Este é o caminho: libertar-se das algemas e armaduras ideológicas dos extremos
Atribuiu-se a Friedrich Nietzsche (1884-1900) – mas não há confirmação em suas dezenas de obras (livros, teses, ensaios e artigos) – a seguinte frase: “se você não mata uma borboleta, você é um herói; se você mata uma barata, você é um homem mau”.
Nietzsche escreveu muito sobre a moralidade estética, tendo elaborado conceitos – e isso é uma questão recorrente em seu pensamento filosófico – sobre a “moral de escravos” (exaltação da submissão); sobre a natureza moral “além-do-homem/super-homem” (cria seus próprios valores), e também acerca “moral de rebanho” (dominação sobre outros), dentre outros.
Na frase – se você não mata uma borboleta, você é um herói; se mata uma barata, você é um homem mau – a ideia seria a de que a moralidade é uma espécie de protótipo estético, representativo do grande teatro humano, à medida que a pessoa julga, não rigorosamente a partir do valor real das coisas, mas, em geral, pelo brilho ou aparência das coisas.
Adota-se como ponto de partida a reflexão nietzschiano (“o mito da estética”) para esta pensata que dedico-me a compartilhar sobre o valor da vida.
Todavia, não sob o exclusivo valor moral estético – acerca do qual Nietzsche já o fez com propriedade e com relevância filosófica – mas na perspectiva daquilo que denomino de moralidade ideológica, a qual está sendo subliminarmente muito difundida no momento, porque seu objetivo finalístico é a sua imposição como padrão de pensamento único.
O que pode-se entender por ideologia, no mar de ideias representativas dos segmentos sociais, seria um conjunto de valores moldados e influenciados pelos respectivos valores e princípios materialistas ou espiritualistas, decorrentes da ideologia política, econômica ou religiosa. Nessa perspectiva – e com base em lembrar Friedrich Engels – a ideologia poderá ser, dependendo da sua finalidade, uma "falsa consciência", que mascara e manipula a realidade social e econômica.
Para o objetivo desta pensata, vamos delimitar a moral como um valor, na perspectiva de Tomás de Aquino, na Suma Teológica, ou seja, moral como doutrina que investiga e estuda os atos humanos voluntários, visando o bem último do homem: a felicidade plena, ou, por outro modo de dizer, a beatitude em Deus.
A moralidade ideológica que se apresenta como instrumento de manipulação da realidade – ressalto que é dela que advém a "falsa consciência" – tem por finalidades primeira, principal e última legitimar o poder dominante, não dando espaço para questionamentos contrários ou restringindo as ideias opostas ao projeto de dominação do poder.
Então, parafraseando a moralidade estética – a partir da leveza e beleza da borboleta, de um lado, e, de outro, da feiura e asquerosidade da barata, aos dias atuais – pode-se criar a seguinte paráfrase: se a pessoa defende a preservação de ovos de tartarugas ou de qualquer outra espécie silvestre, é um herói ambientalista. Se a pessoa defende a vida humana a partir da concepção, é um denominado moralista anacrônico, arcaico e anti-escolha .
Aqui tem-se precisamente a narrativa da moralidade ideológica, a partir de um comando impositivo que deduz o seguinte: os ovos da tartaruga ou das espécies silvestres estão numa relação de escala de valor maior do que a vida humana uterina.
Normaliza-se a ideia de que o feto humano é um ser vivo, mas, curioso e incompreensivelmente, não é uma vida e, por isso, a moralidade ideologia extrema defende que o feto humano pode ser descartado, enquanto que os ovos silvestres precisam ser salvos, porque dos ovos nasceram animais.
Por esse padrão ideológico, se fossem colocados numa balança – de um lado, o feto humano e, de outro, os ovos silvestres – a balança ideológica iria pender tendencialmente aos ovos, como maior peso valorativo do que o feto humano.
Ora, a moralidade ideológica impositora apresenta essas contradições endógenas maculadas por sua própria concepção desvalorizante da vida humana uterina, porque os critérios subjetivos ignoram os princípios humanos, que não são meras palavras vazias; mas. são objetivos universais relativos à preservação da espécie humana e ao desenvolvimento da própria humanidade, um direito humano universal reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, lá no Art. 22.
Logo, se na metáfora da linda e graciosa borboleta (que coroa como herói aquele que não a extermina, o herói recebe uma espécie de santificação) e da feia e asquerosa barata (que condena o homem anti-herói), agora, na moralidade ideológica pós-moderna, se se defende os ovos silvestres e dos animais marinhos, a pessoa é heroína ambientalista; porém, se defende a vida do feto humano contra o aborto ilegal, é um anti-herói.
Aquele recebe a sacralização da verdade, por isso vira uma espécie de herói contra os costumes e tradicionais do passado, enquanto que o anti-herói – por defender o feto humano – é “cancelado” pelo segmento ideológico defensor dos ovos silvestres e marinhos, embora, de outro lado, possa ser reverenciado peo segmento “pró-vida” humana desde a concepção.
A característica central na pós-modernidade da moralidade ideológica é a polarização dos segmentos sociais. É a isso que denomino de conflitos ideológicos dos extremos (ou polarização dos extremos), que é uma das características marcantes da sociedade líquida – a sociedade do individualismo acentuado, da fragilidade dos laços sociais, das identidades flexíveis, e prevalência e excessivos do consumo – de que trata a teoría sociológica de Zygmunt Bauman.
Contudo, penso que na moralidade ideológica pós-moderna, apesar dos extremos, enquanto há vida, sempre teremos a oportunidade para tomarmos a consciência sincera sobre o princípio universal – o princípio que ontologicamente designa que todos os seres humanos somos naturalmente iguais, por isso mesmo devemos levar bem a sério a verdade que precisa superar as barreiras ideológicas: o verdadeiro respeito à dignidade humana e aos direitos humanos deve ser a chave-mestra abrir as algemas ideológicas do pensamento.
Afinal, toda espécie de vida é importante em nosso Planeta. E precisam viver em equilíbrio sustentável. Não obstante, a proteção da vida humana deve ser a prioridade para que sempre possa estar em primeiro lugar. O princípio-ético maior é a proteção da vida humana.
Portanto, este é o caminho: libertar-se das algemas e armaduras ideológicas, que perigosamente impõem às pessoas a condição de escravas dos extremos, destruindo sua essência mais bela: a espiritualidade como propagada pelo maior filósofo e profeta de todos os tempos, Jesus: amar ao próximo como si mesmo, a base fundamental do princípio universal instituidor da dignidade humana, da não-violência, da não-discriminação e da igualdade.
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