Exclusivo: Diretora de 'Manas', Marianna Brennand fala de carreira internacional e de Sean Penn
“É preciso que a Amazônia seja reconhecida dentro do audiovisual nacional como um território de histórias plurais, cuja presença não seja passageira”, diz a cineasta

Vencedor de 28 prêmios internacionais de cinema até o momento, o filme “Manas”, da diretora Marianna Brennand, tem atraído admiradores e parceiros por todo o mundo, como os atores Sean Penn e Julia Roberts.
A produção participou na última semana da disputa pela indicação do Brasil para concorrer a uma vaga no Oscar 2026, e foi vencido por “O Agente Secreto”, de Kléber Mendonça Filho, anunciado na última segunda-feira, 15, pela Academia Brasileira de Cinema. Entre críticos e jornalistas, “Manas” figurava como um possível escolhido.
Em entrevista exclusiva, a cineasta fala da alegria de ter participado da “shortlist”; narra como se deu a aproximação de Sean Penn e fala também da importância da presença da Amazônia no audiovisual brasileiro.
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Estrelado por Dira Paes, “Manas” conta a história de Marcielle, interpetrada por Jamilli Correa, uma jovem de 13 anos que vive em uma comunidade ribeirinha no Marajó. Ao se deparar com a violência que atinge as mulheres de sua comunidade, ela decide romper com o ciclo de opressão.
Marianna, como ocorreu a chegada de Sean Penn como produtor executivo do filme “Manas”. O que significa o termo produção executiva no caso de um filme?
A chegada de Sean Penn ao projeto foi um momento significativo para todas nós. Conheci Sean em maio deste ano, quando recebi o Women In Motion Emerging Talent Award concedido pela Kering e o Festival de Cannes. Após meu discurso, ele me procurou para conversar. Foi um encontro muito espontâneo e sincero. Assim que ele assistiu ao filme, me ligou profundamente comovido e expressou seu desejo de apoiar a história de "Manas", e isso se concretizou com sua colaboração como produtor executivo.
Ele se conectou profundamente com o filme, destacando especialmente a forma cinematográfica única, sensível e ética como “Manas” aborda exploração sexual e abuso intrafamiliar, respeitando a voz das mulheres e crianças que sofreram essas violências. Conhecido por seu ativismo em causas sociais e ambientais, trouxe seu prestígio e experiência para reforçar a circulação do filme no mercado internacional.
Produção executiva, em um projeto como este, também significa colocar olhar crítico, recursos estratégicos e visibilidade em favor da obra. No caso de “Manas”, isso incluiu abrir portas em Los Angeles, onde Sean Penn e Julia Roberts organizaram uma exibição especial do filme para membros votantes da Academia e profissionais-chave da indústria, seguida de debate comigo e Dira Paes. Essa ação ampliou enormemente a visibilidade da obra e do seu tema central, reforçando seu alcance internacional.
O filme “Manas” fez parte da lista divulgada pela Academia Brasileira de Cinema de pré-seleção para a vaga do Brasil na disputa pelo Oscar, que acabou por ser conquistada pelo filme “O Agente Secreto”. O que esse anúncio significou para você e para a equipe do filme?
Após o país receber o seu primeiro Oscar no início do ano por “Ainda estou aqui”, o cinema nacional voltou a ser motivo de orgulho. Estar na “shortlist” da Academia Brasileira de Cinema foi um reconhecimento importante para todas nós em um ano de produções tão plurais e relevantes para nosso cinema. Foi muito significativo ganhar mais esse destaque diante da indústria e do público. Até agora, "Manas" já conquistou 28 prêmios, incluindo o Directors Award em Veneza e o Women In Motion Emerging Talent Award em Cannes, sendo celebrado pela crítica e pelo público, no Brasil e no mundo. Esses reconhecimentos não apenas validam a qualidade cinematográfica do filme, do trabalho da equipe e dos atores, mas também destacam a importância de contar histórias como a nossa no cenário global.
Ainda no plano internacional, você também foi reconhecida no Festival de Cannes com o prêmio Women In Motion Emerging Talent Award 2025, sendo a primeira vez que uma brasileira foi nomeada. Você imaginou que seu comprometimento com as narrativas que aborda em seu trabalho lhe traria tanta visibilidade?
Receber o Women In Motion Emerging Talent Award foi uma honra imensa. Ser a primeira brasileira a receber esse prêmio é um marco não apenas para mim, mas para todas as mulheres que trabalham no cinema, é um prêmio que carrega uma força coletiva. Durante a cerimônia, tive a oportunidade de compartilhar minha visão sobre a importância da presença da feminina na indústria cinematográfica e a importância de nós mulheres contarmos as nossas próprias histórias, pelo nosso olhar, nossas lentes, além, é claro, de poder falar da imensa responsabilidade e oportunidade que tive através de MANAS de dar dar voz às mulheres e crianças, especialmente àquelas que vivem em situações de vulnerabilidade. Esse reconhecimento possibilitou que o filme chegasse a novos públicos e ampliasse seu alcance internacional.
Além de “Manas”, Belém, o Pará e a Amazônia estão mais presentes no audiovisual nacional, talvez como nunca estiveram antes. O que você acredita que deva ser feito, em termos de políticas públicas, para que este novo momento não seja apenas uma “maré” que vai passar?
Como já disse a Eliane Brum, “A Amazônia é o centro do mundo". Entendo que a Amazônia precisa ser reconhecida como um território essencial para pensarmos o Brasil, como parte constitutiva da nossa identidade política, cultural, ambiental e histórica. É importantíssimo a Amazônia ocupar cada vez mais espaço na produção audiovisual nacional e isso é motivo de celebração.
Quando damos voz às populações amazônidas e criamos personagens que dialogam com o espectador — como em MANAS e em tantas outras obras recentes — abrimos espaço para reconhecer esse território, suas comunidades, as culturas locais, assim como as questões socioambientais que afetam a região como parte fundamental da identidade brasileira.
Esse movimento não apenas promove pertencimento e aproximação, como também pode contribuir, de maneira poderosa, para a preservação da floresta por meio da arte.
Para que essa transformação se consolide, são indispensáveis políticas públicas consistentes de descentralização, a valorização dos profissionais locais, a manutenção de editais contínuos, tanto locais quanto nacionais, voltados ao desenvolvimento e à produção de projetos; e estratégias de distribuição que garantam a circulação dessas obras por todo o país, mas que essas obras possam retornar às comunidades de onde nasceram.
É preciso que a Amazônia seja reconhecida dentro do audiovisual nacional como um território de histórias plurais e culturalmente ricas, cuja presença não seja passageira, mas integrada e pertencente à cultura brasileira contemporânea.
*(Coordenador de Cultura do Grupo Liberal)
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