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Mineração potencializa 'paradoxo amazônico'

Estudo revela valores astronômicos da extração mineral, que deixa compensação irrisória perto do faturamento das empresas

Redação Integrada

Na quinta-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro discursou virtualmente diante de 40 líderes mundiais na Cúpula do Clima, destacando a necessidade de uma cooperação internacional para vencer o “paradoxo amazônico”, traduzido pelo contraste de que a Amazônia possui imensa riqueza natural, mas seus 23 milhões de habitantes amargam os piores índices de desenvolvimento humano do país.

No mesmo dia, poucas horas depois, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) realizou uma coletiva de imprensa para anunciar os resultados do setor no 1º trimestre de 2021. Entre os números apresentados, dois são mais diretamente ligados ao Pará: o faturamento das empresas mineradoras no Estado foi acima de R$ 31 bilhões, enquanto que o valor pago através da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) ao Estado foi de R$ 1 bilhão. Ou seja, apenas 3,22% do total do faturamento das empresas, de acordo com dados do próprio IBRAM. 

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Essa diferença entre o faturamento das empresas mineradoras com a exploração do solo paraense e os valores deixados no Estado como compensação é crescente e histórica. De acordo com boletim elaborado pelo Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco), com base em pesquisa realizada por Maria Amélia Enríquez, o Pará já teve extraído de seu solo, nos últimos trinta e cinco anos, por volta de 2,8 bilhões de toneladas de minério de ferro – principal item da pauta de exportação. Esse montante de minério é, para facilitar o entendimento visual do volume, o que equivalente a 10 morros do Pão de Açúcar, o famoso cartão postal carioca, segundo o geólogo Iran Machado. 

Pelo preço atual, em média US$ 120 a tonelada, toda essa extração gerou um valor aproximado de US$ 336 bilhões - o equivalente a R$ 1,7 trilhões, considerando um câmbio conservador de R$ 5,00 por dólar. Esse valor representa 68 vezes de toda a receita orçamente estadual, que está em torno de R$ 25 bi, ou 10,5 PIBs do Estado, que está estimado em R$ 161,4 bi.

Ainda de acordo com o estudo do Sindfisco, que tem como base pesquisa realizada por Maria Amélia Enríquez, professora da faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA), também já saíram do Pará, de 2004 até o ano passado, 10,6 mil toneladas de cobre; 51,5 milhões de toneladas de manganês, desde 1985; 11,2 milhões de toneladas de níquel (entre 2010 e 2019); e 31 milhões de toneladas de caulim (entre 1996 e 2020), entre outros minerais.

Apesar de toda essa riqueza retirada de suas terras nas últimas décadas, o Pará abriga cerca de 3,8 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, conforme critério usado pelo Banco Mundial, que considera um rendimento de até US$ 5,50 por dia ou R$ 431 por mês. Além disso, menos da metade (45,3%) dos seus moradores têm água tratada em casa. Esse cenário, comparado com os números apresentados no boletim elaborado pelo Sindifisco reforçam o argumento de que, com o modelo tributário atual, a mineração tem baixo poder para – pela legislação vigente - efetivamente contribuir com o desenvolvimento das regiões onde a atividade é executada. “A mineração não apenas podia, como devia contribuir mais, primeiro com o desenvolvimento do estado, com a melhoria das condições de vida da população paraense”, afirma Charles Alcântara, presidente do Sindifisco e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).

O Sindfisco revela ainda que a mineração responde por 13,5% do PIB e 89% das exportações do Estado, o que possibilita uma geração de US$ 18,3 bilhões em divisas para o país (por volta de R$ 100 bilhões). Isto equivale a um PIB de países inteiros, como a Islândia ou Jamaica todos os anos.

image (Ricardo Teles/Vale)

Legislação atual não garante efetiva compensação

Um dos principais entraves para que a atividade garanta receita para políticas públicas à população é a própria lei. A Lei Complementar 87, conhecida como Lei Kandir, de 1996, cujo conteúdo se cristalizou na PEC no 42, de 2003, isenta do recolhimento de ICMS produtos básicos e semielaborados, como é o caso dos minérios. 

De acordo com dados Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), de setembro de 1996 até dezembro de 2019, o Pará deixou de arrecadar R$ 40,6 bilhões por causa da desoneração da Lei Kandir. Em valores atualizados, as perdas alcançam R$ 67,1 bilhões.

No final de 2020, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a a lei complementar 176/2020, que regulamentou o pagamento de compensações pela desoneração da Lei Kandir pela União aos Estados, Distrito Federal e municípios. A lei garantiu o repasse de R$ 58 bilhões da União aos entes federativos no período de 2020 a 2037, formalizando acordo feito entre governo federal e Estados para encerrar disputas judiciais pela isenção do ICMS nas exportações.

De acordo com informações da Secretaria de Fazenda do Estado (Sefa), divulgadas pela Agência Pará, o valor total a ser recebido pelo Pará em 17 anos deve ficar em torno de R$ 4,5 bilhões (14,8% do total das perdas calculadas pelo Confaz). Ainda segundo a Sefa, a previsão é de que, entre 2020 e 2030 devem ser repassados aos Estados e municípios, R$ 4 bilhões ao ano. A partir de 2031, deve ocorrer redução de R$ 500 milhões ao ano até zerar a entrega, a partir de 2038.

Para o presidente do Sindifisco, Charles Alcântara, a questão da baixa compensação pela desoneração poderia ser atenuada com uma política industrial robusta, que garanta a verticalização da produção. “A lei Kandir provocou também outro fenômeno, que é a desindustrialização e a gente se perpetua na condição de exportador primário, que nos coloca num patamar de colônia, que abastece a metrópole. Nós temos que ter uma política industrial. Nós temos aqui o cobre, que é um bem de altíssimo valor, e nós somos grandes produtores de cobre, mas nós exportamos o cobre concentrado e a Bahia tem uma indústria de processamento de cobre. A Bahia importa o cobre do exterior. Ou seja, nós não vendemos para a Bahia porque é mais barato para eles comprar o cobre importado e sai mais barato para o importador buscar o cobre aqui no Pará. Isso mostra um pouco a falência do nosso modelo”, afirma Alcântara.

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