Saiba quais obras serão exibidas em Belém na Mostra Itinerante da Bienal de São Paulo

Obras de artistas da Itália, EUA, Colômbia, França, Chipre, Holanda e Brasil estarão na exposição

Camila Lanhoso Martins, especial para o Grupo Liberal
fonte

A 34ª Bienal de São Paulo recebeu este ano mais de 700 mil visitantes, sendo que a exposição principal no Pavilhão da Bienal contou com mais de noventa artistas, entre brasileiros e estrangeiros. Na Mostra Itinerante, a primeira cidade a receber o programa foi São Luís, onde a exposição permaneceu de 12 de abril a 12 de junho. Na sequência, vieram o Sesc Campinas, de 26 de abril a 31 de julho. Depois passou por Minas Gerais e Ceará, e agora, a mostra desembarca na capital paraense, no período de 29 de setembro a 20 de novembro, com entrada gratuita.

A curadoria fica por conta de Jacopo Crivelli Visconti, que foi o curador geral da 34ª Bienal de São Paulo, além de curador do pavilhão do Brasil na 59ª Bienal de Veneza deste ano. Autor da tese “Novas Derivas”, nesta mostra ele evidencia suas conexões com momentos históricos através de uma obra ou de um pensador, levantando questões de extrema relevância para o mundo atual, e estimulando o grande público a ir a uma exposição, independentemente se a pessoa entende de arte ou não.

Leia Também: Obras da Bienal de São Paulo serão exibidas no complexo do Ver-o-Peso

As obras de arte que a Bienal está trazendo para o Pará são especificamente para esta exposição ou já foram apresentadas em outros locais das itinerantes?

Há ajustes específicos para cada lugar, assim como, também seria impossível resumir uma exposição que ocupou em São Paulo quase trinta mil metros quadrados para lugares que têm no máximo mil metros. Então, o que fizemos foi levar, um ou mais, dos enunciados que já estavam em leituras na Bienal de São Paulo. Os enunciados são elementos que vêm de outros lugares - ainda que não sejam obras de arte, mas, que te permitem fazer leituras específicas das obras que estão ao redor.

image Obra de Naomi Rincón Gallardo que estará na mostra (Cláudia Terroso/ Divulgação)

Você trará para o Pará os desenhos da deusa asteca Coatlicue. Podes nos explicar o motivo desta abordagem?

Tem vários aspectos neste enunciado. Um deles é a reflexão sobre todas as violências perpetradas pelo colonialismo no mundo. E esta abordagem que envolve a história da força da Coatlicue, vista como a "Senhora da saia de serpentes” é fascinante. Quando chegaram os espanhóis no México, em um primeiro momento, eles quiseram se apropriar da estátua. Mas, logo depois eles a enterraram, pois havia uma força nela que não conseguiam entender ou controlar. Quando Alexander von Humboldt foi para lá, ele quis fazer desenhos dela, sendo assim, pediu para desenterrá-la. A história diz que ele não conseguiu terminar os desenhos, pois as pessoas tinham medo da estátua, e a enterraram novamente. O desenho é uma maneira de trazermos esta lenda. Mesmo com visões de mundos diferentes — há algo naquela estátua que continua reverberando, assustando e fazendo com que as pessoas se sintam levadas e compelidas a enterrá-la novamente.

A 34ª Bienal de São Paulo partiu do conceito de “relação” inspirada nas reflexões de pensadores como a do francês Édouard Glissant. Em que contexto ele pode vir a abordar ou assimilar a arte indígena?

Como várias culturas que ele aborda, a brasileira formou-se a partir da miscigenação, da mistura de culturas de diferentes povos. Culturas como a nossa são, em geral, criadas por fenômenos históricos tensos e violentos nos quais as tradições e a produção simbólica de diferentes povos se chocam e se fundem, gerando algo novo. Para Glissant, essas culturas são mais interessantes e ricas do que as que ele chama de raiz única.

Em um dos enunciados você aborda o cineasta francês, que é um ícone - Alain Resnais, em que ele retrata o tema do filme “Hiroshima Mon Amour” falando de amor e morte quase quinze anos após o bombardeamento que vitimou mais de 160 mil pessoas. Por que você procurou desenvolver este tema?

O que nos interessou mais foi a maneira como o filme e o roteiro demonstram que existe algo, principalmente nos museus históricos como no de Hiroshima, que não se consegue dar conta (no caso de Hiroshima, do que foi o bombardeio) — existem coisas nos escombros que não adianta a gente tentar descrever em textos ou transmitir de uma maneira que passe pelo racional. É entender que existem coisas que estão nas obras ao redor deste enunciado e no da Coatlicue que não podem ser explicadas.

image Obra de Claude Cahun que estará na itinerância da 34a Bienal em Belém-PA (Jersey Heritage Collections)

Quanto à artista paraense Uýra, que você escalou para a 34ª  Bienal de São Paulo, assim como aqui também. Quais são as características da artista que mais chamam a sua atenção?

Desde o começo foi uma artista muito importante para o equilíbrio da Bienal, pois ela traz a questão de gênero. Uýra é a criação que nasce sobre uma reflexão e investigação científica. Ela brota sobre a mata e os igarapés de Belém; levantando a questão de como eles estão sendo destruídos. Do mesmo modo que ela carrega um lado místico; esta entidade que aparece em muitas fotos em performance de Uýra é da floresta, bem como urbana.

Você acha que existe um certo “otimismo” quando pensamos que o brasileiro, como um todo, possa vir a frequentar exposições com mais frequência? Então, como mudamos isso?

A única maneira de mudarmos o quadro de que muitas pessoas não frequentam exposições no Brasil, como um todo, é proporcionarmos exposições e eventos que acreditamos ter valor e conteúdo em lugares com ofertas menores. Pouco a pouco, vamos mudar este cenário — não perdi as esperanças.

Muita gente pode não querer ir em uma exposição de arte por não entender muito. Qual a visão que esta pessoa possa vir a ter diante de uma obra para que ela se sinta estimulada a ir?

Acho que uma das obrigações principais de quem pensa em uma Bienal como a de São Paulo é exatamente a de conseguir dialogar com todos os tipos de públicos. Principalmente, os que não têm familiaridade com uma obra de arte. E, para isso o Glissant foi e é uma ferramenta importante porque, de fato, ele fala que tudo se define pelas relações: relações entre pessoas, mas também relações entre uma pessoa e uma obra de arte. E, obviamente, esta relação nunca vai ser a mesma porque mesmo que sejam pessoas que entendem de arte e que acompanham o circuito, de qualquer maneira, cada uma chega de um jeito diferente para ver uma obra específica ou ver uma exposição (...).

image Obra de Jungjin Lee da Mostra Itinerante da Bienal de São Paulo (Divulgação)

Qual é o papel que você acredita que a arte tem que ter diante das queimadas na Amazônia?

Então, presumo ser importante a gente, eu digo, quem trabalha com cultura de uma maneira geral, defender as culturas dos indígenas, que foram ignoradas, dando ênfase para a sobrevivência do planeta. Se mostrarmos a arte indígena e tentarmos transmitir um pouco dos valores e da sabedoria dessas culturas, ajudaremos, não no curto ou, talvez nem no médio, mas, certamente, a longo prazo, a diminuir as queimadas — eu realmente acredito nisso.

Você escalou a artista Claude Cahun que em meados de 1928 retratava em suas fotografias a performance do “self” contestando, por exemplo, o LGBTQIA+. De que forma você está trazendo este questionamento para o mundo atual?

Como você disse, ela já apontava questões urgentes lá atrás. Além de precursora, as obras de Claude Cahum têm esta particularidade de conseguir encarnar a ideia do “self” , assim como, vários personagens em suas fotografias mantendo um lado irônico. E, esta capacidade de falar de uma maneira leve sobre este tema se perdeu um pouco.

Falando sobre a violência colonial, qual é a intenção que você tem de trazer a artista colombiana Gala Porras-Kim?

A Gala é um ótimo exemplo para entender uma obra de forma mais rica, pois ela aborda a história de uma língua que foi totalmente aniquilada por conta da colonização espanhola. Neste sentido todos os trabalhos da Gala possuem uma reflexão sobre o papel que as instituições culturais deveriam ter.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Cultura
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM CULTURA

MAIS LIDAS EM CULTURA