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A oitava carta, a COP da adaptação e o realismo climático brasileiro

Rodolfo Marques

A oitava carta da presidência da COP30, assinada por André Corrêa do Lago, recoloca o Brasil no centro da diplomacia climática com uma mensagem clara: chegou a hora de falar menos sobre o que podemos evitar e mais sobre o que já estamos sofrendo. Ao definir que Belém sediará “a COP da adaptação”, Corrêa do Lago propõe uma inflexão na narrativa global: uma passagem do idealismo climático à política do possível. O tom da carta é de quem reconhece que o planeta entrou, de fato, na chamada “era das consequências”. A crise não é mais uma hipótese científica, mas uma realidade cotidiana, perceptível em secas prolongadas, enchentes históricas e deslocamentos populacionais. A adaptação assume um caráter político e civilizatório.

Desde a Rio-92, as conferências do clima se movem em torno do verbo “mitigar”: reduzir, compensar, neutralizar. O foco sempre esteve na matemática do carbono, nas metas de emissões, nos acordos que soam grandiosos, mas que raramente alteram a lógica produtiva global. A adaptação, relegada ao segundo plano, era tratada como o campo dos derrotados – um tema de países pobres, sem glamour tecnológico ou retorno econômico imediato. Ao colocar a adaptação no centro, Corrêa do Lago insere a agenda climática no campo das desigualdades: quem mais sofre com os impactos é quem menos contribuiu para o problema. E, nessa inversão, há uma mensagem política poderosa – a de que a justiça climática passa, necessariamente, por redistribuição e reparação.

Mas essa guinada também carrega uma dose de realismo incômodo. Ao priorizar a adaptação, o Brasil reconhece, implicitamente, o fracasso coletivo da mitigação. As metas de Paris, os relatórios do IPCC e as promessas de descarbonização seguem distantes da prática. Em vez de salvar o planeta, o mundo tenta agora salvar pessoas e territórios específicos. É a fase do dano controlado, em que a política climática se torna uma disputa sobre quem tem direito a sobreviver com dignidade. 

Belém, como sede da COP30, carrega um simbolismo singular. A Amazônia, vista historicamente como o “pulmão do planeta”, é agora também o laboratório do futuro – um espaço de confronto entre preservação e sobrevivência. A escolha da cidade não é casual: é onde se encontram os limites do discurso e da realidade. Fazer da Amazônia palco da “COP da adaptação” é, ao mesmo tempo, uma aposta diplomática e um teste de coerência nacional. O Brasil será cobrado não apenas por liderar o debate, mas por mostrar resultados concretos em seu próprio “quintal”.

O que está em jogo, afinal, é mais que uma conferência: é a redefinição do papel da política diante do colapso climático. Ao tratar a adaptação como investimento, Corrêa do Lago tenta recolocar a pauta ambiental dentro do campo estratégico do desenvolvimento. Todavia, esse novo discurso só terá legitimidade se for acompanhado por práticas consistentes de financiamento, governança e inclusão social. A adaptação não pode ser a nova palavra da moda; precisa ser a base de um pacto realista entre governos e sociedades.

No fim, a COP30 será lembrada não pelas promessas firmadas em plenário, mas pelas perguntas que deixará ecoando. Talvez a maior lição da carta da presidência da conferência seja esta: o futuro já não é o que vem depois — é o que acontece agora, nas margens dos rios, nos bairros alagados e nas decisões políticas que insistem em chegar tarde demais.