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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Reforma Previdenciária na Reforma Trabalhista - Parte I

O problema da cobertura previdenciária no contrato intermitente

Océlio de Jesus C. Morais

Início com este artigo a série “Reforma previdenciária na reforma trabalhista (nº 01)” para, sempre com análise sistemática do regime de leis e princípios no Brasil, identificar o conteúdo ideológico dessas reformas, se elas têm como objetivo a efetividade do direito fundamental à previdência e como elas se relacionam com o sistema de Justiça Trabalhista.

Adoto como problema de estudo aqui a seguinte questão: Seriam as reformas das leis promovidas em razão e em defesa da sociedade?

Numa democracia representativa, quando o sistema de leis  é reformado, a ideia de fundo é que as reformas foram pensadas debatidas e concebidas pela própria sociedade, isto é, os legisladores (investidos dos poderes de Estado que lhes foram outorgados) aprovam as leis em nome da sociedade e para o bem coletividade.

E por esse mesmo princípio representativo, quando os juízes aplicam as leis ao caso concreto, estão defendendo a sociedade e  fazendo prevalecer a vontade coletiva.

Essa é a ideia teleológica num sistema legislativo no ambiente da democracia representativa.

Por certo isso ocorre nas sociedades democráticas bem desenvolvidas, aquele tipo de sociedade livre e  igualitária, que John Rawls (Cf. O Direito dos Povos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.) já identificava nas democracias constitucionais liberais respeitadoras dos  direitos humanos básicos, por exemplo, o direito ao trabalho, à previdência, a saúde, à segurança, à liberdade – direitos que se projetam como fundamentais a um mínimo de bem-estar.

A ideia de bem-estar, que se relaciona ao bem-estarismo da pessoa, é ampla e se projeta, na teoria das relações sociais, ao bem comum a partir da eliminação das desigualdades sociais, garantia de distribuição dos bens fundamentais que a sociedade produz e as garantias da proteção social.

Mas como sempre, e isso é comum nos regimes políticos instáveis, entre aquilo que o princípio projeta ao mundo fenomênico como bem-estar coletivo e aquilo que ocorre na prática, existem muitos abismos que precisam ser superados pelas “pontes” do conhecimento – conhecimentos capazes de estimular a consciência racional sobre a convivência humana regulada por direitos e deveres iguais e recíprocos.

Por isso também quando o Estado vê esgotado – ou sente que estão sendo ineficientes suas políticas de proteção social – um caminho sempre adotado é o da reforma do seu sistema de leis, que também alcança o sistema judicial, de forma  direta e reflexa.

As reformas legislativas em qualquer ramo jurídico (constitucional, previdenciária, trabalhista, judiciária, tributária, penal etc) sofrem muitas influências internas e externas. Internamente, quanto às garantias da sociedade que não podem ser retiradas. Externas, pelas forças econômicas que, neste particular, Boaventura de Sousa Santos (Cf. Para uma revolução democrática da Justiça. Coimbra (Pt.): Almedina, 2015, p.31) explica como imposições do neoliberalismo.

As influências internas e externas às vezes  divergem e  às vezes convergem até a construção de uma lógica política aceitável para a garantia dos direitos sociais, certeza e previsibilidade judicial.

Esse contexto marco definiu  a reforma previdenciária dentro da reforma trabalhista no Brasil. A partir da vigência da Consolidação das Leis do Trabalho (1º de Março de 1943), diversas reformas foram aprovadas, sempre na mesma perspectiva da adequação das normas às transformações das relações de trabalho, à certeza e segurança jurídica.

Nas últimas três décadas, três importantes reformas foram implementadas: a que regulamentou exercício da profissão de motorista, com a regulação da jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional (Lei 12.619 ); a relativa ao sobre o processamento de recursos no âmbito da Justiça do Trabalho (Lei 13.015/2015) e a que dispôs sobre a adequação da legislação às novas relações de trabalho (Lei 13.467/2017).

As duas primeiras não se reportaram às questões previdenciárias, questões que foram alcançadas dentro da reforma trabalhista implementada pela Lei 13.467/2017.

A reforma trabalhista da Lei 13.467/2017 pode ser dividida em duas temáticas: a temática processual, relativa às novas regras de acesso à Justiça e as consequências legais em face das partes, testemunhas e advogados que são declarados litigantes de má-fé, conforme a tipificação no Art. 793-B , incisos I a VII da CLT;  e a temática material, que é relativa à regulação nas relações de trabalho. Neste  artigo Não cuidarei de  assuntos específicos desta reforma, porque agora nos interessa a reforma  previdenciária no âmbito da reforma trabalhista.

Identificam-se as seguintes inclusões da matéria previdenciária dentro da reforma trabalhista: a) previdência no contrato intermitente (Art. 443, § 3º e Art. 452-A, § 8º); b) contribuições sociais no contrato de trabalho do garçom (Art. 457, § 2º); c) contribuição social ao INSS nas tarefas das comissão de representantes dos empregados (Art. 510-B, VII), d) nas contribuições sociais do período laboral que podem ser executadas ex-officio (Art. 876, Parágrafo único).

A inserção da matéria previdenciária, que é reflexa dos contratos de trabalho ou das relações de trabalho ao exame da Justiça do Trabalho, representa um importante avanço legislativo do ponto da competência material da Justiça laboral, porque acaba com a cisão do princípio da unicidade da jurisdição.

Antes, muito embora a decisão judicial trabalhista devesse executar as contribuições sociais do período laboral por expressa previsão no Art. 43 da Lei 8.212/1991, de forma recorrente era arguida (ou declinada de ofício pelos Juízes) a incompetência material  da Justiça do Trabalho para a remessa à Justiça Federal comum.

Arguições incompreensíveis, do ponto de vista da razão jurídica – o  jurista alemão Weinreb (Cf. A razão jurídica.  São Paulo:MartinsFontes, 2009, p.XXVII)a relaciona com o raciocínio jurídico que obriga o juiz a decidir de acordo com o Direito (a lei) – porque a matéria previdenciária nas decisões trabalhistas decorre do próprio regime constitucional brasileiro. Disso decorria evidente anomalia jurídica – temática, aliás, que foi  o objeto de minha tese de doutorado em “previdência e sistema de justiça trabalhista”, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,  já transformada no livro “Competência da Justiça Federal do Trabalho e a Efetividade do Direito Fundamental à Previdência” (SP ;LTr, 2014).

Pois bem, se as reformar das leis de fato são feitas em razão e em defesa dos direitos básicos da sociedade, no caso do contrato intermitente, tivemos avanços, mas também retrocessos.

Vamos entender bem essa realidade.

A modalidade do contrato de trabalho intermitente é  aquela  cuja prestação de serviços é subordinada, exige um termo escrito,  com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade e a remuneração é correspondente às efetivas horas trabalhadas – na Europa é denominado de contrato a “zero hora”, temática da qual me ocupei no livro Inclusão Previdenciária, uma questão de justiça social (SP: LTr 2015, p. 68-79).

De um lado, é certo que, na prestação do trabalho intermitente, o empregador é obrigado a recolher e comprovar a contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, tal como previsto na Lei 8.212 de 1991 (específica do  custeio da previdência social) e na Lei 8.036/1990 (específica do FGTS).Portanto, a obrigação de recolher as contribuições sociais do contrato intermitente possui natureza de ordem pública, porque destinada ao custeio federativo da previdência social e, por isso, nenhum juiz pode ignorar (ao ponto de declinar a competência) esse poder-dever em suas decisões judiciais.

Além disso, as contribuições sociais do contrato intermitente são importantes sob três aspectos: a) do ponto de vista finalidade, procuram garantir a integração no tempo de contribuição para os fins dos benefícios previdenciários; b) implementam o princípio do custeio federativo das contribuições previdenciárias, custeio que é basilar à sustentabilidade e segurança do princípio da solidariedade entre gerações; c) atribuem à Justiça do Trabalho a competência material para executar de ofício essas contribuições.

Sob esses aspectos, a reforma da lei trabalhista, com a inclusão da matéria previdenciária, se justifica em razão e em defesa da sociedade. Isso  porque – formalizado o contrato de trabalho – e sobrevindo doença relacionada ao trabalho ou sendo o trabalhador vítima de acidente do trabalho que resulte na sua incapacidade ao trabalho, receberá a cobertura previdenciária (auxílio-doença acidente), se assim concluir a perícia oficial do INSS.

De outro lado, o lado ruim da questão previdenciária no contrato intermitente é o seguinte: a questão da intermitência ou alternância  de períodos de prestação de serviços e de inatividade, prevista no § 3º, Art. 443 da CLT.

Nas convocações do trabalhador, o empregador deve: a) especificar períodos de prestação de serviços e de inatividade; b) deve determinar em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador; c) deve especificar o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

Se a hipótese for para a prestação de serviços por menos de 14 dias, e se o valor da hora de trabalho  for atrelado ao valor horário do salário mínimo, não haverá a base de cálculo mínima (que é o salário minimo conforme a Lei 8.212/1991). Isso corre porque, pelos termos da Lei 9.060¹1992, que instituiu a gratificação do 13º salário, somente será havida como mês integral a fração igual ou superior a 15 (quinze) dias de trabalho.

Logo, a prestação de trabalho intermitente por período inferior a 15 dias não será computada como mês de contribuição (e não integrará o tempo de contribuição do trabalhador), salvo se o valor ajustado à remuneração por este período específico adotar salário igual ou superior ao mínimo legal.

Com isso, na ocorrência de sinistro que incapacite o trabalhador ao labor, por doença não relacionada ao trabalho, consequentemente estará excluído da cobertura do auxílio-doença, que cuja Lei exige a comprovação ou carência de 12 contribuições sociais mensais ao INSS.

Assim, considerando a necessidade da comprovação da recolhimento das contribuições sociais para ter direito à percepção de certas prestações e benefícios previdenciários, a reforma previdenciária na reforma trabalhista neste particular é muito  é delicada e prejudicial ao trabalhador segurado, sendo uma comprovação de que o princípio do bem-estar individual e coletivo não estiveram no centro da preocupação da reforma legislativa.

A possibilidade da curta periodicidade na prestação de serviços intermitentes, com os períodos de inatividade, também acarreta maior demora para o trabalhador – pelas regras atuais da Lei 8.213/1991 – comprovar 35 anos de contribuição  (homem) e 30 anos (mulher).

Isso é agravado pela realidade brasileira no mundo do trabalho, onde nos últimos 15 anos (dois mandatos no governo Lula, um mandato e meio no governo Dilma e meio mandato no governo Temer) alcançou o recorde de 14 milhões de desempregados (segundo as estatísticas oficiais). Uma realidade drástica e caótica que comprova que, nesses governos, o primado do trabalho não foi a base da ordem social social brasileira e, por conseguinte, as aquelas políticas públicas não implementaram o objetivos do bem-estar e da justiça sociais.

Outro agravante do contrato intermitente na questão previdenciária: as denominadas concausas laborais. Quando um trabalhador prestar serviços para duas ou três empresas, em períodos intermitentes e com alternância, ficará sujeito potencialmente a adquirir doença do trabalho (aquela entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente) ou doença profissional (aquela entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade).

A questão difícil que se projeta será identificar onde começou e em qual empresa apareceu a doença do trabalho ou profissional, e em qual delas surgiu a concausa. A Lei nº 8. 213/1991 tipifica a concausa acidentária como a agravação ou a complicação de acidente do trabalho, doença profissional ou doença do trabalho. Portanto, não se incluindo nessa modalidade a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se não se associe ou se superponha às consequências do anterior.

O contrato de trabalho intermitente deixou essa lacuna quanto à responsabilização da empresa nesses casos, de modo que a Justiça do Trabalho haverá de adotar critérios bem seguros juridicamente de modo a não acarretar mais prejuízos ao trabalhador acometido e nem imputar ao empregador responsabilidade porque problema que não deu causa e nem concorreu.

Sob esses aspectos específicos do contrato intermitente, a reforma da lei trabalhista,  de forma reflexa, prejudica a inclusão previdenciária do trabalhador, sendo uma comprovação de que, nem sempre, as reformas das leis são feitas em defesa dos direitos da sociedade.

Então, eis a resposta à pergunta inicial: Seriam as reformas das leis promovidas em razão e em defesa da sociedade?

No próximo artigo, dando sequência à série “Reforma Previdenciária na Reforma Trabalhista”, abordarei as temáticas “contribuições sociais no contrato de trabalho do garçom (Art. 457, § 2º) e a contribuição social ao INSS nas tarefas das comissão de representantes dos empregados (Art. 510-B, VII)”.

E no seguinte, cuidaremos das contribuições sociais do período laboral que podem ser executadas ex-officio (Art. 876, Parágrafo único).

Contudo, poderia mudar a sequência dessas temáticas se, a qualquer momento, for divulgado o texto base da reforma previdenciária no Regime Geral em elaboração pela equipe do governo Jair Messias Bolsonaro. Por ora, diante das informações não oficiais, não é possível fazer qualquer análise série e responsável a respeito.

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Océlio de Morais
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