Reitor da UFPA defende participação dos amazônidas na COP 30 para garantir sucesso da conferência
"A COP na Amazônia, sem os amazônidas, não será uma COP bem-sucedida", afirma o reitor Gilmar Pereira da Silva
"A COP na Amazônia, sem os amazônidas, não será uma COP bem-sucedida", afirma o reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), professor Gilmar Pereira da Silva. Para isso, afirmou, é fundamental que as populações tradicionais da região sejam ouvidas. Em entrevista à Redação Integrada de O Liberal, o reitor falou sobre o movimento "Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30", lançado pela Reitoria em fevereiro deste ano. O objetivo é possibilitar que os atores locais tenham uma participação ativa no processo de negociações climáticas, ampliando a visibilidade das respostas ao aquecimento global gestadas na região.
“Tem gente que diz que a COP não é da Amazônia. É da ONU (Organização das Nações Unidas). Mas a gente tem uma leitura, que também é cultural, de que o que vem para cá é nosso também. E a COP, nesse sentido, também é nossa”, afirmou. Ele também falou sobre o movimento "Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30". “Quando se decidiu que a COP seria na Amazônia, entendemos o papel que temos enquanto ciência, enquanto estrutura física. Todos os grandes eventos realizados na Amazônia e no Pará tiveram a UFPA por perto, atuando. E com a COP não será diferente”, disse. “Entendemos que precisávamos nos posicionar e criar uma dinâmica que apresentasse a UFPA, o estado do Pará e a Amazônia como um todo. Pensamos em algo que traduzisse um discurso que já vínhamos construindo: que a COP na Amazônia, sem os amazônidas, não será uma COP bem-sucedida”, afirmou.
O lançamento desse movimento ocorreu em 5 de fevereiro. O objetivo, disse, é dialogar com cientistas do Brasil e do mundo sobre a Amazônia, “mas também com as populações tradicionais - quilombolas, indígenas, ribeirinhos e todas aquelas pessoas de movimentos populares e sindicais, que estão na Amazônia ou fora dela, mas que entendem a importância de pensar o planeta”, explicou. Esse evento reuniu mais de 1.500 pessoas participaram - mil presencialmente e mais de 500 online. Houve a representação de vários ministérios, com intervenção da ministra (do Meio Ambiente e Mudança do Clima) Marina Silva (online). "Foi um evento muito significativo e mobilizou a sociedade paraense, sendo um ponto de partida para uma série de outros eventos importantes com os quais estamos dialogando”, comentou o reitor.
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Mobilização da comunidade científica
Recentemente, ele também participou de um evento com jovens, liderado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, que destacou a importância da juventude na COP. “Também temos mantido diálogo com o restante do Brasil. Tenho falado em eventos da Associação Nacional dos Dirigentes das Universidades Federais”, contou. O reitor falou mais sobre o na COP 30. "Começamos criando uma comissão para dirigir as ações relacionadas à COP. Nomeei seis cientistas para essa função. O movimento funciona como um instrumento de mobilização da comunidade científica e dos movimentos sociais e populares, e se desenvolve em três momentos”, explicou. O primeiro momento é a mobilização, diálogo, preparação e organização para a conferência.
O segundo momento é a COP realmente, com a presença dos presidentes, governantes do mundo inteiro. “E o terceiro momento, que para nós é o mais importante, é o legado espiritual. Não no sentido religioso, mas no sentido da reflexão, de entender o mundo de outra forma, que nos permita a ensinar de forma diferente, permita ao agricultor trabalhar a agricultura de forma diferente, que permitia o camarada da indústria a entender a importância do respeito ao clima. E aí, para nós, é uma questão perene. A gente entende que esse movimento ciências deve ser algo que ocorra permanentemente. Mas que seja um instrumento para depois da COP", afirmou.
O reitor Gilmar também comentou sobre a importância da UFPA na construção dos debates da COP. “Sempre disse: a UFPA é a instituição mais importante da Amazônia. Imagine o Pará sem a Universidade. Nos cursos de medicina, a maioria dos médicos veio da UFPA; nas empresas de jornalismo, a maioria dos jornalistas veio da UFPA; nas escolas, a maior parte dos professores. A UFPA participou de todos os grandes movimentos na Amazônia e tem tido um papel fundamental”, disse. “Neste momento, em que discutimos clima, meio ambiente, vida das pessoas, dos animais e das plantas, o papel da UFPA é central. Temos uma quantidade extraordinária de laboratórios e programas de pós-graduação com mestrado e doutorado - todos, de alguma forma, refletem sobre o clima, o meio ambiente e o desenvolvimento. E isso precisa ser aproveitado”, afirmou.
Ele completou: “Digo aos meus colegas do Brasil inteiro: há uma diferença enorme, porque nós vivemos esse processo. Falamos de ribeirinhos, e somos uma universidade ribeirinha. Falamos de floresta em pé, e temos a floresta do lado. Falamos do urbano e do rural, e ambos estão aqui ao nosso redor - Ilha das Onças, Combu”.
As mudanças climáticas já chegaram
O reitor também comentou sobre as mudanças climáticas, que já estão ocorrendo no Brasil. “As mudanças que esperávamos para daqui a 20 ou 30 anos já estão acontecendo. Lembro da música de Luiz Gonzaga: ‘o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão’. Achávamos bonito, mas distante. Hoje vemos a seca no rio Amazonas e nos rios do Pará. A cada dia há morte de peixes, chuvas fora de época, secas. Antes era o cientista falando. Uma coisa é o cientista falar. Ah, é alarmismo’. Só que, agora, estamos vendo acontecer", disse.
Gilmar Pereira deseja que a COP não seja não apenas a conferência da floresta, mas um marco no reconhecimento, respeito e inclusão dos povos e comunidades mais vulneráveis. “Somos uma universidade com mais de 80% dos estudantes vindos de famílias pobres. Essas pessoas são fundamentais não só para seu próprio desenvolvimento, mas para o desenvolvimento regional”, disse. “Não consigo imaginar um evento dessa magnitude sem a presença ativa desses povos. Eles precisam dizer como mantêm a floresta em pé. Nossos ribeirinhos preservam o ambiente quase como foi deixado pelos ancestrais. Essa sabedoria é extraordinária, e nós, cientistas, precisamos aprendê-la, sistematizá-la no processo de ensino-aprendizagem, no processo de apropriação de conhecimento, na sabedoria sobre os medicamentos”, afirmou.
Mas, para garantir que as populações tradicionais sejam efetivamente ouvidas na COP 30, o reitor disse que a primeira coisa é a sociedade se despir do preconceito. “As pessoas são sábias, o conhecimento dessas pessoas é tão importante quanto o nosso. Não há conhecimentos que não sejam válidos. Isso vale para as nossas autoridades. A gente precisa ouvir essas pessoas e fazer as coisas com elas e não para elas”, disse. “Uma das coisas que normalmente me incomoda é você querer entender que você vai ensinar essas pessoas. Elas não precisam ser ensinadas. Elas sabem o que devem fazer. Elas precisam trocar conhecimento. Têm maneiras de lidar com o conhecimento que nós temos que são diferentes das delas. E têm maneiras deles lidarem com o conhecimento que nós não sabemos”, observou.
Essa troca de conhecimento, acrescentou, é muito importante. “Eu espero que isso seja um instrumento de institucionalidade. Que nós das universidades, do governo federal, do governo do Estado, todos compreendamos o papel que tem os nossos povos para o desenvolvimento com paz social”, disse.
"Legado da COP deve ser um saldo espiritual", diz reitor
Ainda sobre a COP, o reitor disse ser importante que Belém tenha ruas asfaltadas e canais drenados. Mas o mais importante é aquilo que ele chama de 'legado espiritual'. "Falo de uma coisa mais ampla. Estou falando de compreensão da realidade. O legado que eu tenho como sonho é aquele que eu, como professor da área de educação, a partir da compreensão dessa realidade, possa ensinar em uma outra perspectiva. Que o engenheiro que atua nas obras possa entender que, para além de fazer a obra, ele precisa fazer com que essa obra tenha um significado e um cuidado com a questão ambiental. Isso vale para todas as profissões”, disse.
“Nesse sentido, a minha ideia de espiritualidade é uma ideia de cuidado com o planeta- cuidado com os homens e as mulheres, com os animais, com a floresta, os nossos rios, que, até então pouco, imaginávamos que eles não secavam e eles secaram”, completou. Sobre o tema, o reitor conversou com a ministra Marina Silva (do Meio Ambiente e Mudança do Clima), que disse: ‘professor, as pessoas pensam que COP é Copa’. E a COP é muito sério. Desafiador. Que vai demandar da gente muita força acadêmica, força ao diálogo. A COP já está nos permitindo fazer os diálogos amazônicos e que a gente converse com os colegas do Brasil e fora do Brasil sobre os problemas climáticos. Isso já é extraordinário. Se a gente fizer com que isso permaneça fortemente já é uma conquista extraordinária”.
O reitor também falou sobre outras ações da UPFA até a COP. “No dia 3 de julho pretendemos fazer um evento do tamanho que fizemos em fevereiro, convidando ministro de estado, movimentos sociais e populares, os cientistas do brasil e do mundo que queiram participar. Queremos também participar de vários eventos. Tem um evento planejado que devo estar em julho, de 7 a 14, na universidade de Lisboa, depois de Coimbra, Porto, para gente dialogar sobre a COP”, disse.
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