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Crise sanitária leva a mais trabalho infantil nas estradas do Pará

Ministério Público do Trabalho e Movimento República de Emaús afirmam que prática aumentou no Pará

Abílio Dantas / O Liberal
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A crise socioeconômica instaurada desde março de 2020, com a chegada da pandemia da covid-19 ao Brasil, fez aumentar no Pará a frequência de crianças e adolescentes expostos em trabalhos nas ruas e rodovias, ou em situação de pedintes, declaram o Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT- PA/AP) e o Movimento República de Emaús, do qual faz parte o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Emaús).

As instituições atribuem o acirramento do problema social ao crescimento do desemprego e da fome no país, além da interrupção das aulas nas escolas públicas, em razão da crise sanitária. A constatação do cenário é também compartilhada pelo Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Pará (Fórum DCA/PA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Durante o último mês de julho, veranistas que viajaram pelas estradas de Belém até municípios com balneários, pela BR-316, puderam observar a presença de jovens e crianças vendendo produtos como castanhas, biscoitos e água de coco, como Marcos da Silva (nome fictício), de 16 anos, morador do município de Santa Maria do Pá. Marcos relatou à reportagem que morava com um tio e sua mãe, e que trabalhava na rodovia há um ano, ou seja, desde os 15, vendendo feijão e castanha.
“Eu faço o sétimo ano. Mas no ano passado a escola parou por conta da pandemia. Estou parado”, afirmou. O adolescente disse ainda que o tio sustentava a família com venda de material reciclado. “Eu ajudo apenas com essa venda, não faço outro serviço”, completou. Próximo a Marcos estava uma criança de oito anos que, segundo ele, era seu irmão, morava com o pai, que reside em outro município, e não ajudava na venda.
A procuradora da Coordenadoria do Combate ao Trabalho Infantil do Ministério Público do Trabalho (MPT) no Pará e Amapá, Rejane Alves, afirma que é muito comum, no período das férias de veraneio no Pará, verificar o aumento do número de crianças e adolescentes engajados na venda de frutas, bebidas e outros produtos às margens das rodovias. “Isso se dá, fundamentalmente, em razão da coincidência das férias escolares, isto é, quando as crianças estão fazendo aquela pausa nas atividades das escolas, e também em razão do aumento do fluxo de veículos nas estradas, principalmente as que levam para as praias”, explica.

De acordo com a procuradora, a situação se caracteriza como casos de trabalho infantil e demanda ações estratégicas tanto dos municípios localizados à beira das estradas quanto daqueles que são destino de veranistas. “Um exemplo de ação estratégica é a promoção e organização de colônias de férias feitas pelos municípios para os estudantes das localidades, para que eles possam, no período de intervalo das tarefas da escola, desenvolver atividades outras de recreação, esporte, lazer e cultura”, destaca.

Fiscalização

Em paralelo aos projetos das prefeituras municipais, a procuradora Rejane Alves demarca serem fundamentais as ações de fiscalização de órgãos como os conselhos tutelares. “Os conselhos devem identificar as crianças que se encontram em situação de violação de direitos, especialmente no caso de trabalho infantil, para dar os encaminhamentos necessários. Além disso, é de suma importância que haja um trabalho de conscientização de motoristas, veranistas, pais, mães e famílias de forma geral sobre o fato de que o trabalho em fase inadequada é prejudicial ao desenvolvimento da criança e do adolescente, uma vez que os expõe a situações diversas de violência, e em última análise é também prejudicial ao desenvolvimento da sociedade. É preciso que as pessoas possam identificar na venda ambulante feita por crianças e adolescentes uma situação de violação de direitos, de exploração do trabalho infantil, que muitas vezes é vista como algo natural e é até mesmo invisibilizada”, alerta.
“Não podemos esquecer que nesse cenário de pandemia, iniciado em março de 2020, sem dúvida nenhuma, houve um aumento da presença de crianças e adolescentes em situação de trabalho causada especialmente pela perda da renda das famílias em razão do aumento do desemprego e de toda crise econômica enfrentada. Acabou que essa situação empurrou crianças e adolescentes precocemente para o mundo do trabalho de maneira informal e completamente precarizada”, declara a procuradora.

Faltam números atualizados

A coordenadora executiva do Movimento República de Emaús, Cleice Maciel, afirma que a ausência de números atualizados sobre o aumento do trabalho infantil no Pará pode ser explicada pela dificuldade das entidades que trabalham com a questão de realizar pesquisas durante o período pandêmico.
“Todos nós percebemos que aumentou, é evidente para quem trabalha com crianças em Belém, por exemplo. Também recebemos relatos de trabalho infantil em Parauapebas e Breves. De Breves veio uma denúncia de exploração sexual, que é a pior forma de exploração. Já conseguimos perceber, por exemplo, que adolescentes que eram jovens aprendizes, que a gente já conseguia atender, voltaram para situações de risco. Mas não temos condições de manter nossos planejamentos e ainda fazer pesquisa, colocando em perigo nossos membros em meio ao coronavírus”, diz a coordenadora.
Maria dos Reis, coordenadora do Cedeca Emaús e membro do Conselho Geral do Movimento de Emaús, destaca que o crescimento do trabalho infantil é também discutido em espaços institucionais como o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belém (Comdac). “A miséria aumentando, aumenta a situação de trabalho infantil, inevitavelmente. Os meninos furam o cerco (da fiscalização), vemos meninos não só no trabalhando, mas perambulando, na rua, sem vínculos com a família. É toda uma série de situações”, completa.

Programa federal

A Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster) informa que, segundo relatório produzido por meio dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) das 12 regiões de integração do Pará, em 2020 foram registrados 384 casos com de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, e até abril de 2021, 81 casos. Até o fechamento desta edição não foram informados os dados de 2019, quando a pandemia ainda não havia iniciado.
O governo do Pará afirma também que, através da Seaster, atua, desde 2014 na coordenação do programa federal de erradicação do trabalho infantil (Peti). “A Seaster gerencia o monitoramento e assessoramento dos técnicos que atuam com a pauta nos municípios e exerce a função de secretaria executiva do Fórum Paraense de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalho do Adolescente (FPETIPA). O fórum existe desde 1996 e reúne 43 instituições governamentais e não governamentais”, conclui o órgão.

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