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Ética deve ser prioridade no uso da biodiversidade amazônica para criação de soluções tecnológicas

A exploração consciente dos recursos naturais locais é um dos pilares para a preservação da região e deve estar no radar do mercado

Elisa Vaz

A Amazônia tem sido alvo de intensa exploração de seus recursos naturais nas últimas décadas e, principalmente agora, os olhares do mundo todo têm se voltado para a região e a biodiversidade encontrada nela, capaz de gerar soluções tecnológicas inovadoras para o mercado. Com essa atenção, é necessário que se discuta uma abordagem responsável e ética na utilização de recursos, garantindo a proteção da natureza e a justa distribuição dos benefícios às comunidades locais.

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No contexto de preservação do ecossistema único da Amazônia e proteção dos direitos das populações que vivem na região, a ética e a responsabilidade ambiental emergem como princípios fundamentais para garantir um futuro sustentável. Afinal, embora as atividades de exploração de madeira, minerais e produtos agrícolas possam oferecer benefícios econômicos significativos, é crucial que sejam conduzidas com responsabilidade, levando em consideração os impactos ambientais e sociais.

O professor Raul Carvalho, coordenador do Laboratório de Tecnologia Supercrítica (Labtecs), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e que fica no Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) Guamá, iniciativa do governo do Estado, diz que a indústria necessita de insumos da Amazônia, mas é necessário que se tenha garantia de oferta com qualidade. “Precisamos desenvolver pré-tratamentos de matérias-primas desde sua origem, para aumentar o tempo de conservação, até o momento de sua utilização na transformação em produtos com alto valor agregado”, afirma. O laboratório atua no desenvolvimento de produtos paraenses com alto valor agregado, utilizando tecnologia limpa e inovadora.

Riqueza

A maior riqueza local, segundo o professor, está na biodiversidade - por meio de seus bioativos, encontrados em diversas espécies, podem ser criadas várias aplicações tecnológicas para atender às indústrias de alimentos, cosméticos e farmacológicos. Raul Carvalho destaca frutos como açaí, cacau, murici, buriti, tucumã, pupunha e a castanha do Pará. Todos, de acordo com ele, têm potencial para a criação de novos produtos, e a principal maneira de inseri-los no mercado é caracterizando e destacando o valor e a importância em determinada aplicação tecnológica.

Porém, ele avalia que a ética deve estar presente na exploração de recursos amazônicos e que é preciso ter uma abordagem responsável na utilização desses insumos, garantindo a proteção da natureza e a justa distribuição dos benefícios. “A utilização do saber tradicional é histórica e o mundo explora isso sem limites. Precisamos dar um freio, estabelecendo leis que protejam o saber popular e regional. Somos explorados há séculos e nunca fomos beneficiados. Os povos e os saberes tradicionais devem ser recompensados através de royalties sobre tudo que for produzido com a exploração desse conhecimento”, avalia.

Uma forma de se ter uma atuação responsável na exploração amazônica é que pesquisadores e estudiosos locais liderem esse movimento e sejam incluídos no processo. Na avaliação de Raul, o movimento é muito positivo para o avanço e desenvolvimento regional e pode impactar em médio prazo na qualidade de vida na Amazônia.

Inovação

Um dos projetos que atuam na região utilizando insumos amazônicos com responsabilidade é o Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA), também da UFPA e instalado no PCT Guamá, devido à potencialidade da cadeia oleoquímica no Pará. O laboratório trabalha com óleos e manteigas de espécies vegetais do Estado e, além disso, com resíduos agroindustriais e de mineração, dessa cadeia e de outras.

image Vice-coordenador do LOA, Adriano Nascimento, diz que o grupo estuda óleos andiroba, castanha de copaíba, murumuru e buriti, atuando no segmento oleoquímico como um todo, desde grandes empresas até pequenos catadores (Thiago Gomes / O Liberal)

Dentre os óleos estudados pelo projeto estão espécies como andiroba, castanha de copaíba, murumuru e buriti. Segundo o vice-coordenador do LOA, Adriano Nascimento, o Pará é muito rico em diversas espécies que produzem óleo, insumo que tem muito interesse das cadeias medicinal, cosmética e de alimentos, por exemplo. O grupo atua no segmento oleoquímico como um todo, desde as grandes empresas que refinam o óleo até o pequeno catador que reúne as sementes para fazer a extração do óleo.

Os produtos gerados a partir desse processo podem atender a diversos ramos do mercado, segundo Adriano. “Podem ser utilizados na indústria farmacêutica, alimentícia, de cosméticos, de materiais, são muitas possibilidades. Nós melhoramos o óleo lá no início da cadeia e ele é utilizado como matéria-prima dentro dos produtos, tanto no Brasil como no exterior. Nós temos trabalhado com produtos que hoje estão dentro do mercado alimentício, estamos desenvolvendo possibilidades na área de ração e nutrição animal, temos desenvolvido coisas na área de biocurativos, biomateriais, bioplásticos, e tudo isso pode ganhar o mercado em breve, só depende de investimento, recurso, pesquisa”, avalia.

O laboratório ainda dá novas utilidades para o que poderia ser descartado ou inutilizado, e atua junto a associações ribeirinhas, cooperativas e extrativistas locais. Para o vice-coordenador, trata-se de aproveitar toda a potencialidade do que está vivo na floresta e desenvolver, gerar renda, empregos, mas preservando a floresta. Na avaliação dele, é necessário que os dois caminhos estejam juntos: o aproveitamento de resíduos e a atuação com comunidades locais.

“Hoje, muito do que é chamado de lixo é matéria-prima para novos produtos. Essas pessoas sobrevivem com os recursos da floresta, e a gente precisa fazer com que elas entendam a potencialidade de muitos produtos que hoje estão lá se estragando na floresta porque não têm funcionalidade na indústria e na verdade tem”, explica.

Ética

Estar na Amazônia e utilizar os recursos locais é “fundamental” para um pesquisador, diz Adriano, porque existe na região uma grande diversidade de plantas, animais, microrganismos, e tudo isso deve ser aproveitado. Mas, além de ter conhecimento desenvolvido na Amazônia, ele acredita que seja necessário utilizar essa riqueza de maneira inteligente e sustentável, porque existem pessoas que moram na região, como populações indígenas, quilombolas e ribeirinhos. “Temos que encontrar soluções utilizando essa biodiversidade para que a gente possa não apenas sobreviver na Amazônia, mas viver e viver com qualidade e respeitando a floresta acima de tudo”.

Além de ser respeitado, o saber popular também deve ser remunerado, na opinião do pesquisador. Por isso, antes de iniciar os estudos, a empresa ou grupo de pesquisa deve registrar tudo no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento (SisGen), que garante que, se o conhecimento tradicional associado a estudos gerar um novo produto, a comunidade terá participação na divisão dos lucros que forem gerados a partir disso.

“É fundamental que as empresas e pesquisadores se registrem, atuem respeitando esse conhecimento e que essas pessoas que vivem aqui possam, lá no final, quando aquele produto fizer sucesso e gerar lucro, sejam respeitadas e possam ter sua parte também”, avalia o especialista.

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