Cervejas artesanais amazônicas estão em ascensão em Belém

Segundo levantamento, Brasil chegou a 1.383 cervejarias registradas, um crescimento de 36,4% nos últimos cinco anos

Natália Mello / O Liberal

Os 200 mil litros de cerveja artesanal produzidos mensalmente por cerca de dez cervejarias artesanais em Belém projetam um cenário econômico promissor para esse segmento nos próximos meses de 2021. Ainda em meio a um processo em curso, de aquecimento pós-início da pandemia, o mercado dos produtores locais se apropria da cultura cervejeira e do signo de maior orgulho do paraense, a gastronomia, para ascender e expandir seus negócios.

De acordo com números do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil chegou, no ano passado, a um total de 1.383 cervejarias registradas – os números foram divulgados no dia 30 de abril, no Anuário da Cerveja 2020. Pela primeira vez, todos os estados do país registraram ao menos uma cervejaria, com a abertura da primeira fábrica no Acre. Em 2020 foram registradas 204 novas cervejarias e outras 30 cancelaram seus registros, o que representa um aumento de 174 cervejarias e 14,4% em relação ao ano anterior – no período de cinco anos, esse percentual de crescimento chega a 36,4%.

Margem para crescer

Do total de empresas nesse mercado, o proprietário da cervejaria Cabôca, em Belém, Ricardo Gluck Paul, estima que as cervejarias artesanais respondem por 5% – nas vias de chegar a 10%. Em solo belenense, esse percentual se aproxima de 2%, mas a perspectiva é acompanhar o ritmo do cenário nacional e quintuplicar essa fatia. “Esses dez por cento já são realidade no mercado americano, no argentino. Existe uma margem de crescimento muito grande para as cervejas artesanais. Dá para acreditar nesses 10%, porque temos um mercado crescendo demais. Já existe um bioma próprio da cerveja artesanal e isso é um movimento que a gente trabalha: Beba Local. Esse é um meio muito colaborativo”, analisa o empresário, também formado como sommelier de cerveja.

Inaugurada em setembro de 2020, no meio de uma fase de melhora dos números de mortes por coronavírus em Belém, a cervejaria, que tem capacidade para produção de 80 mil litros de cerveja por mês, atualmente produz 40 mil litros por mês e abastece entre 30 e 40 bares da capital paraense. Antes impactada pelo movimento, bem como todos os outros segmentos de bares e restaurantes, com o mercado voltando a aquecer, a expectativa é de que, em outubro, a produção chegue a 100%. Detalhe: toda a produção ocorre no centro da cidade, em um prédio de mais de 200 anos tombado pelo Patrimônio Histórico.

Amazônia seduz

Curiosamente, o mercado não possui um público muito fiel, mas, segundo o dono da Cabôca, as cervejarias artesanais se valem justamente dessa característica para atrair as pessoas. A justificativa? A valorização do local se sobrepondo a um universo de rótulos que o apreciador das cervejas encontra em qualquer lugar. Ricardo acredita que o sabor regional se transforma em um vetor de valorização da estética da floresta, da Amazônia, e que a gastronomia, a arte e a música foram os movimentos responsáveis por essa mudança de processo.

image Cerveja fresca é a melhor (Igor Mota / O Liberal)

“Mas a gastronomia acaba sendo o maior signo de orgulho do paraense. Então o paraense tem procurado as cervejas locais, adotado as cervejarias locais como suas preferidas. Temos lojas especializadas em cervejas artesanais, bares especializados em cervejas artesanais. E a gente diz que a melhor cerveja é aquela que fica mais próxima do chaminé da fábrica. Isso é uma máxima do mundo cervejeiro que vale no mundo inteiro, porque a cerveja está fresca e carrega a cultura local. Aos poucos o paraense tá descobrindo o prazer de beber local e isso está invadindo os bares da cidade”, explica.

Esse ressignificar de sabor das pujantes cervejas amazônicas também tem outro ponto positivo: a cidade com um circuito cervejeiro formado se torna atração turística, um atrativo para viajantes e apreciadores da famosa “breja”. “Visitar fábricas de cerveja é um mundo. Qualquer lugar que tenha indústria cervejeira é uma atrativo e Belém tem tudo para ser uma rota turística”, pontua Ricardo,

Cervejas tradicionais feitas na Amazônia

Se conectar com as cervejas da Amazônia é a experiência de um caminho sem volta. Mas, segundo o mestre cervejeiro da Cabôca, Paulo Bastos, ou PJ, para além da atmosfera biodiversa dessa floresta de aromas, sabores e texturas, tem um mercado tradicional que demanda a produção de cervejas no estilo norte-americano. Com a utilização dos lúpulos americanos, mais cítricos e frutados, há a possibilidade de utilizar os insumos da floresta sem cansar o paladar e a criatividade dos fazedores de cerveja apenas com as frutas locais.

“Então a nossa pegada pode ser tradicional, mas frutada. A nossa principal escola é a americana, então a gente vem para trazer para o mercado uma coisa boa e tradicional também. Temos a Tonka, por exemplo, que é uma cerveja feita com Cumaru e Cacau, e é regional, mas a ideia é não ser só com fruta”, explica PJ, que acrescenta: a principal matéria-prima do que é produzido no Cabôca é malte, lúpulo, levedura, água e criatividade. Sem deixar de lado o imaginário amazônico, o nome da marca carrega uma simbologia, vem do termo Cabo-C, que significa o ser que vem da floresta. O substantivo, feminino, traz consigo ainda uma referência àquelas que “descobriram” a cerveja, as mulheres.

“As mulheres estiveram à frente da produção da cerveja durante toda a história. Sempre foi uma atividade doméstica, dominada por mulheres. Seja na Europa, onde as mulheres na Mesopotâmia, para alimentar os maridos, passaram a utilizar grãos que fermentavam com a água das chuvas como alimento; ou na América, com o fazer dos fermentados – raízes, como mandioca, e frutas, como abacaxi, por exemplo, o famoso aluá, tudo feito por mulheres da floresta. Então sempre foi um movimento feminino. Cabôca, para a gente, é um resgate da identidade original da floresta”, revela PJ.

Produção artesanal

A produção da cerveja pode durar de três a quatro semanas e é dividida em duas fases: quente e fria. Na quente é feita a moagem do malte, que depois, ele “arriado” nas tinas de produção, passa pela mosturação, onde se extrai o açúcar do malte, e aí é transferido para a tina de filtração para recirculação e "limpeza" do líquido. Então, somente o líquido é transferido para a tina de fervura, onde são adicionados os lúpulos de amargor e aroma. Terminado esse processo, o próximo passo é transferir para o tanque de fermentação e maturação, onde adiciona-se a levedura e deixa-se em processo de fermentação para, por fim, maturar.

“O mestre cervejeiro não faz cerveja, a gente só faz preparar o banquete para as leveduras, que são organismos vivos que colocamos durante o processo, fazerem de fato a cerveja. O trabalho é todo delas. Na maturação que começa a virar cerveja. Quando as leveduras terminam de digerir, temos a cerveja”, relata PJ. Atualmente, a Cabôca possui oito rótulos de cerveja, mas a ideia é ter produtos mais alcoólicos e experimentar um pouco mais as misturas com insumos amazônicos. A produção chega em Castanhal, Parauapebas, Marabá e, no momento, conta com um foodtruck em Salinópolis.

O diferencial da cerveja fresca feita na empresa, segundo Paulo, é o frescor que vem da mata e ainda o fortalecimento da economia local. “Por meio de uma parceria com a Dona Nena, que é famosa pelo Cacau, conseguimos o cacau que traz o famoso terruá da região. É o cacau de várzea, colhido na região ribeirinha do Combu, na Ilha das Onças. É diferente porque no Brasil tem milhares de tipos de cacau e esse só tem aqui. A ideia fomentar a economia com esse local. Ou seja, nosso projeto também inclui fortalecer o empreendedorismo dessas mulheres da região Norte”, conclui.

Pioneirismo amazônico

A produção em solo belenense teve início no ano 2000, com a Amazon Beer, a primeira cervejaria artesanal da capital e uma das primeiras do país a atuar nesse segmento do mercado – na época, o Brasil contabilizava três ou quatro fábricas de cerveja artesanal, todas na região Sudeste. O que começou com uma produção de 11 mil litros, se expandiu e ganhou, literalmente, o mundo. Hoje com 110 mil litros de capacidade de fabricação, a cervejaria acumula premiações importantes a nível nacional e mundial – Forest Pilsen premiada no International Beer Challenge 2014 (Londres) e Stout Açaí eleita a melhor cerveja do Brasil pelo Concurso Brasileiro de Cerveja, que ocorre todos os anos em Blumenau (SC).

Pioneira na região amazônica como um todo, a Amazon Beer hoje tem oito cervejas artesanais de linha fixa, ou seja, produzidas regularmente durante todo o ano, além das sazonais e especiais. “Acompanhamos todo o crescimento do público, do interesse em cervejas. É um caminho sem volta, independente de crise, de pandemia, a gente acredita em uma demanda eterna dessas cervejas. Depois de você provar uma artesanal, você não consegue ter o mesmo paladar, o teu paladar evolui e não tem como voltar atrás, ele pede cervejas de melhor qualidade!”, afirma Caio Guimarães, proprietário da cervejaria.

Com a pandemia, a Amazon Beer parou de engarrafar e deixou de distribuir em solo brasileiro, mas ainda por meio de uma parceria com uma distribuidora londrina, continua a exportação para a Europa, chegando a países como Reino Unido, Alemanha e Espanha. No Pará, a cervejaria tem mais de 100 clientes, bares espalhados nas cidades de Capanema, Castanhal e Bragança, na região nordeste; Tucuruí, Marabá e Parauapebas, no sudeste. “Em Belém, a maioria é fábrica cigana, que são cervejeiros que tem a marca e produzem a sua cerveja em fábricas de grandes cervejarias, mas é um mercado crescente, o mercado brasileiro de cerveja é o quarto maior do mundo”, explica.

Demanda cresce no interior do Estado

Sócio da 7Cats, cervejaria artesanal localizada em Paragominas, no nordeste do Pará, Pedro Cerceau, de 23 anos, lembra que foi uma cerveja da Amazon Beer – a Witbier de Taperebá – a culpada pelo início dessa paixão pelas cervejas artesanais. “Foi a primeira que eu experimentei e o meu pai, que havia saído de uma empresa onde trabalhava, percebeu que tínhamos mercado e que as pessoas focavam muito em Belém, mas Paragominas não tinha. Aí começamos a fazer em casa mesmo, produzíamos 50 litros nesse começo”, lembra.

Depois o negócio foi crescendo e ganhando forma. Já com tanques, a produção foi para mil litros, mas, ainda sem autorização do MAPA, as cervejas eram entregues aos amigos e o que sobrava ia para o lixo. Para ser ainda mais profissional, Pedro passou um ano em Blumenau (Santa Catarina), para concluir o curso de mestre cervejeiro, e participou de alguns estágios em cervejarias de São Paulo e no Rio de Janeiro.

Entretanto, há cerca de quatro anos, com a fábrica pronta e liberada para produzir, foi consolidada a 7Cats, que hoje produz 10 mil litros mensais e está com um novo espaço em processo de construção para aumentar a produção para até 30 mil litros. A previsão é que a nova fábrica esteja pronta no mês de outubro e, quem sabe, aumente a cartela de clientes, hoje em Ipixuna do Pará, São Miguel, Castanhal e Parauapebas, além de Paragominas.

“Queremos deixar o negócio maior porque tem muita demanda. A nossa maior ainda é Paragominas e a região nordeste, mas mantemos também o foco em Parauapebas, uma das cidades mais ricas do Estado. Dá para viver disso. As pessoas pensam em construir cervejarias em lugares que está consolidado, precisam construir onde está crescendo, onde tem mercado. Quanto mais cervejaria chegar, mais fomenta o mercado, mais incentiva a cultura cervejeira. As pessoas gostam de saber que tem um negócio local e uma cerveja fresquinha da cidade”, finaliza.

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