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Promessa de rei, seja qual for a motivação, justifica uma cabeça numa bandeja?

Océlio de Morais

E Herodes Antipas, depois que se encantou pela beleza da Jovem Salomé, disse-lhe, sem cerimônias, para que todos os convidados da sua festa de aniversário ouvissem: "Peça-me qualquer coisa que você quiser, e eu lhe darei". nE prometeu-lhe sob juramento: "Seja o que for que me pedir, eu lhe darei, até a metade do meu reino", conforme relatou o evangelista Marcos (6: 22-23).

Recorde-se: por sugestão da mãe, Herodíades – que tinha um caso amoroso com Antipas, apesar de ser mulher de Filipe, irmão de Herodes – a jovem Salomé disse ao rei, ainda segundo Marcos (6:25): "Desejo que me dês agora mesmo a cabeça de João Batista num prato".

João Batista já estava preso por ordem de Herodes, aguardando o julgamento. É que o rei não gostou da admoestação moral de João Batista: "Não te é permitido viver com a mulher do teu irmão" Por isso – conforme (Marcos: 5: 18-19) –Herodíades o odiava e queria matá-lo. Mas não podia fazê-lo”. 

Ao reler, na Bíblia Sagrada, esse crime bárbaro, cometido por um rei – portanto, uma autoridade que deveria ser a primeira  a respeitar as leis, a não cometer crimes e a ser justo  com o povo  –  fiquei a pensar sobre as incontáveis e quase infinitas interpretações que os milhares de bilhões e bilhões de pessoas já fizeram, até os dias atuais,  sobre este episódio bíblico, desde que o livro de Marcos foi escrito e desde que ele foi inserido no Novo Testamento. 

Um parêntesis: Não há uma data exata, mas estima-se que Marcos –  um dos discípulos de Jesus –  escreveu o evangelho que leva o seu nome entre os anos 50 e 70 d.C, mas somente com as decisões dos concílios de Hipona (393 d.C.) e os de Cartago (397 e 419 d.C.) é que foi incluído no Novo Testamento. Fecho o parêntesis.

A perspectiva reflexiva desta crônica teológica - bem diferente daquela que comumente é feita quanto à manipulação perversa de  Herodíades, a  prepotência soberba de Herodes e a ingenuidade sedutora de Salomé – está relacionada à seguinte questão de ordem moral: deve, um Rei, tão somente porque é rei, manter a palavra empenhada ou a promessa feita, como foi no caso de Herodes? E sobretudo  quando a palavra empenhada revela-se impossível de ser cumprida? Ou quando a promessa mostra-se insustentável, porque pode prejudicar direitos e a vida de terceiros?

Herodes – apesar de rejeitar as críticas de João Batista ao seu caso amoroso com a mulher de seu irmão e por isso odiá-lo – tinha um temor reverencial pelo profeta, porque acreditava que ele era o profeta Elias, ressuscitado: "João Batista ressuscitou dos mortos! Por isso estão operando nele poderes miraculosos". Outros diziam: "Ele é Elias". E ainda outros afirmavam: "Ele é um profeta, como um dos antigos profetas". (Marcos, 6: 14-16).

Por isso, ele hesitou quando Salomé lhe pediu a cabeça de João Batista como prêmio-recompensa pela dança sedutora e pelos possíveis favores amorosos que poderia ter com o enteado. 

Mas, Herodes não queria passar para a história como um rei sem palavras – e na plenitude de sua arrogância, prepotência, soberba e vaidade  –  cedeu à trama  diabólica de Herodíades. E, assim,  a cabeça do profeta  (0 primo direto de Jesus Cristo) foi entregue na bandeja  para Salomé. 

A palavra ou a promessa dadas podem revelar muito do caráter da pessoa. Mesmo hesitando, Herodes preferiu ser fiel à sua promessa, fato que, aparentemente, pode até parecer coerência. 

No entanto, a se considerar que a promessa decorreu da validade, da lascívia e da prepotência – "Peça-me qualquer coisa que você quiser, e eu lhe darei" (...)  "Seja o que for que me pedir, eu lhe darei, até a metade do meu reino" –  para obter favores amorosos  da jovem Salomé, pode-se considerar que nem sempre a palavra ou a promessa devem ser mantidas, se a implementação da promessa trouxe prejuízos a terceiros prejuízos de qualquer ordem, inclusive a morte. 

Isso quer dizer que a  promessa do Rei também pode ser desfeita, mas tal não representa que o monarca seja homem sem palavra ou que seja fraco e medroso. Pelo contrário, se Herodes tivesse quebrado a promessa, apenas poderia  perder um prazer amoroso, mas ganharia a fama de rei justo e bondoso. 

Ao mandar decapitar João Batista, para cumprir a promessa e  se mostrar forte,  Herodes entrou para a história como  rei frívolo  e prepotente – Rei que, com todo o seu poder intocável, poderia  tirar a vida de qualquer um, com um simples aceno de mão.

 Esse episódio bíblico  mostra que a prudência e sabedoria – não apenas ao Rei, mas qualquer autoridade e para qualquer pessoa nos dias atuais–  devem ser as conselheiras das reflexões e das decisões, antes de qualquer promessa a ser feita.

E ainda que a promessa seja feita, se a sua implementação projetar prejuízos a terceiros, não consistirá ato de covardia, mas  revelará gesto de nobreza e de justiça revê-la. 

O Rei não deve – ao contrário do que um dia disse Maquiavel –  ser mais temido do que amado, pois o monarca (ou autoridade) tirânica fica preso à sua própria arrogância, à própria prepotência e à própria tirania, enquanto que o monarca sábio e prudente será lembrado como justo, e terá como triunfo o respeito e o amor  do povo.

 

ATENÇÃO: Em observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor