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Filho de Benito di Paula, Rodrigo Vellozo, tenta desenvolver própria trajetória em terceiro álbum

Álbum “Cada Lugar na Sua Coisa” foi inspirado em canção de Sérgio Sampaio

Lucas Costa

Nascido em São Paulo, Rodrigo Vellozo carrega no sangue o talento do pai Benito di Paula, sucesso da MPB nas décadas de 1970 e 1980. Formado em piano erudito, composição popular e teatro, o artista vem desenvolvendo seu trabalho em diversas expressões. Na música sua estréia foi em 2009 com o álbum “Samba de Câmara”, seguido por um tributo a carreira do pai, “Como é Bonito, Benito”, lançado e 2013.

No final do ano passado, ele lançou seu terceiro álbum de estúdio, trazendo como título uma canção de Sérgio Sampaio, “Cada Lugar na Sua Coisa”. Sobre a identidade de seu novo álbum e planos para o futuro, Rodrigo Vellozo falou com O Liberal em entrevista exclusiva.

LIBERAL - Seu novo álbum leva como título o nome de uma canção do Sérgio Sampaio, de um disco recentemente relançado em vinil, por ser considerado um dos mais importantes do artista. De que forma o Sérgio te inspirou na concepção do disco?

RODRIGO VELLOSO - Essa música entrou quase por acaso no repertório do disco. O repertório já estava definido quando eu sentei com o Marcus Preto para escutar discos e pensarmos em referências estéticas para o álbum. Fomos pelos caminhos sonoros do fim da década de 1960, início da década de 1970. No meio dos discos dos Mutantes, do Gil, da Gal, do Melodia, do Macalé, apareceu justamente esse disco do Sérgio Sampaio.

Na hora falei pro Preto que queria muito cantar essa música, dizer aquelas palavras, mas estávamos mais focados em buscar referências para as outras canções. Fizemos as bases e as vozes bem rapidamente e no dia que terminamos, eu já estava me preparando pra sair do estúdio quando o Preto perguntou: “Você lembra aquela música do Sérgio Sampaio? Sabe cantar?”. Ligamos o microfone e eu gravei na hora, ao vivo.

Depois quando fomos escolher o título acabou sendo esse. Acho que a letra da música sintetiza muito do que eu entendi que posso ser como artista, é um discurso visceral, urgente. Pensando na figura do Sérgio e do que ele representa na história da música brasileira, sinto uma admiração profunda e acho que sua obra como um todo é quase que fundamental para que artistas como eu possam “colocar seu bloco na rua”.

Ouça o novo álbum de Rodrigo Vellozo "Cada Lugar na Sua Coisa":

 

 
LIBERAL - Entre as canções do disco está "You", parceria com seu pai que você disse ter escrito quando criança. Acredito que as pessoas ainda aliam muito a identidade do trabalho de vocês dois como artistas. De que forma você lida com isso, e como surgiu a decisão de incluir esta música no disco?

RV - Me apresento com meu pai desde a infância e desde que me profissionalizei realizo muitos trabalhos com ele. Entendo que as pessoas façam essa ligação e levo isso com muito orgulho, leveza e carinho. Percebo também que há um incômodo forte de parte do público que talvez esperasse que eu fosse mais parecido com o meu pai, que meu som de voz emulasse de alguma maneira o trabalho dele. Gostaria muito inclusive de ser mais parecido com meu pai mas, apesar de ter herdado a vocação e algumas possibilidades artísticas, procuro desenvolver minha própria trajetória tanto nos discos como nos shows que faço sozinho e nas apresentações como ator no teatro.

Esse disco é inclusive sobre isso. Aceito com muito orgulho as minhas origens, mas também olho para frente, para todos os lados e para outros caminhos. A música “You” é muito especial por ter sido a primeira música que eu compus e a única (até agora pelo menos) em parceria com meu pai. Fizemos a música quando eu tinha uns doze anos e a letra é uma conversa com meu pai. Na época morávamos longe e eu fiz pensando nele.

Sempre tive muita vontade de registrar a música mas nunca tinha conseguido colocar em um disco. Esse álbum é sobre liberdade. Liberdade estética, liberdade de discurso, de ser o que se é na essência mais primitiva possível. É bonito e simbólico para mim que a última canção do disco seja justamente a primeira que eu compus.



 
LIBERAL - "Cada Lugar na Sua Coisa" traz regravações de artistas que marcaram gerações diferentes, como o Maurício Pereira, Marina Lima e Luiz Melodia. Como foi o processo de unir tantas referências na concepção do disco?

RV - O processo todo de criação do álbum foi muito intenso, orgânico e especial. Nas primeiras conversas com o Marcus Preto a respeito da concepção do que poderia vir a ser o álbum, falamos sobre um “disco de cantor”, onde a unidade seria a voz e as nuances possíveis dentro das minhas habilidades e limitações como cantor.

Entendo que minha voz é “estranha”, incomum e a ideia era exatamente buscar um repertório que evidenciasse esse aspecto, as minhas características absolutamente pessoais como artista. Diferente dos outros álbuns que eu fiz, não fiquei restrito a uma linguagem estética ou a qualquer tipo de formato. Quando conversei com o Preto sobre minha carreira, ele me mandou várias coisas pra escutar.

Ouvimos Angela Rorô, Melodia, Macalé, fomos a um show catártico do Mauricio Pereira. Eu sempre fui muito fã do Romulo Fróes, o disco dele “No Chão Sem o Chão” é uma coisa maravilhosa, o repertório, o jeito que ele fala dos assuntos que ele fala, as composições do Nuno Ramos. Foi tudo na base do afeto e da completa reverência aos compositores que gravei.

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LIBERAL - O álbum parece ter uma identidade que se afasta um pouco do samba presente nos seus trabalhos anteriores, até mesmo em "Alívio", canção em parceria com o Xande de Pilares. Como foi o processo de construção da sonoridade do álbum?

Foi muito prazeroso descobrir os rumos estéticos que foram surgindo. Quando definimos o repertório, fui conversar com o Alexandre Fontanetti, um cara com quem sempre quis trabalhar. Toquei as canções para ele ao piano e ele, depois de um hiato de uns dois meses, me ligou super empolgado. Ele tinha acabado de gravar o disco instrumental da banda Cosmopolita lá no estúdio dele e me chamou pra ouvir. Quando ele tocou o disco, eu quase caí para trás. Era um som visceral, forte, sofisticado e ao mesmo tempo muito simples.

O encontro deles com o repertório, com as referências nas quais eu e Preto tínhamos pensado e com o meu jeito de cantar se transformou no conceito do álbum. De certa forma, foi libertador não pensar em um disco exclusivamente de samba. Pesquisamos muito o blues aqui no Brasil. Seus intérpretes, compositores e suas características e acho que há um acento blues no trabalho também. Mas o samba está lá. Está sempre na raiz da minha criação. É uma fonte da qual sempre bebo.
 
LIBERAL - "Cada Lugar na Sua Coisa" parece ser um grande leque onde você mostra muitas das suas referências como artista. Mostrar tudo isso era um desejo antigo?

RV - Acho que sim, mas não um desejo consciente. De certa forma, a maneira como a minha carreira foi acontecendo, minha proximidade com meu pai em todos os sentidos me guiaram por um determinado caminho musical, que eu amo por sinal. O recente mergulho na carreira de ator me mostrou que há múltiplas possibilidades para a criação utilizando meu corpo, minha voz.

Esses dias uma das minhas primeiras professoras de música me escreveu uma mensagem muito emocionante dizendo que ao ouvir o álbum ela lembrou do menino que entrou lá para começar os estudos musicais. Acho que nesse sentido por mais referências que possam aparecer, o disco é um mergulho dentro de mim mesmo. Sinto quase como se fosse o meu primeiro disco. 
 
LIBERAL - Por fim, quais os planos futuros com o disco? Pretende fazer algum show no Pará? Conhece algum artista do Estado?

RV - Os planos são muitos. Espero fazer shows com a banda. O disco foi gravado num esquema “ao vivo”, com vazamentos, sem cliques, sem muitas edições. Acho que quando formos pro palco muitas coisas novas vão surgir e o trabalho pode crescer ainda mais. Estou ansioso pelo reencontro com a banda.

Estamos planejando também um novo clipe para uma das canções e outras novidades para as plataformas digitais, além da edição física do disco. Quero muito cantar no Pará. Tive a oportunidade de ir algumas vezes a Belém com meu pai e sou apaixonado pela cidade. Sou fã e amigo do Arthur Espíndola, que faz um trabalho lindo com o samba no Pará. Não vejo a hora, inclusive, de tocar com ele. Sou muito fã do Jaloo também um artista fenomenal e completo.

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