O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

A voz do povo é a voz de Deus?

Océlio de Morais

Tenho por costume, quando utilizo os serviços de motorista de aplicativo, “puxar” uma conversa sobre futebol ou política.  Motoristas gostam desses assuntos e geralmente têm umas “tiradas” geniais sobre esses temas.  Gosto de saber o que eles pensam, especialmente sobre coisas da política, como veem o Brasil  e qual o sonho que têm ao país.

Passei minhas férias de final de ano em São Paulo, a cidade dos bandeirantes,  do grito da independência às margens do Ipiranga em 7 de setembro de 1822, o maior centro financeiro e corporativo do país e da América Latina, a maior cidade  populacional e econômica dentre todas as cidades das nações que falam a língua portuguesa. 

Conheci  alguns motoristas de aplicativos nas visitas ao templo budista na cidade de Cotia (SP); ao Memorial da América Latina; e no trajeto  São Paulo até  o aeroporto de Guarulhos, no meu retorno à cidade de Belém do Pará. 

Ah, também conheci um barbeiro, no dia 30 de dezembro de 2021, quando fui cortar o cabelo para melhorar o “look” para receber a virada do ano 2021/2022.

Dos motoristas de aplicativos, duas eram mulheres. Uma delas, já foi  proprietária de  uma microempresa individual. Um pequeno restaurante. A outra, tinha sido professora. Outro rapaz, um ex-empregado.

O que os quatro - eles não se conheciam - têm em comum  pelo o que percebi em nossas conversas: uma ojeriza à corrupção. Curiosamente, com suas histórias de vida difíceis, disseram que o país foi lançado num "lamaçal de corrupção"  tão profundo que vai ser muito difícil e demorado alguém ou algum político honesto limpar toda a lama.

Eles não demonstraram revolta ou resignação com o que fazem atualmente para sobreviver. Mas  demonstraram muita decepção com a parcela da população que, como disseram, se deixa enganar pelas promessas eleitoreiras.

"Tem gente  que pensa com o bolso, quer apenas ter dinheiro no bolso", disse o motorista que me levou ao memorial da América Latina, ao mesmo tempo em que bateu no bolso da calça jeans. 

E acrescentou: “Tem gente que não não está muito preocupado e nem quer saber de  onde o dinheiro vem, por isso, não se preocupa se o político, se o empresário, se o juiz  é ou não honesto, corrupto ou não,  é por isso que o Brasil não muda." .

A motorista, que teve o pequeno restaurante e tem mais ou menos 55 anos, disse que perdeu seu negócio por causa dos  lockdowns  na  Cidade  São Paulo, durante a primeira onda da pandemia da Covid-19 e devido às decisões judiciais trabalhistas,  as quais, segundo se queixou, lhe obrigaram a pagar salseiros mesmo sem que seu restaurante tenha funcionado naquele período. 

"Já fui ‘propri-otária’ de um restaurante”, ironizou, fazendo a justaposição das palavras proprietária + otária.   `“Esse carro [bateu ao volante] não é meu, é alugado. Não tenho  mais nada, o juiz  me tirou tudo", desabafou,  acrescentando que “no país não existe liberdade econômica.”

“A situação está difícil , a corrupção do poder  é a culpada de tudo, mas até parece que certas pessoas têm preguiça mental e não querem perceber essa realidade”, disse ainda  microempresária, agora motorista, jorrando sua decepção  ao que denominou de “maus políticos” e à referida preguiça mental: “os maus políticos se aproveitam disso para enganar o povo e tem gente que tem preguiça mental e não quer ver isso''.

O terceiro motorista era o da viagem ao mosteiro budista. Lá vi como é feito o ritual do incenso e como manda a tradição para se locomover dentro do tempo;  conheci o pequeno museu e a pequena livraria, onde comprei  alguns livros, um sobre o budismo humanista:  "Conceitos  fundamentais do budismo Humanista”.

O motorista  tinha 40 anos.  Chegou do Nordeste para ganhar a  vida em São Paulo. Por um tempo foi trabalhar como garçom e perdeu o emprego durante os lockdowns na pauliceia, a cidade que não pára e não dorme, como até então conhecida.  O carro que  dirige é financiado. 

Perguntei a ele sobre as próximas eleições, ao que respondeu: “meu senhor, tenho um sonho,  quero deixar para meus filhos: quero um país sem corrupção, onde todos tenham oportunidades de trabalho, de emprego, de educação e de saúde. Já estou cansado da corrupção que já fez de tudo e só falta vender o Brasil”.

Lá noutro canto da cidade, no dia 30 de dezembro,  estava o jovem  barbeiro com seus mais ou menos 30 anos de idade. Seus dois braços são totalmente tatuados. Tatuagens com símbolos esotéricos.  

Suas mãos ágeis com as tesouras levaram minha memória ao “Edward” (Johnny Depp, no filme) “mãos de tesoura”. Comparei sua agilidade à lucidez de raciocínio. Elegeu a corrupção política como o grande mal do país e a “ignorância de certas pessoas que  acham que tudo tudo é normal.”

 "Ser pobre não é vergonha, não é defeito”, disse o jovem barqueiro, para quem uma parte do povo gosta de ser enganado: “defeito é ser pobre que se deixa enganar por aqueles políticos vergonhosos, olha, isso é  muita burrice”. 

A motorista, que já foi professora do ensino infantil, disse que perdeu o emprego porque a pequena escola encerrou as atividades  como consequência dos lockdowns em São Paulo no período da pandemia

“Política? Ah, isso é muito complicado! Tem muita coisa debaixo do pano e ali que mora o perigo, a corrupção”, disse ela.

A voz do povo é a voz de Deus? Responda O leitor. 

Não adotam-se esses casos com aquela ideia de que “a voz do povo é a voz de Deus” porque, como disse o abade inglês Alcuíno de York, na famosa carta dirigida ao imperador romando, Carlos Magno:  não dê ouvidos aos dizem que “vox populi, vox dei”, porque a voz do povo enfurecido mais parece “com a voz da loucura do que com a sabedoria divina”. 

 Não adotam-se esses casos  como “a voz do povo é a voz de Deus” também porque, à moda do povo manipulado pelos doutores (da Lei) que preferiu a libertação de Barradas à  de Jesus, também nos tempos atuais o povo pode ser manipulado, iludido e enganado.  

Não que as vozes que dão voz à  crônica tenham enunciado a “voz da loucura”,  tampouco que  suas vozes estejam manipuladas;  mas essas vozes podem  ser refletidas naquele sentido do aconselhamento de Maquiavel aos príncipes, na obra “O Príncipe”: a voz do povo pode ser mais constante e mais sábia do que a voz dos príncipes.

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