O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

A irreversibilidade da injustiça

Océlio de Morais

Uma das minhas inquietudes  – permanente inquietude – é a injustiça em todas as esferas da condição humana. Então esse problema está localizado na concepção do pensamento (aquela área subjetiva que ninguém penetra), quando  a tomada de decisão é premeditada com o objetivo de prejudicar alguém ou, ainda, quando a injustiça decorrer do ato involuntário, mas ainda assim é atinente à ação humana.

A injustiça está  entre os piores resultados de uma ação humana.  Ela causa uma dor incurável na alma, no coração da alma. O tempo até pode cicatrizar as feridas abertas e atenuar o sentimento da revolta, mas lá na  gaveta da memória histórica ela é a flecha venenosa que sangra a dignidade do injustiçado. Na mente e no coração do injustiçado, a ofensa, a injúria e a difamação nunca se apagam.

Dedico-me a este breve ensaio filosófico para refletir sobre o problema da irreversibilidade da injustiça e da imprevisibilidade de suas consequências.  Resolvi escrever sobre o tema ao ouvir na televisão, recentemente,  uma palestra espírita, ocasião em que foi referenciada a obra “A Condição Humana”, da filósofa política Hannah Arendt,  notadamente sobre as consequências da ação humana à espiritualidade. 

Adoto a seguinte tese ao ensaio: a inquietude com a injustiça é uma questão ética, mas também espiritual. 

Já em 1958, quando foi publicada a primeira edição da referida obra, Hannah Arendt tratou do problema da irreversibilidade e da imprevisibilidade como uma potencialidade da própria ação humana.

Arendt explica que “a condição humana não é o mesmo que a natureza humana, e a soma total das atividades e capacidades humanas que correspondem à condição humana,  não constitui algo que se assemelhe à natureza humana.” 

A natureza humana é marcada pela capacidade do pensamento que define os sentimentos  (razão e emoção) –   pensamento que impulsiona as ações.   A linguagem verbal ou não verbal é uma  espécie de libertação do pensamento, expressão do raciocínio que se vai deduzir pelo gesto ou pela fala  o caráter ético da pessoa. 

O problema da injustiça é visto, por conseguinte,  é  deduzido pelas questões da irreversibilidade e da  imprevisibilidade da faculdade de pensar e de agir –  pensamentos e ações que podem destacar a relevância do discurso ético-moral, do discurso político cidadão, do discurso ideológico manipulatório, do discurso religioso,  os quais traduzem a natureza  da pessoa e servem para compreender ou comprometer a sociedade em que vive.

O pensamento que se concretiza na palavra ou no gesto traduz a índole da pessoa. É mais ou menos assim:  se o pensamento é corrompido e desvirtuado dos valores éticos, irá  produzir  ações corruptas que  geram injustiças e se projetam em prejuízo da sociedade.  Se a sociedade não reagir às tomadas de decisões e às ações corruptivas dos valores éticos,  ela compromete a sua própria essência  ética, que deve ser a  casa ou lar humano saudável ao aperfeiçoamento das virtudes e, portanto, da espiritualidade.

A irreversibilidade do pensamento e da ação que deliberadamente  cometer a  injustiça  assim pode ser compreendida:  o ato que comete injustiça não retroage pela própria natureza do tempo. 

 A irreversibilidade do ato praticado, que sempre se consuma na imediatíssima fração de tempo seguinte, é uma questão da vida e para a vida inteira. A irreversibilidade e a impossibilidade de voltar ao tempo da ação.

Já a imprevisibilidade da ação, motivada pelo pensamento injurioso, difamatório, calunioso em face de alguém, está relacionada à dimensão dos efeitos ou consequências nem sempre controláveis na esfera subjetiva da pessoa ofendida e na impactação reflexa,  e também danosa, que se expande à família da pessoa injustiçada.   

Colocadas nestes termos – a  irreversibilidade e a imprevisibilidade  –  seriam absolutamente irreversíveis quanto às consequências do pensamento e da ação?  Podemos oferecer as seguintes possibilidades ao problema, que é, verdadeiramente, relevante ao aperfeiçoamento da condição humana. 

Sob a perspectiva do respeito à dignidade humana, a  irreversibilidade e imprevisibilidade do pensamento e da ação, se apresentam, por  si, como do ponto de reflexão e inflexão para evitar a injustiça deliberada. 

Sob a perspectiva espiritual,  a  irreversibilidade e imprevisibilidade da ação ficam perpetuadas na alma como nódoas ou manchas, que precisarão ser perdoadas.  Mas o  perdão, por ser relativo ao caráter,  envolve dupla condição humana: a comiseração, aquela compaixão pelo injustiçado, o que revela a capacidade do auto-perdão; e a decisão do injustiçado em querer perdoar.   

A palestrante no evento espírita explicou que a capacidade do perdão  reside, antes, na capacidade do auto-perdão, aquela condição que a pessoa que comete injustiça faz a inflexão  no sentido  da  promessa (ética e espiritual) de não repetir o deliberado pensamento que leva à injustiça. Essa inflexão positiva pode contribuir na obtenção do perdão pelo injustiçado. 

Aliás, o perdão é abordado na obra “A Condição Humana" como “a  única solução possível para o problema da irreversibilidade:  a faculdade de perdoar”, enquanto que “a solução para o problema da imprevisibilidade, da caótica incerteza do futuro, está contida na faculdade de prometer e cumprir promessas.” 

Se a ação (concepção do pensamento) expressa uma conduta ética, a consequência seguramente será positiva ao aperfeiçoamento das virtudes, cujo reflexo da ação será respeitoso à dignidade humana.

Penso que a tese deste ensaio restou comprovada: A inquietude com a injustiça é uma questão ética, mas também espiritual. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M,  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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