Artistas celebram a água como fonte de inspiração para suas obras

Seja como conteúdo principal da arte ou mesmo parte do processo de produção delas, a água como musa inspiradora

Alexandra Cavalcanti e Ândria Almeida
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Fonte de vida, bênçãos e purificação, a água serve de inspiração e tema de obras de arte em diferentes linguagens que abordam essa questão. E não é de hoje que isso ocorre. As possibilidades de leituras e interpretações artísticas do elemento são, assim como ele próprio, múltiplas e incontroláveis. Por isso, neste Dia Mundial da Água artistas falam da importância desse elemento em seus trabalhos. 

A cantora Priscila Castro destaca-se na música e como produtora cultural. A artista mostra a força do norte navegando nas ondas sonoras da riqueza do estado, entre elas, seus rios. A cantora de Santarém, oeste do Pará, foi construindo sua personalidade musical a partir dessas muitas referências e influências locais. “Sou uma mulher amazônica que ama tomar banho de rio, que ama o contato com a natureza e isso vem desde a infância. Fui uma criança muito amazônica, morei no interior, às margens do rio Amazonas até os 12 anos de idade, então isso também veio para a minha arte, que celebra essa diversidade amazônica”, afirma.

Por outro lado, ela conta que tem usado a sua arte também com um “grito” em defesa dessa bem. “A minha arte também é uma denuncia, que fala dos nossos problemas ambientais, por exemplo, o meu último EP se chama ‘A voz do rio’, uma música do Paulino Barreto, artista natural de Alter do Chão, que denuncia as questões territoriais do Médio e do Baixo Tapajós, inclusive falando da poluição do Rio Tapajós que foi um tema tão em voga por aqui por esses tempos, em Santarém, e também em toda a Amazônia. Então, não deixa de ser uma arte que também denuncia, questiona, mas que também celebra a diversidade da Amazônia e que também fala das nossas vivências, do nosso jeito de ser, inclusive sobre a nossa afetividade com o rio, em especial”, avalia. 

Outra artista que tem usado as águas como fonte de inspiração é a vocalista do Carimbó Cobra Venenosa, Priscila Duque, que também é jornalista, mestre em Ciências Sociais e ativista de movimentos sociais. “Minha família materna é toda ribeirinha, de Cametá, inclusive meus avós, tios e mãe trabalharam como coletores e extrativistas, na retirada de látex, cacau, cupuaçu, andiroba. Minha mãe, dona Socorro Duque, se orgulha de até hoje, aos 56 anos, conseguir subir em açaizeiro com peconha nos pés. Minha avó amassava açaí no ‘alguidar’ com as próprias mãos para alimentar os oito filhos. Lembro de ficar com meu avô no hospital, durante últimos dias de sua vida e na mistura entre memórias de realidade, uma das coisas que ele perguntava era por ‘seu casco’ (canoa), se ele estava engatado ou dizia que ‘ia remar o casco para lida que era grande’”, conta sobre essa relação.

Para ela, a relação da água com o seu trabalho é de pura inspiração, memória, ancestralidade e vida. "Não ando só, porque quando me movimento, trago nos punhos e nos sonhos a vontade de honrar meus ancestrais e a dura vida que viveram para eu ter chegado aqui”, justifica.

Em uma das letras cantadas em suas apresentações com o grupo, ela deixa bem clara essa relação."Eu não sou linha, não sou reta, não sou fria, sou latina, tropical da mata, sou noite, sou rio barrento, seresta de sapo, cigarra que canta, matinta desterrando tabaco, Iara mergulhando Igarapé" 

(Tropical da Mata - Letra e interpretação minha, Carimbó Cobra Venenosa).

Como mulher amazônica, a artista afirma reivindicar poeticamente um pseudônimo identitário "pretÍndia". “Preta da cidade e índia da floresta, por alusão à história negada referentes ao sangue indígena e negro que nos habita e não temos a precisão por uma série de crimes que dizimaram povos negros e indígenas na Amazônia. Sou Cobra Venenosa também poeticamente ligada à essa noção de que posso até ser selvagem, mas não dócil, porque uma Cobra Venenosa só ataca quando é violentada ou coagida em seu território”, explica.

Priscila destaca ainda que mais do que nunca é preciso defender essa fonte de inspiração em todas as vertentes da arte. “Enxergo com muita preocupação a intensidade  da destruição que tem acontecido na Amazônia nas últimas décadas. Preocupação por mim mesma, pelos meus ancestrais e pelas novas gerações. Não existe vida sem água potável, não existe vida sem comida limpa de agrotóxicos, não existe vida sem proteção dos territórios dos povos originários. É muito triste que hoje existam crianças e idosos em áreas contaminadas vivendo doentes e sem dignidade de vida. É muito triste saber que muitas vezes os grandes culpados não são devidamente punidos pelos crimes ambientais cometidos. Mais triste ainda é ver ativistas e lideranças serem mortos em número cada vez maior e a maior parte dos crimes permanecem impunes, sem condenação dos mandantes”, resume. 

A produtora audiovisual e fotógrafa, Natalia Costa desenvolve o projeto Rio Beirinhos que busca documentar a vida e o cotidiano das comunidades ribeirinhas Combu, Bragança, São Caetano de Odivelas, Caraparu, Curuçá e Tracuateua. O projeto foi iniciado em 2019, e reúne fotografias que mostram a relação das pessoas que vivem nesses locais com o rio. “Comecei com a ideia do rio, que é o que representa os Rio Beirinhos, eu quis fazer uma analogia entre os ribeirinhos que são aquelas pessoas que vivem às margens dos rios com o próprio rio”, explicou ela durante a apresentação do projeto.

Em todas essas obras a água é usada em bem mais do que como cenário, mas também como elemento vivo e essencial para o desenvolvimento da arte e da cultura. 

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