Após 10 anos da PEC das Domésticas, categoria ainda enfrenta dificuldades na formalização

No Pará, mais de 172 mil trabalhadores do segmento continuam não tendo a carteira assinada; especialistas apontam dificuldades econômicas do Brasil

Camila Azevedo
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A emenda constitucional 72, mais conhecida como PEC das Domésticas, completa 10 anos em abril de 2023 e veio com o objetivo de assegurar os direitos trabalhistas da classe, a aproximando de outras profissões. Porém, mesmo após uma década, a categoria segue enfrentando desafios: no primeiro trimestre de 2013, quando o projeto foi aprovado, o Pará tinha 212 mil trabalhadores domésticos. Desses, 175 mil não tinham carteira assinada. Já no último trimestre de 2022 - levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no estado, essa quantidade passou para 199 mil, tendo 172 mil na informalidade.

A PEC estabeleceu direitos que vão desde a jornada de trabalho de oito horas por dia - completando 44h semanais -, pagamento de horas extras, adicional noturno, descanso entre turnos, obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por parte dos empregadores, até seguro contra acidentes e indenização em caso de demissão sem justa causa. Entretanto, conforme dizem especialistas, o cenário que coloca dificuldades na formalização desses profissionais passa por baixos períodos de desempenho econômico que o Brasil atravessou: a recessão, finalizada em 2016, e a pandemia da covid-19, desde de 2020.

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Emília Farinha, advogada e mestre em direito material e processual do trabalho, diz que, aliado a esse cenário, o entendimento por parte da sociedade em associar o trabalho doméstico como análogo a escravidão também é um fator que contribuiu para a realidade de informalidade existente. “A PEC veio trazendo muitos direitos, mas, em contrapartida, eu percebo que há muito informalidades. As pessoas continuam vendo o trabalhador doméstico como análogo a escravo. Tem muito profissional sem carteira assinada, sem vale transporte, sem salário mínimo. Temos uma lei que veio resguardar diversos direitos e, efetivamente, ela não é cumprida”, afirma a especialista.

Principais mudanças da PEC das Domésticas

→ Jornada de trabalho de 8h por dia e 44h semanais;

→ Pagamento de horas extras com valor pelo menos 50% superior ao normal;

→ Adicional noturno;

→ Descanso de, no mínimo, 1h e de, no máximo, 2h;

→ Recolhimento do FGTS por parte do empregador

→ Seguro-desemprego;

→ Salário-família;

→ Auxílio-creche e pré-escola;

→ Seguro contra acidentes de trabalho;

→ Indenização em caso de demissão sem justa causa;

→ Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo,

→ Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

A advogada fala que uma penalidade mais forte para quem não cumpre a lei, no caso, os empregadores, talvez seja uma solução. “Nós nunca tivemos uma norma tão extensa como temos agora. São trabalhadores como quaisquer outros e merecem respeito. A lei é boa, mas, se tivesse mais penalidades, poderia dar mais certo. As relações domésticas são muito próximas, familiares… Elas acabam convivendo no dia a dia e isso torna a situação difícil para elas, como fazer denúncias e como fazer com que haja fiscalização. As grandes reclamações são de salário, carteira assinada, jornada de trabalho, férias, tudo isso. Eu acho que a PEC foi uma evolução favorável, o problema é que ela não é efetiva, respeitada e observada”, diz.

Pandemia

O resultado da pandemia para os empregados domésticos, no Pará, resultou na série histórica de menor quantidade de pessoas trabalhando ao longo desses 10 anos, conforme mostra o IBGE: eram 149 mil no mercado, 24 mil de carteira assinada e 125 mil de maneira informal. Além disso, Emilia destaca que o cuidado com a saúde desses profissionais foi negligenciado em alguns casos. “Os domésticos foram afetados, sim. Alguns patrões foram coerentes, continuaram pagando, afastaram as domésticas ou fizeram ajustes. Mas, tivemos situações em que os empregadores exigiram a prestação de serviço, com a possibilidade de os empregados contraírem o vírus”, pontua.

Prejuízos

Emília ressalta que deixar de receber os benefícios afirmados por lei causa uma série de prejuízos para o trabalhador doméstico, como a falta de segurança depois de sair do emprego. “Ele [doméstico] está perdendo tudo: seu tempo de serviço, que coloca à disposição. Não tem como um dia fazer a contagem de tempo, porque a carteira nunca foi assinada. Perde as férias, os décimos terceiros. Como é feito isso, sem assinar a carteira? Eu acredito que essa realidade acaba sendo favorável para o empregador, porque, uma vez reconhecendo esse vínculo de trabalho, o doméstico pode reclamar seus direitos e isso pode dar muito dinheiro”, completa a especialista.

Trabalhadora relata dificuldades após aprovação da PEC em 2013

Raimunda Oliveira, de 44 anos, já passou por sete casas de família ao longo do tempo. Ela trabalha como empregada doméstica desde a adolescência e, na época em que a PEC foi aprovada, em 2013, foi demitida do emprego em que estava. A justificativa era que a empregadora não iria conseguir pagar todos os benefícios listados. “No período da adolescência, eles não assinavam nada. Eu trabalhava como se fosse encostada. Tinha uns 27 anos quando assinaram pela primeira vez. Com o novo projeto, ela achou que não tinha condições de me manter, mas, pagou uma indenização, me chamou e disse que eu não ia poder ficar. A solução para ela foi contratar uma diarista”, relembra.

image Raimunda Oliveira, de 44 anos, trabalha como empregada doméstica desde a adolescência. Para ela, PEC é uma conquista importate (Sidney Oliveira / O Liberal)

Pouco tempo depois, no mesmo ano, Raimunda conseguiu o emprego atual. Ela tem todos os benefícios garantidos e procura manter os horários certos para a realização de cada tarefa. “Lá foi sempre de carteira assinada, desde o início. Comecei em novembro de 2013. Fico mais na parte da cozinha, faço o café, almoço e a limpeza de uma parte da casa. Como é muito grande, só cuidado de uma parte. A outra parte quem cuida é uma diarista. Meu horário é das 8h às 16h. Às vezes, eu me atraso, ou me adianto. Quando chego cedo, saio cedo, quando chego tarde, saio tarde. Não controlo muito, pois não costumo perder o horário. É tudo certo”, conta.

Antes da PEC, horário não era regulado, conta Raimunda

A profissional já chegou a fazer quase 12h de trabalho por dia antes da aprovação da PEC. Além de não ter os direitos trabalhistas certos na época, a demanda de serviço exigia mais esforço que o normal de Raimunda. “Antes, dependia do horário que eu chegava para poder sair. Em alguns dias, eu chegava por lá às 7h e saía depois de 18h. A maioria dos dias eram assim, como esse, mas, depois da PEC, os horários ficaram mais certos. Agora, eu até consigo sair antes, de vez em quando. E tenho intervalo para almoço, isso é muito bom. Então, sim, em parte melhorou, porque certos direitos nós não tínhamos, em relação a outros trabalhadores. Hoje, já consigo falar que sou mais valorizada”, finaliza.

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