MENU

BUSCA

Pará tem 24,4% de obras de transporte paralisadas com R$ 600 milhões de recursos federais investidos

Quase 900 obras estão paradas no estado, sendo 20 apenas no setor de transporte, que já consumiram R$ 600 milhões em recursos federais; conforme setores produtivos, impacto afeta mobilidade, economia e atratividade para novos investimentos.

Jéssica Nascimento

O Pará concentra um dos maiores gargalos de infraestrutura do país: com R$ 3,9 bilhões já destinados a obras inacabadas, o Pará tem 889 projetos paralisados até abril deste ano, representando 65% do total em execução no estado. O impasse compromete investimentos em áreas essenciais e revela o peso do desperdício ou subaproveitamento de recursos públicos federais.

De acordo com o Painel de Obras Paralisadas do Tribunal de Contas da União (TCU), o valor travado faz parte de um total de R$ 6,6 bilhões previstos para 1.358 empreendimentos no estado. Só no setor de transportes, 24,4% das 82 obras estão suspensas, somando R$ 858 milhões. Segundo o levantamento, R$ 600 milhões em recursos federais já foram aplicados em projetos que permanecem sem conclusão no setor de transporte do Estado.

Quais as obras paralisadas?

Entre as principais obras paralisadas, destaca-se a execução dos serviços de manutenção da rodovia BR-163/PA, que tinha um valor previsto de investimento de R$ 46,4 milhões, dos quais R$ 24,9 milhões já haviam sido aplicados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). 

Outras obras de conservação e recuperação de rodovias, também no trecho da BR-163/PA, têm valores altos de investimentos previstos, como a contratação de uma empresa para a pavimentação da rodovia, com um valor de R$ 229,4 milhões, sendo que R$ 186,7 milhões já haviam sido repassados.

Há também o projeto de restauração das pistas e recuperação de acostamentos de obras de artes especiais, com um investimento previsto de R$ 169 milhões, dos quais R$ 25 milhões já foram aplicados. 

Em outro projeto, o Dnit havia destinado R$ 13 milhões para a execução de serviços de manutenção na BR-163/PA, mas R$ 18,5 milhões já haviam sido investidos até o momento da paralisação. 

O mesmo trecho teve outro projeto de manutenção, com vista à execução de Plano de Trabalho e Orçamento. A previsão era de um investimento de R$ 27,5 milhões, dos quais R$ 33,2 milhões já haviam sido aplicados. 

Já na rodovia BR-010/PA, a execução de escoramento de uma ponte sobre o Rio Açú, no âmbito do programa Proarte (Programa de Manutenção e Reabilitação de Estruturas), foi orçada em R$ 661.920, com apenas R$ 11,4 mil investidos até o momento. O Proarte é responsável pelo gerenciamento de serviços de manutenção e de reabilitação em Obras de Arte Especiais (OAEs) – pontes, túneis, viadutos, passarelas e estruturas de contenção – que integram a malha rodoviária federal em todo o país.

Há ainda serviços que envolvem a manutenção e recuperação das rodovias no estado, com valores de investimentos que variam entre R$ 6,1 milhões e R$ 80,9 milhões, dependendo da obra, e com recursos federais já repassados que somam entre R$ 1,5 milhão e R$ 35,2 milhões.

Além disso, o estado também conta com projetos no programa Crema (Contrato de Recuperação e Manutenção Rodoviária), voltados à recuperação e manutenção do pavimento da BR-163/PA, com um valor de investimento de R$ 68,8 milhões, já com R$ 78,7 milhões aplicados. O Crema é um modelo de gestão de estradas no Brasil que integra a recuperação e a manutenção a longo prazo de rodovias. 

A manutenção de diversos trechos da rodovia BR-163/PA, incluindo o trecho entre os estados do Mato Grosso e Pará e as áreas que envolvem a divisa com o Suriname, também está paralisada. Esse projeto tinha um investimento previsto de R$ 50 milhões, com R$ 776 mil já investidos. 

Por fim, outro projeto na BR-163/PA envolvia a remoção de bueiros, com um valor previsto de R$ 1,3 milhão, dos quais R$ 349 mil já haviam sido aplicados.

O que diz o Dnit?

Ao Grupo Liberal, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes afirmou que, no estado do Pará, não há obras paralisadas em rodovias federais sob jurisdição da autarquia

“É importante esclarecer que o apontamento do TCU não trata exclusivamente de obras sob administração do Dnit. Estão incluídas obras do estado ou executadas por convênio”, informou a autarquia federal  brasileira vinculada ao Ministério da Infraestrutura.

Segundo o Dnit, das obras citadas pelo TCU, muitas já estão concluídas. No entanto, “pela sistemática de acompanhamento do Departamento, permanecem com status de ‘paralisadas’ até que seja lavrado o Termo de Recebimento Definitivo e realizadas as devoluções das cauções.” 

Somente após essas etapas, conforme a autarquia, e não restando pendências, o contrato é considerado concluído.

De acordo com o Dnit, em alguns casos os contratos foram paralisados em razão da entrega da rodovia à iniciativa privada - a chamada concessão

“Em outras situações, há a necessidade de celebração de novo contrato, o que ocorre quando o anterior não se mostra adequado às necessidades para o pleno atendimento do objeto”, explicou a autarquia ao Grupo Liberal. 

O que diz o governo estadual?

Procurada pelo Grupo Liberal, a assessoria da Seinfra (Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística) informou que as obras citadas são de competência federal e não estadual. A secretaria é responsável por políticas públicas voltadas para a ampliação da infraestrutura de transportes, mobilidade urbana e acessibilidade do Pará.

Paralisação tem impactos no desenvolvimento local, segundo Famep 

Em relação ao impacto das obras de transporte paralisadas, Gianluca Alves, assessor jurídico da Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará (Famep), não hesita em afirmar que os efeitos são devastadores. Para ele, cada obra não concluída representa um bloqueio ao desenvolvimento econômico e social. 

"Cada obra paralisada representa um gargalo que estrangula o potencial de desenvolvimento de uma região inteira, condenando municípios ao isolamento e à estagnação econômica", explica Alves.

Ele detalha que os problemas afetam diretamente a mobilidade urbana, com estradas esburacadas e pontes inacabadas, o que dificulta o acesso a serviços essenciais e aumenta o tempo de deslocamento. 

"O transporte escolar fica comprometido, prejudicando o acesso à educação, e o transporte de doentes se torna uma operação de alto risco", destaca.

O impacto econômico também é considerável, com o escoamento da produção agrícola, pecuária e mineral tornando-se mais caro e lento. "O turismo regional, uma potencialidade de muitos municípios, é inviabilizado pela falta de acesso", afirma Gianluca.

Prefeitos sofrem pressão por causa de obras paradas 

A Famep tem recebido uma quantidade significativa de queixas de prefeitos, que enfrentam a pressão da população devido à paralisia das obras. 

"O prefeito é a primeira autoridade procurada pela população que sofre com a estrada paralisada. No entanto, a execução da obra é de responsabilidade federal ou estadual, e os gestores municipais ficam no fogo cruzado", explica Gianluca.

De acordo com ele, os prefeitos também relatam dificuldades na atração de investimentos para seus municípios devido à precariedade das rodovias. "A má condição da infraestrutura de acesso é o maior obstáculo para apresentar o município a investidores", comenta o assessor jurídico da Famep. 

Além disso, ele alerta para o impacto das rodovias intransitáveis que acabam desviando o tráfego para estradas municipais, o que acelera a deterioração dessas vias.

A articulação política para a retomada das obras

A Famep tem atuado para tentar reverter o quadro de obras paralisadas. Segundo Gianluca Alves, a articulação política é uma das funções primordiais da federação. 

"Recentemente, encaminhamos documentos ao DNIT, ao Ministério dos Transportes, à Secretaria de Estado de Transportes do Pará e aos parlamentares da bancada federal, cobrando cronogramas e posicionamentos sobre as obras", revela.

Além disso, a Famep promove audiências públicas e mobiliza prefeitos e técnicos municipais para pressionar os responsáveis pela execução das obras. "Temos discutido também modelos alternativos, como convênios, onde os municípios poderiam executar serviços emergenciais de conservação", explica Gianluca.

Critérios para a retomada das obras e participação dos municípios

Quando questionado sobre os critérios para a retomada das obras, Gianluca Alves destaca que a Famep defende uma abordagem que vai além dos aspectos técnicos e burocráticos. "Devem ser critérios técnicos e sociais, com a participação ativa dos municípios", afirma.

A Famep sugere que, na retomada das obras, sejam priorizadas aquelas que ligam os municípios a polos de saúde e educação, além de eixos viários essenciais para o escoamento da produção e o turismo. 

"As obras com maior percentual de execução também devem ser priorizadas, pois um investimento menor pode gerar impacto imediato", afirma.

Para garantir que os municípios possam participar efetivamente desse processo, a Famep propõe a criação de comitês mistos, com técnicos do DNIT, prefeitos e representantes das comunidades, que ficariam responsáveis pelo acompanhamento das obras. 

"Os gestores municipais também têm um papel fundamental ao fornecer informações em tempo real sobre o estado das obras e seus impactos sociais", conclui Gianluca.

Situação prejudica desenvolvimento econômico do Pará, indica Fiepa

Para Alex Carvalho, presidente da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), a infraestrutura é a base do desenvolvimento econômico e social, especialmente em um Estado com as dimensões continentais do Pará, onde a ausência de logística adequada tem implicações diretas no custo e na competitividade das atividades industriais.  Segundo ele, a falta de investimentos em infraestrutura logística agrava mais os desafios locais.

“O Pará ainda depende fortemente do modal rodoviário, que é caro, sobrecarregado e poluente. Dados da Antaq indicam que as hidrovias, por exemplo, são de quatro a cinco vezes menos poluentes que o transporte rodoviário. O Estado precisa de um sistema logístico eficiente e sustentável, capaz de reduzir custos e atrair novos investimentos”, explica Carvalho.

Segundo ele, a atual realidade de obras paralisadas e mal estruturadas contribui para uma dependência que afeta diretamente a competitividade da indústria local. Com um alto custo no transporte e dificuldades de acesso a insumos, os produtos do Pará se tornam mais caros e menos competitivos no mercado interno e externo. 

Além disso, conforme ele, a falta de uma infraestrutura moderna limita o desenvolvimento socioeconômico e impede o aproveitamento do potencial da região para fortalecer a economia brasileira.

“Se tivermos corredores logísticos bem estruturados, com ferrovias, hidrovias e portos interligados, isso reduzirá significativamente os custos e aumentará a capacidade de escoamento, além de atrair novos investimentos e fortalecer a competitividade do Pará. Isso se traduz em um ciclo positivo de crescimento econômico sustentável, com menor consumo de combustíveis e menores emissões de gases poluentes”, conclui Carvalho.

Faepa aponta gargalos logísticos e jurídicos como obstáculos para o crescimento do estado

Acerca dos dados do TCU sobre as obras paralisadas, o diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), Guilherme Minssen, ressaltou que os principais obstáculos para o desenvolvimento logístico do estado são as hidrovias e as docas portuárias, que enfrentam dificuldades estruturais e operacionais há anos. 

"Esses pontos são críticos e vêm apresentando problemas há muito tempo", afirmou Minssen, destacando a BR 163 até Miritituba como um exemplo emblemático da imobilização jurídica que prejudica a região.

Segundo ele, a geografia do estado impõe uma "barreira física gigantesca" para o escoamento das safras, tornando o custo logístico muito elevado

Minssen também enfatizou que a insegurança jurídica associada à demora na resolução de pendências legais no setor é um dos maiores entraves à atração de novos investimentos para o Pará. 

Principais obras paralisadas no Pará

Serviços de Manutenção Rodoviária - BR-163/PA (Plano Anual de Trabalho e Orçamento)

  • Valor previsto: R$ 46,4 milhões
  • Recursos federais investidos: R$ 24,9 milhões

Implantação e Pavimentação da Rodovia BR-163/PA

  • Valor previsto: R$ 229,4 milhões
  • Recursos federais investidos: R$ 186,7 milhões

Restauração de Pistas, Implantação de Acostamentos e Recuperação de Obras de Arte Especiais - BR-163/PA

  • Valor previsto: R$ 169 milhões
  • Recursos federais investidos: R$ 25 milhões

Escoramento da Ponte sobre o Rio Açú (BR-010/PA)

  • Valor previsto: R$ 661.920
  • Recursos federais investidos: R$ 11.461,5

Serviços de Manutenção Rodoviária - BR-230/PA

  • Valor previsto: R$ 17,5 milhões
  • Recursos federais investidos: R$ 42,5 milhões

Manutenção Rodoviária no Ramal de Acesso à Tribo Indígena Panará (BR-163/PA)

  • Valor previsto: R$ 7,2 milhões
  • Recursos federais investidos: R$ 6,6 milhões

Programa CREMA - BR-163/PA

  • Valor previsto: R$ 68,8 milhões
  • Recursos federais investidos: R$ 78,7 milhões

Manutenção Rodoviária (BR-163/PA) - Trecho Divisa Mato Grosso/Pará

  • Valor previsto: R$ 50 milhões
  • Recursos federais investidos: R$ 776.912,1

Remoção de Bueiro ARMCO - BR-163/PA (Divisa Mato Grosso/Pará)

  • Valor previsto: R$ 1,3 milhão
  • Recursos federais investidos: R$ 349.258,3