O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Sobre o valor social do trabalho humano e sobre sua proteção constitucional

A proteção ao trabalho digno e seguro é direito inalienável para promover o bem-estar humano

Océlio de Jesus C. Morais

A necessidade da proteção social, notadamente nas relações  de trabalho, se apresenta como contraposição à ideia ou prática de que o trabalho humano seja uma mercadoria sui generis.

A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 adota  o trabalho como primado da ordem social (Art. 198), princípio  protetivo que foi incorporado à sociedade   brasileira a partir de Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934  quando, no capítulo dos direitos e garantias individuais, assegura à   época o direito ao “trabalho honesto capaz de “prover à própria subsistência e à de sua família” (Art. 113, item 34, Constituição de 1934).

Então,  ali nascia a ideia do trabalho  como um bem humano na ordem constitucional brasileira  – princípio que a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de  1946 acolhe, designando o trabalho como “valor social”, indispensável à distribuição  de  justiça social, pois reconhece que “o trabalho é obrigação social”,  por isso que “A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna ! (Art. 145, Parágrafo único). 

No entanto,  sob o ponto de vista da produção legislativa genuinamente brasileira,  foi a “Constituição do Império do Brazil” que, em 1824,  inaugurou “a proteção social no Brasil”, ao garantir socorros públicos em caso de calamidade, conforme  destaca Balera (2015, p.33), na obra  Fundamentos da Seguridade Social. 

Antes da  Constituição de 1824, o Brasil  adotou por apenas um dia à sua ordem interna a Constituição Hespanhola de Cadiz, de 1820-1823, através do Decreto do Rei D. João VI,  de 22 de abril  de 1821: “annula o Decreto real datado de 21 de abril que mandou adoptar no Reino do Brazil a Constituição Hespanhola”. 

A Constituição Hespanhola  dedicava  um capítulo aos direitos sociais, inclusive ao trabalho. 

Isso significa que a Constituição de Cadiz, ainda que oriunda da produção legislativa externa, é o primeiro estatuto constitucional  que o Brasil importa e adota à sua ordem interna para  reconhecer  juridicamente o direito da pessoa humana ao trabalho, enquanto que  a “ Constituição do Reino Undo de Portugal, Brazil e Algarves”, de 23 de  Setembro de 1822, é  a segunda constituição  a integrar o constitucionalismo brasileiro, à medida que, na condição de colônia portuguesa,  aquela Constituição era aplicável ao Brasil. 

A Constituição da Nação Portuguesa, cujo reino era constituído por “Portugal, Brazil e Algarves”, se  aplicava às terras portuguesas na Europa e nasAméricas, incluído o Brasil. Aquela Constituição assegurava direitos à segurança, à liberdade e à propriedade, mas não se  referia ao trabalho. ( Art. 20º).

Na Constituição de 1824,  para a constitucionalização da proteção social ao trabalho como princípio, o Brasil se inspira na encíclica Rerum Novarum (1891 ), do Papa Leão XIII.  Aquela encíclica destacou o trabalho como “chave para resolver os problemas sociais” e advertiu que o trabalho humano  estava ameaçado pelo perigo  de ser tomado apenas como uma mercadoria “sui generis” no âmbito daquela sociedade industrial do século C
XIX.

A Rerum Novarum (1891 ) expressou bem a  doutrina social da  Igreja Católica contra  a desvalorização do trabalho  humano. Apesar disso, a Constituição brasileira de 1891 silenciou acerca da proteção ao trabalho humano, limitando-se a afirmar que competia “privativamente ao Congresso Nacional  legislar sobre o trabalho”.

Tratou-se de omissão incompreensível, ainda considerando que a Lei Imperial nº 3.353, de 13 de Maio de 1888, assinada pela Princesa Izabel,  já havia oficialmente abolido a escravidão no Brasil, pelo menos sob o ponto de vista legal.

E note-se que a Lei Áurea precedera a lei do Ventre Livre (lei n.º 2.040)  de 28 de setembro de 1871. Essa lei concedia a “alforria às crianças nascidas de mulheres escravizadas na época o Brasil Imperial”. 

Assim, por mais de quatro décadas, o constitucionalismo brasileiro não cuidou da proteção social ao trabalho humano,  visto que a Constituição brasileira de 1891 – vigente  no período de 24.2.1891 a 15.7.1934 -  é totalmente omissa quanto à regulação ao trabalho humano. 

Somente a partir do início do segundo quatro do século XX, com a Constituição de 1834 (vigente a partir de  16.7.1934),  com a clara e objetiva opção às garantias de proteção social ao trabalhador  na cidade e no campo: “A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos”,  previa o Art. 121 daquela Constituição.

Contudo, no plano internacional, somente na  década de 1960 , o  Brasil ratificou (em 8 de junho de 1965), a Convenção 105, da Organização Internacional do Trabalho, sobre “ Abolição do Trabalho Forçado”, promulgando o Decreto n. 58.822 em14.7.66 .

Quando o Brasil ratificou a referida convenção, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 atribuiu à União a competência para “manter relações com Estados estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções; participar de organizações internacionais” (Art. 8º, I) e ao Congresso Nacional, por outro lado, competia exclusivamente “resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da República “ (Art. 47, I),  bem como assegurou “aos trabalhadores” diversos direitos relativos à proteção ao trabalho e aos frutos do trabalho, que “visem à melhoria, de sua condição social”.

Mas a Constituição de 1967 não conferiu aos  tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos natureza equivalente às emendas constitucionais, avanço constitucional que veio apenas com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, porém, condicionando à aprovação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.”

Observemos ainda que,  apesar da Constituição de 1934 prever que “a lei promoverá o amparo  às condições do trabalho”,  somente 6 anos depois daquela,  o Congresso brasileiro aprova o primeiro Decreto-Lei (nº 2.032, de 23 de fevereiro de 1940),  “referente ao serviço da estiva e sua fiscalização nos portos nacionais“., seguindo ao Decreto-Lei nº 3.844/1941, de 20 de Novembro de 1941, que trata da “remuneração, por unidade da mão de obra do serviço de capatazias nos portos organizados “.

Esses decretos, todavia, não trouxeram regras acerca das condições de trabalho e em cuidam das medidas individuais e coletivas de segurança do trabalho.

No âmbito legislativo, apenas com o Decreto Nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 (a denominada Lei Eloy Chaves) é que, pela primeira vez, o Brasil aprova lei específica  com natureza social  protetiva de cunho previdenciário ao trabalhador – a instituição de uma caixa de aposentadoria e pensões  - ainda assim especificamente aos empregados das empresas das estradas de ferro então existentes no País, mas financiadas contribuição mensal dos empregados, correspondente a 3 % dos respectivos vencimentos; uma contribuição anual da empresa, correspondente a 1 % de sua renda bruta” 

E uma década depois da vigência da Constituição de 1934, o Brasil adota  normas trabalhistas  específicas para regular  “as relações individuais e coletivas de trabalho “, com  o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1943, incluindo regras protetivas relativas ao direito material e regras processuais relativas ao acesso à Justiça do Trabalho.

A CLT, muito embora adote  regras protetivas ao trabalho humano, de outro lado, em nenhum momento utiliza  as expressões “proteção ao trabalho humano”, “valor social do trabalho”, “dignidade humana”, “inclusão social”.

Nem mesmo  reforma trabalhista pela Lei 13.467/2017, que foi justificada  como necessária  adequação da legislação às novas relações de trabalho,  foi capaz colocar no seu corpo de regra, aquelas expressões que tanto representa, feixes de princípios à proteção jurídico e social do trabalho humano.

E quando a CLT pela primeira vez,  por meio do Decreto 229, de 22 de Fevereiro de 1967, usou a expressão “bem-estar” como condição ao trabalho noturno  da mulher em serviço de saúde,  a partir de 18 anos (Art.  279), dois anos depois o Decreto-Lei 7.41, de 1969, revoou aquele dispositivo.

O que pode ser concluído é  que , historicamente,a produção normativa brasileira tem  sido  tardia quanto à proteção do trabalho humano. A omissão nas constituições de 1824 e 1891,  quanto às garantias e proteção ao trabalho humano,  comprovam que as Casas da Lei da época  não tinham a clareza do que representa a percepção do valor do trabalho humano como condição do bem-estar da sociedade brasileira. 

As omissões legislativas ou o tímido alcance protetivo das normas constitucionais às situações fáticas vem contribuindo até os dias atuais para o embasamento do pensamento legislativo brasileiro acerca da adoção de leis mais adequadas para a valorização do trabalho humano e  à percepção concreta de seus respectivos frutos.

Uma sociedade que não goza os bons frutos do trabalho humano não é uma sociedade  digna e nem livre. Um Estado Democrático  de Direito que não valoriza, como deve ser na prática, o trabalho humano e   nem  assegura aos trabalhadores os seus frutos (como a inclusão previdenciária) é um Estado que promove a injustiça social.

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Océlio de Morais
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