A deidade, a liberdade religiosa e o Estado secular
Na pensata ““Lugar de fala”, ideologismo, liberdade de expressão e dignidade humana”, publicada nesta coluna, afirmei que a declaração “...promulgamos {a Constituição}] sob a proteção de Deus” – incorporada no Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – é relativa à “deidade coeterna”. Entenda-se na hermenêutica sistêmica da Constituição que a declaração preambular é – sob a dimensão jusfilosófica e normativa – o fundamento ( base), o objetivo (propósito( e os valores que sustentam a Constituição.
A declaração “(...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” é a devocional expressão da fé ao Criador, donde exsurge , teologicamente, a “deidade coeterna – questão que Agostinho de Hipona explica na obra “A Trindde” como sendo, a deidade, “(...) A unidade incorpórea da Trindade, incomunicável, consubstancial a si mesma e coeterna”.
Na Constituição Federativa de 1988 – promulgada regiamente “sob a proteção de Deus” , reitere-se – os fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileirto estão nos incisos I a V do Art. 1º, dentre eles, a dignidade da pessoa humana.
E como promessa para “instituir um Estado Democrático”, como “valores supremos”, foram definidos “os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (...)”.
Por essa finaldiade, em específico, à ordem econômica adotou-se o “ objetivo do bem-estar e a justiça sociais” (Art. 193). E, como base da ordem econômica, elegeu-se “a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa” para “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
Nessa perspectiva, os fundamentos (bases), os objetivos (propósitos) e os valores que sustentam a Constituição brasileira vigente – todos seletivamente escolhidos e promulgados “sob a proteção de Deus” – querem dizer o seguinte: a deidade coeterna é a tradução da Trindade Onipotente, conforme a teologia de Agostinho de Hipona (In A Trindade).
Na prática, ao povo brasileiro, a promulgação da Constituição “sob a proteção de Deus” (declaração de fé na “deidade coeterna”) é a declaração constitucional na crença na Trindade Onipotente, o que, teologicamente, representa a crença no “o Pai, o Filho e o Espírito Santo, de uma e mesma essência, Deus Criador”.
Por isso, da “deidade coeterna” teológica-constitucional – assim pode ser dito por força normativa da declaração da legal e legítima da Assembléia Nacional Constituinte) – advém as garantias relativas à inviolabilidade dos direitos por motivo de crença religiosa, advém garantias contra a liberdade de consciência e , ainda, as garantias para o livre exercício dos cultos religiosos – todas reconhecidas como direitos fundamentais.
Os direitos e garantias relativos à crença e à religião, em última análise, são inerentes à dignidade humana, porque dizem respeito à liberdade de consciência e de crença. Logo, tais direitos e garantias fundamentais se opõem ao Estado como regra de contenção e de proibição contra possíveis ou eventuais atos de violação institucional . É isso que Luigi Ferrajoli destaca, na obra “Los Fundamentos de los derechos fundamentales” (Ed. Trotta, 2007), como a força vinculante dos direitos fundamentais consagrados nas Constituições democráticas, base da sua teoria “teoria do garantismo dos defeitos fundamentais” .
Por outras palavras: nem o Estado, nem qualquer setor privado da sociedade pode restringir ou eliminar a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e tampouco a liberdade de crença, sob pena de agressão direta à dignidade humana e de violação à Constituição.
Por conseguinte, a declaração de fé que o Constituinte fez n na “deidade” (“sob a proteção de Deus”, no caso brasileito, em face do Estado secular – laico por não possuir uma religião oficial – impõe o dever de garantir a liberdade religiosa a todos os brasileiros, sem quaisquer formas de discriminação. Mas, ao mesmo tempo, o garantismo constitucional à liberdade religiosa também representa a liberdade de não-crença , à medida que a liberdade de consciência (onde repousa o livre arbítrio) precede à liberdade religiosa.
De raiz teológica, a liberdade religiosa é, desse modo, um direito humano fundamental inalienável – direito universal que também está albergado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo 18, da Organização das Nações Unidas: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.”
Desse modo, conclui-se a pensata com a clareza de que o constituinte originário optou pela “deidade coeterna” teológica-constitucional (“sob a proteção de Deus”) por uma razão fundamental: a liberdade de crença religiosa – como um direito inerente à dignidade e indispensável ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana – é um direito humano universal.
E por quê? Porque assim é reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humano, no Artigo 18: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião”, o que inclui “a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.”
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