Sobre a sabedoria do perdão
Todos devemos reconhecer com sinceridade d’alma: perdoar não é fácil e não é para qualquer um, embora o perdão como um valor humano esteja ao alcance de todos.
E também precisamos reconhecer que é mais fácil acusar e condenar pessoas sem dó e nem piedade: às vezes endossando outros comentários maliciosos, acusatórios e condenatórios; às vezes sem saber a razão verdadeira; às vezes por espírito de revanchismo pessoal, rancor, raiva e ódio; às vezes por “lacração ideológica” ou às vezes para se mostrar “politicamente correto”.
Isso é o que se vê na internet e nas redes sociais – o “tribunal super-ético” do mundo atual – onde a tempestade de acusações pode ser equiparada aos apedrejamentos que ocorriam aos cristãos, no primeiro século depois de Cristo, somente porque professavam a fé em Jesus.
Sempre são arranjadas justificativas para não perdoar. Razões para acusar ou apedrejar são catadas – aqui e acolá, em qualquer mínimo detalhe – sobre ato ou fala que, por infortúnio ou por momento infeliz, a pessoa tenha cometido. E, assim, uma maravilhosa história construída com honradez e com responsabilidade profissional é totalmente ignorada, é apagada. Aniquila-se a história, aniquila-se a honra.
Então, essas questões cruciais da natureza humana têm me lançado ao desafio para compreender, nas perspectivas teológica e filosófica, qual o sentido da simplicidade e da humildade neste modelo de sociedade líquida que se mostra cada vez mais materialista.
E minhas reflexões apontam para dois caminhos: os conflitos humanos que são decorrentes da dicotomia entre o materialismo exacerbado e o valor sublime da espiritualidade.
Pessoa que é extremamente materialista não acredita na existência Divina de Jesus e duvida até da existência de Jesus enquanto homem histórico. Seus valores são rigorosamente fundados nas palpáveis coisas terrenas. Para esse tipo de pessoa, a vida acaba – é assim mesmo redundante – quando a vida acaba.
Na perspectiva materialista, – que é uma perspectiva filosófica da vida, talvez por isso e possivelmente naquela razão soberba — o maior objetivo da vida é a acumulação de dinheiro, de poder e da fama. Esse é um campo minado pela inveja, traição, soberba, egoísmo, vaidade, arrogância e desejo insano de destruir o semelhante, vícios que modificam as virtudes da simplicidade e da humildade.
Esta pensata teológico-filosófica quer destacar três valores teológicos outorgados por Jesus para todas as pessoas de boa vontade – pessoas de boa vontade são aquelas abertas à caridade e à fraternidade – e que os considero substanciais à vida espiritual e filosoficamente centrada nas virtudes da simplicidade e da humildade.
São os valores da autoconversão e da caridade, do exercício do perdão permanente e da reciprocidade do perdão.
Nas palavras de Jesus, reproduzidas com fidelidade pelo apóstolo Mateus porque, como discípulo, esteve com o Messias – portanto, viu, vivenciou e testemunhou essas verdades – um especial valor teológico para a vida espiritual é a autoconversão e a caridade.
Veja-se:
— “E Jesus disse: “Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês. Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: Deixe-me tirar o cisco do seu olho', quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão” ( Mateus, 7:/1-5)
A mensagem de Jesus é bem clara: se somos passíveis de erros e os cometemos, não devemos julgar, pois, primeiro devemos ter a autoconversão, isto é, adverte que toda pessoa precisa fazer a sua autorreflexão (e reconhecer suas falhas e erros) e não simplesmente apedrejar, acusar e condenar o semelhante. A autoconversão (reconhecer os próprios erros) é o caminho sincero para saber perdoar.
Por isso, Jesus adverte: "Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados “E, por isso, também Jesus dá a chave para a simplicidade e para a humildade: é necessário primeiro remover a “viga” atravessada no próprio olho.
Essas são, portanto, as virtudes da autoconversão e da caridade.
Noutro momento de suas pregações, conforme a vivência presencial de Mateus 18:21-22, Jesus outorgou à humanidade a virtude do perdão.
— “Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?". Jesus respondeu: "Eu digo a você: Não até sete, mas até setenta vezes sete.”
O que foi dito há mais de dois milênios por Jesus, continua vigorosamente válido para os dias atuais. E mais do que nunca diante dos desumanos, vorazes apedrejamentos e condenações de pessoas na internet e nas redes sociais.
Perdoar setenta vezes sete – uma expressão hebraica de antes e dos tempos de Jesus – representava (e ainda representa porque a mensagem de Jesus é perpétua) que o perdão é um desafio humano permanente e inacabável.
É uma forma de cada pessoa entender as próprias falhas, vícios e defeitos e, assim, sendo com humildade, cultivar a caridade do perdão, o que representa maior e sincero respeito humano ao próximo.
Saber perdoar com caridade de alma é um ato honroso que eleva os valores da simplicidade e da humildade nas relações humanas, as quais, desse modo, ficam mais fraternas.
Além disso, Jesus – ao mesmo tempo em que indica os caminhos da auto-conversa, da caridade e do perdão permanente – também faz uma outra advertência: a de que somente seremos perdoados na mesma medida em que perdoamos o outro.
Observe-se o que disse Jesus aos seus discípulos, na oração do Pai-Nosso: – “Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos (...) Vós deveis rezar assim: (...) Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. “ (Mateus 6:12).
Esse trecho do Pai-Nosso é, sem dúvida, o que mais comprometedor para quem faz essa oração com sinceridade (e não mecanicamente), pois expressamente – e não mecanicamente – estamos admitindo que nosso perdão será na mesma medida do perdão que daremos àqueles que nos ofendem.
Eis, portanto, mais uma chave para a vida toda: a reciprocidade do perdão, ato virtuoso que somente será possível alcançar se trabalharmos a humildade e a simplicidade como virtudes teológicas e como filosofia de vida.
Em conclusão: a auto-conversão e a caridade, o perdão permanente e a reciprocidade de perdão, como valores essenciais à vida na simplicidade e na humildade, são antagônicos em relação às atitudes vorazes — alimentadas pelos vícios do ódio, da inveja, da traição, da soberba, do egoísmo, da vaidade e da arrogância – que levam ao apedrejamento de pessoas nas redes sociais e na internet neste modelo de sociedade que parece autofágica.
Sem os valores da auto-conversão, da fraternidade, da caridade, do perdão e do amor (valores que pavimentam a simplicidade e humildade) – essa é uma verdade que penso ser sustentável – ninguém poderá jactar-se de defensor da dignidade humana.
É preciso sublimar a alma na simplicidade e na humildade para aprender a arte de perdoar.
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