Pará registra mais de 144 mil casos de trabalho infantil no último ano
Aproximadamente 34% dos casos se enquadram nas piores formas desse tipo de exploração

O Pará é o quarto estado com o maior número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, com 144.720 casos no último ano, o equivalente a 8,8% do total do país, conforme divulgação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Desse total, aproximadamente 34% correspondem a casos enquadrados na lista das piores formas de trabalho infantil, estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Apesar desse cenário, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), utilizada como base para essas análises, apontam uma redução de 16,4% na comparação entre os dois últimos anos.
A partir da avaliação do último balanço, a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT-PA), doutora Rejane Alves, reforça que, mesmo com reduções, ainda não é o momento de baixar a guarda. Isso porque esse problema exige um esforço de diferentes segmentos da sociedade e do poder público, devido à sua complexidade. A porta-voz ressalta os esforços de combate e também chama atenção para o cenário alarmante do país, que registrou 34 mil jovens a mais em situação de exploração em relação ao ano de 2023.
“Os dados nos mostraram, agora nesse mês de setembro, que das crianças e adolescentes que estão em situação de trabalho, exercem uma atividade de autoconsumo, para prover o sustento próprio ou de sua família. No entanto, nós temos ainda cerca de 560 mil crianças e adolescentes que estão engajadas nas piores formas de trabalho infantil, como, por exemplo, em atividades agrícolas, exploração sexual, no tráfico de drogas. E, isso ainda é muito preocupante no retrato do país”, avalia.
A lista das piores formas, conhecida como Lista TIP, classifica as atividades que, segundo a OIT, são extremamente prejudiciais à vida, saúde, segurança e moralidade de quem as desempenha. As principais categorias são: trabalho escravo ou análogo, exploração sexual comercial, atividades ilícitas e trabalho perigoso ou insalubre. A categorização é baseada na Convenção 182 da OIT e, no Brasil, foi adotada pelo Decreto nº 6.481/2008.
Da população total vivendo a realidade do trabalho infantil, o estado registrou 49.555 crianças e adolescentes em atividades da Lista TIP até o ano passado. O número representa aproximadamente 34% do total, mas indica uma redução de 15,9% em comparação aos 58.952 casos registrados em 2023, quando o Pará ocupava a terceira posição entre os estados com maior índice nas piores formas. Ao todo, 9.397 pessoas saíram dessa lista.
Pesquisas realizadas pela Comissão de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), nos municípios de Parauapebas e Paragominas, sudeste do estado, confirmam a presença de boa parte dos casos entre as piores formas. Nas duas localidades foram identificadas 2.077 crianças e adolescentes, entre 7 e 16 anos, que exercem algum tipo de atividade laboral, sendo 773 em Paragominas e 1.304 em Parauapebas.
O estudo ouviu estudantes de escolas públicas nas duas regiões e apurou que, em Paragominas, dos 3.025 alunos ouvidos, 773 estão em situação de trabalho infantil, aproximadamente 25,55%. Segundo o TRT-8, grande parte dos casos está na lista das piores formas, sendo atividades de babá (27,43%), comércio ambulante (13,98%), trabalho doméstico (12,29%), comércio/vendas (7,76%), roça (5,43%), catador de recicláveis (0,78%), além de outros. O cenário se repete em Parauapebas, onde 27,89% das crianças e adolescentes, o equivalente a 1.304 estudantes, também exercem atividades laborais, especialmente domésticas, de cuidado, comércio ambulante e trabalho rural.
A desembargadora do TRT-8, Maria Zuíla Lima Dutra, gestora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, destaca a “necessidade de sobrevivência”, como o principal fator para que esse tipo de exploração ainda aconteça contra os mais jovens. “Sem dúvida alguma, é a ‘necessidade de sobrevivência’ que leva crianças e adolescentes a perderem as suas infâncias no trabalho precoce, o que é prejudicial não apenas para a pessoa explorada, mas para toda a sociedade”, afirma
Combate
Entre as iniciativas de combate ao trabalho infantil, a desembargadora do TRT-8 destaca a “Campanha Círio de Nazaré”, realizada desde 2015 em parceria com a Diretoria do Círio de Nazaré e a Arquidiocese de Belém. Com o apoio de voluntários, Padrinhos Cidadãos e quase 100 escolas, a campanha busca conscientizar a sociedade sobre a importância de proteger crianças e adolescentes da exploração durante uma das maiores festas religiosas do Brasil. A mobilização ocorre principalmente durante os eventos do Círio, com ações que reforçam a mensagem de que o lugar de crianças é na escola e em família, não no trabalho.
Outra ação de destaque é o projeto "Judiciário Fraterno", reconhecido com um prêmio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2024 por sua relevância social no combate ao trabalho infantil. A iniciativa, idealizada pelo TRT-8, foca em promover o trabalho decente e valorizar mulheres, especialmente chefes de família. Isso ocorre por meio de capacitações para que essas mulheres tenham condições de sustentar a família, possibilitando que os filhos cresçam livres do trabalho infantil.
O MPT-PA também reforça as ações de enfrentamento a esse tipo de exploração e celebra bons desempenhos dessas iniciativas, mas detalha que diferentes setores sociais importam nesse processo. “A complexidade do fato social relacionado ao trabalho infantil demanda de todos nós do poder público, sociedade e família, então, as famílias precisam proteger suas crianças, mas, para isso, o Estado precisa proporcionar as políticas públicas necessárias para esse enfrentamento”, afirma a procuradora-chefe da entidade, Rejane Alves.
Entre os exemplos dessas ferramentas que auxiliam no combate, ela destaca benefícios de redistribuição de renda e o acesso a uma educação de qualidade e integral.
Subnotificação
A porta-voz do MPT também chama atenção para a normalização do trabalho infantil, o que reflete negativamente no número de denúncias dos casos e, consequentemente, ajuda a perpetuar a prática. Apesar do índice baixo de denúncias, ela celebra as ações contra a exploração de menores em nível federal, encabeçadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
“Nós observamos que existe uma subnotificação desse tipo de caso. O MPT recebe poucas denúncias da sociedade em relação à exploração do trabalho de crianças e adolescentes e isso nos mostra como o trabalho infantil ainda é muito naturalizado na nossa sociedade. No entanto, o Ministério Público do Trabalho vem fazendo, ao longo dos anos, uma incidência bastante forte em face de todos os municípios do Estado, para que eles atuem dentro dos seus territórios, proporcionando especialmente as políticas públicas necessárias de enfrentamento ao trabalho infantil”, explica.
VEJA MAIS
Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil
1. Escravidão e práticas semelhantes à escravidão
- Venda e tráfico de crianças.
- Servidão por dívida.
- Trabalho forçado ou obrigatório.
- Recrutamento para uso em conflitos armados.
2. Exploração sexual e pornografia
- Recrutamento e utilização de crianças para prostituição.
- Produção de pornografia ou atuação em shows pornográficos.
3. Atividades ilícitas
- Utilização de crianças no tráfico de drogas.
- Recrutamento para outras atividades criminosas.
4. Trabalhos perigosos e insalubres
- Trabalhos em manguezais e lamaçais.
- Garimpos, pedreiras e escavações subterrâneas.
- Atividades em carvoarias e olarias.
- Uso e manuseio de agrotóxicos e resíduos animais.
- Beneficiamento e coleta de lixo.
- Operação de máquinas e equipamentos perigosos.
- Atividades em condições insalubres, com exposição a substâncias e agentes tóxicos, ruído e calor excessivos.
- Trabalho em casas de jogos, bares e boates.
- Trabalho com cargas pesadas ou em alturas perigosas.
- Jornadas noturnas ou exaustivas.
- Trabalho doméstico, especialmente em condições que prejudicam o desenvolvimento da criança.
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