira justa, solidária e sustentável.
OL: Como a exploração econômica da Amazônia hoje tem impactado nas mudanças climáticas, na sua opinião?
M: Nós, como sociedade, não valorizamos o importantíssimo papel que a Amazônia tem como um provedor de serviços ambientais para o Brasil e para o planeta. Tem um estudo muito recente que mostra que a Amazônia tem um déficit comercial de R$ 140 bilhões, porque ela importa mais produtos do que exporta. Outro dado que o estudo demonstra é que a Amazônia é um grande exportador de carbono, em função do desmatamento. Esses são dois números absolutamente negativos. Mas e toda a água que a Amazônia produziu, que parte dela irrigou a agricultura brasileira, parte foi usada lá na Argentina, parte influenciou no que é a produção econômica na Europa e nos Estados Unidos, parte dessa água produziu energia elétrica na região Centro-Sul do país nas hidroelétricas e ninguém pagou nada por isso? Se você fosse contabilizar isso, provavelmente nós estaríamos falando sobre bilhões de reais que a Amazônia deveria receber. Ela é, de um lado, talvez a maior ameaça que temos para a nossa sustentabilidade em função dos desmatamentos, e também uma solução econômica.
OL: Estamos em um momento em que os olhares do mundo se voltam para a Amazônia, e existe uma pressão internacional para que o Brasil cuide da região. De alguma forma, essa pressão de outros países afeta a soberania nacional?
M: Se a gente quer que a tríade Cúpula da Amazônia, G20 e COP 30 deixe um legado positivo para o Brasil, a primeira pergunta que a gente tem que fazer é: o que a gente gostaria que fosse o resultado e o impacto positivo desse conjunto de oportunidades para o Brasil e para Amazônia? Se tem ciência e se tem preparo para fazer isso, eu não acho que existe nenhum motivo para a gente ter qualquer temor em questão de soberania, porque nós estaremos dizendo para o mundo, junto com os nossos vizinhos amazônicos, o que a gente espera e deseja que o mundo faça. Eu acho que a discussão de soberania como ameaça da Amazônia naquele conceito de ameaça externa é uma preocupação que há muitos anos e muitas décadas já não faz mais sentido. A maior ameaça à soberania amazônica vem de dentro do Brasil. Está muito mais ligada a ações de ilegalidade na Amazônia por crime organizado, por falta de documentação e transparência, por falta de aplicação da lei e por falta de investimentos em soluções. Se a gente quer achar um grande inimigo da soberania da Amazônia, a gente não precisa procurar ele fora do Brasil.
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