Sobre o valor social do trabalho humano e sobre sua proteção constitucional A proteção ao trabalho digno e seguro é direito inalienável para promover o bem-estar humano Océlio de Jesus C. Morais 26.02.19 7h30 A necessidade da proteção social, notadamente nas relações de trabalho, se apresenta como contraposição à ideia ou prática de que o trabalho humano seja uma mercadoria sui generis. A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 adota o trabalho como primado da ordem social (Art. 198), princípio protetivo que foi incorporado à sociedade brasileira a partir de Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934 quando, no capítulo dos direitos e garantias individuais, assegura à época o direito ao “trabalho honesto capaz de “prover à própria subsistência e à de sua família” (Art. 113, item 34, Constituição de 1934). Então, ali nascia a ideia do trabalho como um bem humano na ordem constitucional brasileira – princípio que a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946 acolhe, designando o trabalho como “valor social”, indispensável à distribuição de justiça social, pois reconhece que “o trabalho é obrigação social”, por isso que “A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna ! (Art. 145, Parágrafo único). No entanto, sob o ponto de vista da produção legislativa genuinamente brasileira, foi a “Constituição do Império do Brazil” que, em 1824, inaugurou “a proteção social no Brasil”, ao garantir socorros públicos em caso de calamidade, conforme destaca Balera (2015, p.33), na obra Fundamentos da Seguridade Social. Antes da Constituição de 1824, o Brasil adotou por apenas um dia à sua ordem interna a Constituição Hespanhola de Cadiz, de 1820-1823, através do Decreto do Rei D. João VI, de 22 de abril de 1821: “annula o Decreto real datado de 21 de abril que mandou adoptar no Reino do Brazil a Constituição Hespanhola”. A Constituição Hespanhola dedicava um capítulo aos direitos sociais, inclusive ao trabalho. Isso significa que a Constituição de Cadiz, ainda que oriunda da produção legislativa externa, é o primeiro estatuto constitucional que o Brasil importa e adota à sua ordem interna para reconhecer juridicamente o direito da pessoa humana ao trabalho, enquanto que a “ Constituição do Reino Undo de Portugal, Brazil e Algarves”, de 23 de Setembro de 1822, é a segunda constituição a integrar o constitucionalismo brasileiro, à medida que, na condição de colônia portuguesa, aquela Constituição era aplicável ao Brasil. A Constituição da Nação Portuguesa, cujo reino era constituído por “Portugal, Brazil e Algarves”, se aplicava às terras portuguesas na Europa e nasAméricas, incluído o Brasil. Aquela Constituição assegurava direitos à segurança, à liberdade e à propriedade, mas não se referia ao trabalho. ( Art. 20º). Na Constituição de 1824, para a constitucionalização da proteção social ao trabalho como princípio, o Brasil se inspira na encíclica Rerum Novarum (1891 ), do Papa Leão XIII. Aquela encíclica destacou o trabalho como “chave para resolver os problemas sociais” e advertiu que o trabalho humano estava ameaçado pelo perigo de ser tomado apenas como uma mercadoria “sui generis” no âmbito daquela sociedade industrial do século C XIX. A Rerum Novarum (1891 ) expressou bem a doutrina social da Igreja Católica contra a desvalorização do trabalho humano. Apesar disso, a Constituição brasileira de 1891 silenciou acerca da proteção ao trabalho humano, limitando-se a afirmar que competia “privativamente ao Congresso Nacional legislar sobre o trabalho”. Tratou-se de omissão incompreensível, ainda considerando que a Lei Imperial nº 3.353, de 13 de Maio de 1888, assinada pela Princesa Izabel, já havia oficialmente abolido a escravidão no Brasil, pelo menos sob o ponto de vista legal. E note-se que a Lei Áurea precedera a lei do Ventre Livre (lei n.º 2.040) de 28 de setembro de 1871. Essa lei concedia a “alforria às crianças nascidas de mulheres escravizadas na época o Brasil Imperial”. Assim, por mais de quatro décadas, o constitucionalismo brasileiro não cuidou da proteção social ao trabalho humano, visto que a Constituição brasileira de 1891 – vigente no período de 24.2.1891 a 15.7.1934 - é totalmente omissa quanto à regulação ao trabalho humano. Somente a partir do início do segundo quatro do século XX, com a Constituição de 1834 (vigente a partir de 16.7.1934), com a clara e objetiva opção às garantias de proteção social ao trabalhador na cidade e no campo: “A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos”, previa o Art. 121 daquela Constituição. Contudo, no plano internacional, somente na década de 1960 , o Brasil ratificou (em 8 de junho de 1965), a Convenção 105, da Organização Internacional do Trabalho, sobre “ Abolição do Trabalho Forçado”, promulgando o Decreto n. 58.822 em14.7.66 . Quando o Brasil ratificou a referida convenção, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 atribuiu à União a competência para “manter relações com Estados estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções; participar de organizações internacionais” (Art. 8º, I) e ao Congresso Nacional, por outro lado, competia exclusivamente “resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da República “ (Art. 47, I), bem como assegurou “aos trabalhadores” diversos direitos relativos à proteção ao trabalho e aos frutos do trabalho, que “visem à melhoria, de sua condição social”. Mas a Constituição de 1967 não conferiu aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos natureza equivalente às emendas constitucionais, avanço constitucional que veio apenas com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, porém, condicionando à aprovação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.” Observemos ainda que, apesar da Constituição de 1934 prever que “a lei promoverá o amparo às condições do trabalho”, somente 6 anos depois daquela, o Congresso brasileiro aprova o primeiro Decreto-Lei (nº 2.032, de 23 de fevereiro de 1940), “referente ao serviço da estiva e sua fiscalização nos portos nacionais“., seguindo ao Decreto-Lei nº 3.844/1941, de 20 de Novembro de 1941, que trata da “remuneração, por unidade da mão de obra do serviço de capatazias nos portos organizados “. Esses decretos, todavia, não trouxeram regras acerca das condições de trabalho e em cuidam das medidas individuais e coletivas de segurança do trabalho. No âmbito legislativo, apenas com o Decreto Nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 (a denominada Lei Eloy Chaves) é que, pela primeira vez, o Brasil aprova lei específica com natureza social protetiva de cunho previdenciário ao trabalhador – a instituição de uma caixa de aposentadoria e pensões - ainda assim especificamente aos empregados das empresas das estradas de ferro então existentes no País, mas financiadas contribuição mensal dos empregados, correspondente a 3 % dos respectivos vencimentos; uma contribuição anual da empresa, correspondente a 1 % de sua renda bruta” E uma década depois da vigência da Constituição de 1934, o Brasil adota normas trabalhistas específicas para regular “as relações individuais e coletivas de trabalho “, com o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1943, incluindo regras protetivas relativas ao direito material e regras processuais relativas ao acesso à Justiça do Trabalho. A CLT, muito embora adote regras protetivas ao trabalho humano, de outro lado, em nenhum momento utiliza as expressões “proteção ao trabalho humano”, “valor social do trabalho”, “dignidade humana”, “inclusão social”. Nem mesmo reforma trabalhista pela Lei 13.467/2017, que foi justificada como necessária adequação da legislação às novas relações de trabalho, foi capaz colocar no seu corpo de regra, aquelas expressões que tanto representa, feixes de princípios à proteção jurídico e social do trabalho humano. E quando a CLT pela primeira vez, por meio do Decreto 229, de 22 de Fevereiro de 1967, usou a expressão “bem-estar” como condição ao trabalho noturno da mulher em serviço de saúde, a partir de 18 anos (Art. 279), dois anos depois o Decreto-Lei 7.41, de 1969, revoou aquele dispositivo. O que pode ser concluído é que , historicamente,a produção normativa brasileira tem sido tardia quanto à proteção do trabalho humano. A omissão nas constituições de 1824 e 1891, quanto às garantias e proteção ao trabalho humano, comprovam que as Casas da Lei da época não tinham a clareza do que representa a percepção do valor do trabalho humano como condição do bem-estar da sociedade brasileira. As omissões legislativas ou o tímido alcance protetivo das normas constitucionais às situações fáticas vem contribuindo até os dias atuais para o embasamento do pensamento legislativo brasileiro acerca da adoção de leis mais adequadas para a valorização do trabalho humano e à percepção concreta de seus respectivos frutos. Uma sociedade que não goza os bons frutos do trabalho humano não é uma sociedade digna e nem livre. Um Estado Democrático de Direito que não valoriza, como deve ser na prática, o trabalho humano e nem assegura aos trabalhadores os seus frutos (como a inclusão previdenciária) é um Estado que promove a injustiça social. 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