Reforma tributária: o que muda em 2026 e os principais impactos no Pará
Ano de transição do novo sistema de impostos começa com efeitos diretos no comércio e serviços paraenses
Entre 1º de janeiro e 24 de dezembro de 2025, o Pará arrecadou mais de 59,4 bilhões de reais em impostos, segundo dados do Impostômetro. No mesmo período, Belém concentrou cerca de 1,33 bilhão em arrecadação. É nesse cenário de intensa circulação de recursos que a reforma tributária, em 2026, entra na fase prática de transição, inaugurando a cobrança simbólica do novo IVA Dual e impondo mudanças profundas na rotina de empresas, consumidores e administrações públicas. Para o tributarista Márcio Maués, o principal risco do próximo ano não está no valor dos novos tributos, mas na convivência simultânea de dois sistemas tributários, o atual e o novo, o que pode gerar insegurança jurídica, sobreposição de obrigações e dificuldades operacionais para os contribuintes.
Após mais de três décadas de debates, a reforma tributária começa a sair do papel com a sanção da Lei Complementar nº 214, de 2025, e a aprovação do texto-base do PLP 108/24 pela Câmara dos Deputados, em dezembro. O novo marco legal define as regras do chamado IVA Dual, modelo que substituirá gradualmente cinco tributos hoje em vigor pelo Imposto sobre Bens e Serviços, o IBS, pela Contribuição sobre Bens e Serviços, a CBS, além do Imposto Seletivo.
O ano de 2026 marca o início oficial da transição prática. Diferentemente dos anos anteriores, focados em discussão legislativa, o próximo ano será dedicado a testes operacionais com movimentação financeira real. A estratégia do governo é calibrar os sistemas da Receita Federal, dos estados, dos municípios e das empresas antes da virada definitiva, prevista para 2027.
Alíquota simbólica e neutralidade de carga
A principal mudança visível em 2026 será a cobrança de uma alíquota total de 1 por cento sobre a movimentação de bens e serviços. Desse percentual, 0,9 por cento será destinado à CBS, de competência federal, e 0,1 por cento ao IBS, que pertence a estados e municípios. A divisão serve para testar o funcionamento simultâneo do recolhimento entre os diferentes entes federativos.
Apesar da cobrança, a legislação prevê neutralidade de carga para empresas do regime não cumulativo. O valor pago de CBS e IBS poderá ser compensado integralmente com o que já é recolhido de PIS e Cofins. Na prática, o desembolso total não aumenta em 2026. Esses tributos antigos continuam existindo ao longo do ano e só serão extintos em 2027.
Márcio Maués explica que o desenho do próximo ano reforça o caráter experimental da reforma. Segundo ele, o contribuinte que emitir documentos fiscais eletrônicos com destaque da CBS e do IBS estará dispensado do recolhimento efetivo desses tributos durante o período de testes, desde que cumpra as regras estabelecidas pela Receita Federal.
Mais obrigações e risco operacional
Se a alíquota é reduzida, as obrigações acessórias são amplas. A partir de 1º de janeiro de 2026, os contribuintes deverão emitir documentos fiscais eletrônicos com destaque individualizado da CBS e do IBS em cada operação. Isso inclui nota fiscal eletrônica, nota fiscal do consumidor, documentos de transporte, notas de serviço, energia elétrica, comunicação e bilhetes de passagem, entre outros.
Novas declarações também entram em cena, como as Declarações dos Regimes Específicos, ainda em desenvolvimento para setores como instituições financeiras, planos de saúde, seguros e previdência. As plataformas digitais passarão a prestar informações detalhadas sobre as operações realizadas por seu intermédio, conforme regras que ainda serão definidas em notas técnicas conjuntas da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS.
A partir de julho de 2026, pessoas físicas que forem contribuintes da CBS e do IBS deverão se inscrever no CNPJ. A Receita esclarece que a inscrição não transforma a pessoa física em jurídica, servindo apenas para facilitar a apuração dos novos tributos.
Para Maués, o maior desafio desse período será a coexistência entre as normas do sistema atual e do novo modelo. Segundo ele, as empresas poderão enfrentar divergências interpretativas, cobrança e pagamento em duplicidade de tributos, além da exigência simultânea de obrigações acessórias, o que tende a elevar o custo operacional e aumentar o risco de autuações.
Reflexos no comércio e nos serviços
No Pará, os impactos da transição preocupam especialmente os setores de comércio e serviços, que têm peso relevante na economia local e na arrecadação estadual e municipal. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Pará avalia o início da reforma com prudência e ressalvas.
De acordo com o presidente da Fecomércio Pará, Sebastião de Oliveira Campos, embora a reforma prometa simplificação no longo prazo, há risco de aumento da carga tributária para comércio e, principalmente, para serviços. Ele afirma que as empresas precisarão rever estratégias de precificação, margens de lucro, planejamento fiscal e práticas de compliance, já que o novo modelo altera de forma significativa a dinâmica das operações.
Segundo a entidade, os efeitos da reforma não serão homogêneos. No comércio, empresas com cadeias longas de fornecedores podem se beneficiar da não cumulatividade, reduzindo parte dos custos. Já pequenos varejistas, com menos créditos a compensar, tendem a sentir maior pressão. No setor de serviços, a expectativa é de impacto mais intenso, pois muitas empresas hoje recolhem ISS, PIS e Cofins com alíquotas inferiores às que vêm sendo projetadas para o IBS e a CBS.
Arrecadação em alta e alerta para o futuro
Os dados do Impostômetro mostram que a arrecadação no Pará passou de cerca de 54,3 bilhões de reais entre janeiro e dezembro de 2024 para mais de 59,4 bilhões no mesmo período de 2025. Em Belém, o total subiu de aproximadamente 1,22 bilhão para 1,33 bilhão. Para Márcio Maués, esse aumento está associado, em parte, às obras e investimentos realizados pelos governos federal, estadual e municipal em função da COP 30, que ampliaram o fluxo de pessoas, o consumo e a atividade econômica no Estado.
A Fecomércio reconhece o desempenho da arrecadação, mas alerta que um ambiente tributário complexo e instável pode comprometer a sustentabilidade desse movimento. Segundo a entidade, programas temporários de regularização ajudam a aliviar o peso sobre as empresas, mas não resolvem os problemas estruturais do sistema.
Split payment e mudança no caixa das empresas
Outro ponto que começa a ganhar relevância já em 2026 é a preparação para o split payment, mecanismo de pagamento dividido que deverá se tornar obrigatório a partir de 2027, especialmente no varejo. Nesse modelo, o imposto é automaticamente separado no momento da liquidação financeira, como em pagamentos com cartão, e repassado diretamente ao governo.
Para os empresários, isso significa uma mudança profunda no fluxo de caixa, já que o valor do tributo deixará de circular pela conta da empresa até o vencimento da guia. Embora a obrigatoriedade ainda esteja prevista para a etapa seguinte da reforma, especialistas alertam que a adaptação precisa começar desde já.
Um ano decisivo de preparação
Para a Receita Federal, 2026 será dedicado a testar sistemas, fluxos de informação e mecanismos de compensação. Contribuintes que cumprirem corretamente as obrigações acessórias estarão dispensados do recolhimento da CBS e do IBS durante o período de testes. Também não haverá cobrança para aqueles para os quais ainda não exista obrigação acessória definida.
Apesar disso, especialistas e entidades empresariais alertam que tratar 2026 como um ano secundário pode trazer riscos. Quem não aproveitar o período para revisar cadastros, ajustar classificações fiscais e adaptar sistemas tecnológicos poderá enfrentar sérias dificuldades em 2027, quando PIS e Cofins forem extintos e as alíquotas do novo sistema atingirem seus patamares definitivos.
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