Ações previstas pelo governo não vão acabar com o desemprego, diz ministra do TST
Ministra Delaíde Miranda Arantes, em entrevista exclusiva a O Liberal, analisou a conjuntura do desemprego no país

A ministra Delaíde Miranda Arantes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), vê com preocupação a falta de medidas que realmente possam enfrentar o desemprego no Brasil. Numa entrevista exclusiva à Redação Integrada de O Liberal, ela critica a reforma trabalhista (já efetivada), a reforma da Previdência (que pode ser definida a partir desta semana) e a criação da "carteira de trabalho verde e amarela", que garante menos direitos a trabalhadores mais jovens.
Delaíde esteve em Belém para participar do XV Encontro Luso-Brasileiro de Juristas do Trabalho. E para a ministra, que tem um currículo com empregos diversos — de trabalhadora rural a empregada doméstica, recepcionista, escritora, professora universitária —, somente uma reforma tributária poderia ajustar os problemas econômicos do país e criar um ambiente mais propício à geração de empregos. E ao trabalhador, ela recomenda conhecer melhor a legislação.
Também preocupa à ministra ataques recentes aos três poderes do Brasil: o executivo o legislativo e o judiciário. Na avaliação dela, dizer que três pilares da democracia simplesmente "não prestam" é um risco para o futuro. Mais ainda, causa estranheza a ela decisões como acabar com o Ministério do Trabalho em meio a uma crise de desemprego.
- Sobre sua visita a Belém e participação do evento... que reflexões a senhora traz ao Pará e espera levar do Estado?
Gosto de vir a Belém. É a terceira vez. E interessante que o Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região (TRT8) seja dirigido por três mulheres: a presidente, a vice-presidente e a corregedora.
Nós estamos num momento muito difícil na nossa democracia. Muitos ataques ao judiciário. Não me lembro de uma época em que as instituições fossem tão atacadas. Para nós, da área do Direito, é momento de sempre estar refletindo sobre que contribuição dar à nossa democracia, que é tão nova, com pouco mais de 30 anos.
A Consolidação das Leis Trabalhistas é de 1º de maio de 1943. Já é uma instituição sólida. E ainda assim, por um ato do presidente da República, o Ministério do Trabalho foi extinto.
Nossa Constituição garante muitos direitos, como igualdade de direitos entre homens e mulheres e no sentido material. Mas são conquistas que ainda não vieram na sua inteireza.
Essa Constituição garante que o salário mínimo deve digno ao trabalhador. Preconiza uma sociedade justa.
- Nessa conjuntura política e social difícil, quais suas análises sobre o que se tem discutido sobre trabalho, trabalhador, direito trabalhista e previsões para os próximos 10 anos?
A sociedade precisa estar muito atenta. Temos um histórico de 388 anos de escravidão e apenas 130 anos de trabalho livre. É um dado a se pensar.
Há alguns anos atrás, passamos por momento de crescimento econômico e pleno emprego por um tempo razoável. Emprego está muito mais relacionado à economia do que ao direito do trabalho.
Quando Getúlio Vargas promulgou a CLT, é porque havia a necessidade de estabelecer um equilíbrio entre o capital e o trabalho e para proteger o trabalhador. No Brasil, não temos sistema de garantia de emprego. Temos o sistema da livre despedida, mas ainda que a Constituição proteja contra a despedida imotivada, isso ainda não foi regulamentado.
Numa crise, e as crises geralmente ocorrem na economia, a culpa do desemprego sempre recai sobre o trabalhador e o direito do trabalho.
Temos ouvido que o trabalhador não precisa de tantos direito e fala-se sobre carteira de trabalho verde e amarela, com a qual os jovens começariam a trabalhar, praticamente sem direito nenhum. Essa é uma medida que não soluciona os problemas de emprego, empregabilidade e mercado de trabalho. Cortar direitos do trabalhador não funciona. Nem extinguir o Ministério do Trabalho e reduzir fiscalizações. Nada disso gera emprego. Ao contrário: gera condição de uma massa de trabalhadores sem direitos e sem condições de proverem suas famílias de forma digna.
Para resolver é preciso uma reforma tributária e medidas econômicas para que a economia cresça, o trabalhador tenha dinheiro para comprar e o comércio e a indústria sejam fomentados com consumo.
- A reforma da Previdência é apontada como a panaceia para o desemprego. Essa também é uma medida com discurso antidesemprego vazio?
Por menos informações que tenhamos a respeito da reforma da Previdência, todo cidadão e cidadã brasileiros sabem que alguma reforma precisa ser feita. Há alguns anos, juízes classistas trabalhavam cinco anos e se aposentavam com benefício integral. Existem altos salários e benefícios e pensões acumuladas.
Com isso, não estou falando de trabalhadores que recebem benefício ou aposentadoria de um salário mínimo. Existem distorções que precisam ser corrigidas e a União precisa cumprir com os repasses da União. Em qualquer lugar do mundo, a Previdência não subsiste com contribuições apenas de trabalhadores. Precisa receber aporte do estado, que tem papel social.
Essa reforma proposta apanha apenas a parcela mais vulnerável de cobertura da Previdência, que são os trabalhadores de menor salário e os benefícios de menor salário. É uma reforma simplista, em que a parte vulnerável responde por problemas que poderiam ser resolvidos de outra forma.
Temos uma questão que é discutida em outros países. O Brasil não tem taxação de grandes fortunas. Os ricos não pagam impostos. Alguns que são obrigados a pagar sonegam e não são cobrados. É um rombo muito grande. Agora... é difícil mexer com ricos. Essa parcela da população continua intocável. Essa reforma nem atinge os militares, que estão com uma outra proposta de reforma.
Essa reforma da Previdência não vai gerar empregos. Primeiro era a reforma trabalhista, que ia gerar milhões de empregos e ficou comprovado que não gerou e nem vai gerar.
Grandes empresas, inclusive multinacionais de capitalização, estão interessadas que a Previdência passe a ser privada e elas passem a gerir. Isso não deu certo em nem um país do mundo. É um risco muito grande. Um capital muito elevado. Tem dado muitos problemas.
Mas tem um setor da sociedade que propaga e outro sociedade que acredita nessa reforma.
- Trabalho escravo. A Amazônia tem muita incidência desse tipo de crime. E desde o governo Temer, alguns retrocessos ocorreram, como o fim da lista suja do trabalho escravo, redução de fiscalizações e fim do Ministério do Trabalho. Como está esse combate atualmente?
Tenho tido acesso a muitas notícias de que a fiscalização foi muito prejudicada com a reforma trabalhista e a extinção do ministério, que já trabalhava num limite muito apertado. Já havia 800 vagas em aberto. Com a extinção, essa situação se agravou.
A propaganda da reforma trabalhista é nefasta. Tenta deslocar o quadro de valores. Parece que o trabalho e o trabalhador não têm muito valor. Dizem: "se dê por satisfeito que você tem trabalho". Mas ninguém questiona se esse trabalho é decente, se tem condições, se tem salário suficiente para manter a família. Parece que o posto de trabalho é que é valorizado. Não podemos gerar postos de trabalho que não sejam dignos e com boa remuneração para o trabalhador.
Tudo isso agrava, nesse momento propício a isso, a situação do trabalho escravo. O número de focos aumentou.
- O trabalhador brasileiro tem avançado no conhecimento do direito trabalhista, da sua importância e do seu papel dentro da economia?
É um ponto vulnerável. Estamos atrasados no quesito conscientização.
Quando estávamos discutindo o projeto de terceirização, em aulas públicas, vimos muitas pessoas que nem sabiam que eram terceirizadas e que não tinham os mesmos direitos que funcionários do quadro do empregador. Tinham a ideia de que eram colaboradores; essa mentalidade nova de que o empregado não é empregado, é "colaborador".
Às vezes, o trabalhador não teve a conscientização e isso se reflete nas eleições. A pessoa dá o voto a outra que acredita defender a categoria dele.
Tudo isso passa por um processo muito mais difícil: a democratização das mídias. Seria importante que todos os setores e classes sociais —, mulheres, trabalhadores, crianças, microempresas — tivessem a mesma voz na imprensa. Aí teríamos conscientização maior para todo cidadão e cidadã brasileiros. Quem defende quem? O que é a corrupção? Quem corrompe e que é corrompido? Chega como um fato consumado que todo mundo é corrupto, o juiz, o político e isso não é assim. Sabemos que existe, em setores e categorias da sociedade. Mas nesse conceito de que ninguém presta, estamos atacando as instituições democráticas.
Numa pesquisa de mídia do Governo Federal, em janeiro de 2017, 83% da população brasileira só se informa pela televisão. E pela forma que a mídia está estruturada, não temos espaço para conscientização da população, do trabalhador.
- A senhora tem uma história de vida que costuma ser romantizada. Tem uma origem humilde, difícil... veio do trabalho rural, durante a infância e a adolescência... comparando com essa realidade da zona rural de sua época e a realidade atual, alguma coisa mudou ou melhorou?
Gosto de falar desse assunto, mas tenho dificuldade. Minha história é de exceção e de ascensão social, profissional... mas no Brasil o índice dessas ascensões é muito baixo. Lá atrás, meu sonho era estudar. Quando terminei a quarta série na escola rural de Pontalina, minha terra, que fica perto de Goiânia, eu queria ir para a cidade para estudar e fazer o curso de Contabilidade.
Acabei trabalhando de doméstica, depois fiquei numa casa em que nem recebia salário e então arrumei trabalho num escritório de advocacia, onde fiz estágio. Trabalhei num consultório médico, depois fui recepcionista num empresa de engenharia.. Sempre fui religiosa, nasci numa família católica e me converti a uma religião evangélica. O que sempre pedia a Deus é que queria estudar, trabalhar, dar melhor condição de vida para minha mãe, que teve nove filhos.
Conheci pessoas muitas pessoas que me ajudaram. Um primo ajudou a pagar meus estudos. Meus pais faziam o que podiam. A senhora dona da casa onde trabalhei também... todas viam meu esforço e queriam me ajudar.
Mas quanto à realidade, não mudou muito de lá para cá. Muitas amigas que estavam naquela mesma situação, permaneceram numa situação parecida.
Eu tenho perspectiva de coletivo. Sempre pensei também nos outros. Sempre quis avançar, mas pensando que quem estava perto de mim deveria também. Sempre participo de eventos, grupos de pesquisa para tudo isso. Foi essa história, esse currículo que levou o presidente Lula a me indicar, na lista tríplice, para ser ministra do TST. Sempre lembro de todas as pessoas que me ajudaram. Não sou só uma história de superação.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA