Artesãos adaptam cerâmica de Icoaraci aos novos tempos
Forma tradicional de arte se adapta a contemporaneidade

A ancestralidade e a tradição da cerâmica de Icoaraci vem passando ao longo das gerações. Marcadas pela estética marajoara, as casas de cerâmica já chegaram a exportar produtos para o exterior. Desde o início do século XX, o distrito de Icoaraci ficou conhecido como um polo de produção deste tipo de arte. A produção cerâmica da antiga fazenda do Livramento, hoje bairro do Paracuri, antes voltada para atender as demandas das famílias abastadas da capital com peças utilitárias como filtro, bilha, pinico e potes precisou se reinventar. Em mundo em constante transformação, os artesãos do centro produtivo de Icoaraci também atualizaram as peças, os formatos, e o modo de vender.
Essa influência indígena foi resgatada por volta dos anos 1950, sobretudo das culturas marajoara, tapajônica, maracá e cunani. Os mestres entendem a importância de preservar e replicar o conhecimento ancestral advindo de uma das primeiras tecnologia inventadas pelo homem a cerâmica. O estilo marajoara, por exemplo, é considerada por pesquisadores uma das formas mais complexas de cerâmica do mundo. “A cerâmica de um modo geral de Icoaraci tenta perpetuar uma cultura, que desapareceu antes do descobrimento do Brasil, a cerâmica marajoara, que existiu até 1350. Essa cerâmica foi introduzida pelo mestre Cardoso, e começou a ser estilizada pelo mestre Cabeludo, e com o passar do tempo outras técnicas e outros tipos começaram a aparecer”, explica o mestre Guilherme Sant’ana.
Mestre Guilherme é um desses que tem buscado resinificar a arte para o século XXI. Com 58 anos, o mestre começou a trabalhar em 1975 com apenas 12 anos, com o mestre Cabeludo. Os tempos e o mundo eram outros. Ele tenta repassar os ensinamentos para produzir uma bonita peça no círculo familiar e cursos que ministra, o mestre Guilherme já deu aulas sobre cerâmica para centenas de pessoas. Atualmente, atualiza o estilo com a filha Maynara Sant’ana e o genro Sebastian Sant’ana, que largou outra arte - a tatuagem - para se dedicar a pintura das peças. A esposa Marly Sant’ana é mestre em acabamento. Cada ente familiar tem uma função dentro da pequena Cerâmica Família Sant’ana.
“Na verdade, hoje em dia, se vier ao Paracuri vai encontrar as réplicas arqueológicas, mas a maioria é uma cerâmica bem própria do local, tanto em acabamento, quanto em grafismo, já é uma maneira bem própria daqui. As cerâmicas vendidas em lojas físicas estão passando por processo diminuição e hoje é uma tendência que vai fortalecer são as redes sociais”, declarou.
Com perfis nas principais redes sociais, a família Sant’ana comercializa as peças voltadas para incentivar o bem-estar. Quem cuida das redes sociais é a filha Maynara Sant’ana, de 28 anos. Apesar de conviver com a arte desde pequena, Maynara entrou tardiamente para o processo produtivo da cerâmica. Com uma visão mais contemporânea, ela destaca a importância de manter viva essa cultura. “Do ponto de vista cultural é uma ferramenta de reconexão, a cerâmica é a primeira tecnologia produzida pelo homem. Estamos na Amazônia, reconhecida mundialmente como um espaço que tem uma tecnologia avançadíssima na cerâmica. Temos contato com essa territorialidade”, sentencia.
Uma das coisas que muitos pensam quando falam sobre o Belém do Pará é a cerâmica de Icoaraci. “Quando pensa em Pará e em Belém, pensamos em uma comida, em uma música, e na cerâmica, que é algo muito nosso. Porque a cerâmica daqui é muito diferente de todos os lugares. É muito diferente porque os artistas pegaram as referências que são da região, e pegaram coisas que veem agora na internet, você joga algo no Pinterest [rede social de designer] e cria algo que é muito único. A cerâmica em Icoaraci é algo extremamente inovador e ancestral”, destaca Maynara.
Assim como as mãos de Mestre Guilherme moldaram milhares de peças de argila que se transformaram em lindos vasos, utensílios, pratos e todo tipo de objeto, a cerâmica moldou a vida dos Sant’ana e a cultura belenense. “Tudo o que sou e tenho devo a cerâmica. Digo para pessoas que não escolhi trabalhar com cerâmica, eu que fui escolhido. É um trabalho que me dá muito prazer, não me imagino fazendo outra coisa. Ela teve ressignificado na nossa vida”, aponta. “A cerâmica ainda é uma potência muito grande, não somente como produto de venda, mas para formar pessoas. Tenho uma visão de que é um produto ancestral e moderno que pode trabalhar a vida das pessoas e da comunidade”, assegura o mestre.
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