Verdade natalina
Foi o próprio presidente da República quem decretou que o próximo ano será o “ano da Verdade”, como se pretendesse se redimir das tantas bravatas cometidas ao longo do mandato prestes a terminar. Promessas assim se tornaram lugar comum nos fins-de-ano, povoando os sonhos infantis, acalentados pelo “Papai Noel”, mas sujeitos às dificuldades que frustram expectativas e são renovadas a cada Natal e destinadas a um imenso vazio no “saco” do ingênuo velhinho, permitindo republicar texto sempre válido ano após anos em todos os natais.
Verdade e mentira sempre foram associados à política, razão para que políticos tenham um discurso para ganhar eleição e, outro, para governar. Às vésperas de pleitos eleitorais, como agora, a história se repete, em promessas na contramão da realidade. Quem conhece a verdade das falsas promessas, sabe ser difícil haver recursos para coisas, como a prometida picanha com a cervejinha semanal, remediada com novas “bolsas”, saúde para todos, nem para outras falácias que já incluíram até o "prato cheio" e nunca enchido.
Há mais de dois séculos, o pensador alemão Otto von Bismarck já filosofava que "nunca se mente tanto, como antes das eleições, durante uma guerra e após uma caçada ou pescaria". Campanhas eleitorais sempre foram pródigas em inverdades, superando a média universal de uma mentira que uma pessoa diz a cada dez minutos. Um manancial de potocas inspiradas na conceituação do ministro da comunicação "hitlerista", Joseph Goiebbels, de que “uma mentira, repetida mil vezes, com aparente convicção, adquire foro de verdade”.
Observadores das manhas e artimanhas da política têm buscado explicações porque mentem e são acreditados, interpretando conceitos exprimidos por Maquiavel, no clássico "O Príncipe", a quem é atribuída a afirmação de que "os fins justificam os meios". Para os perscrutadores da mente humana, como o pai da psicanálise Sigmund Freud, políticos mentem porque o povo se sente melhor assim, razão do uso compulsivo por políticos de carreira, para os quais a mentira tanto é inerente à política como é reflexo do próprio eleitorado.
Em 2013, o poeta Affonso Romano de Sant`Anna publicou "A implosão da mentira", fragmentos como forma de protesto contra algo que considerava ser mentira inventada, iniciando por dizer "Mentiram-me. Mentiram-me ontem / e hoje mentem novamente. / Mentem de corpo e alma, completamente. / E mentem de maneira tão pungente / que acho que mentem sinceramente. / Mentem, sobretudo, impune / mente. / Não mentem tristes. Alegremente mentem. / Mentem tão nacional/mente / Mentem, sobretudo, impune/mente. (...)"
Explorando a crença do eleitorado, mesmo nos que prometeram e não cumpriram, haverá mais oportunidades de pegar na falsa verdade promessas não cumpridas. Ainda na última quinta-feira, 18, o presidente Lula reuniu a imprensa pa pretexto de uma prestação de contas da gestão mas, em verdade, falar de um país que os fatos demonstram existir somente na ficção de Stefan Zweig no seu imaginário “... país do futuro; Pessoas de bem continuam rejeitando a política, mesmo sofrendo mais quatro anos pelas (más) escolhas do voto.
Entre os sábios pensamentos legados por Platão, há um que se assenta a essa ojeriza aos políticos, ao sentenciar que “O castigo dos (que se acham) bons, que não fazem política, é serem governados pelos maus”. Embora a verdade pareça incompatível com os conceitos maquiavélicos, como necessários à conquista e permanência no poder, ainda não houve quem se arriscasse a uma verdade verdadeira, prometendo "nada prometer", embora se arriscando, até por isso, a ser acusado de estar mentindo como na decretação do “Ano da verdade”.
Linomar Bahia é jornalista e escritor, membro da Academia Paraense de Letras e da Academia Paraense de Jornalismo.
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