Suposições convenientes
A capacidade inventiva do brasileiro integra uma lista que distingue o nosso povo entre os mais criativos do mundo. Envolve tanto engendrar palavras e situações convenientes como inventos a exemplo de Santos Dumont com o legendário “14Bis” mais pesado que o ar. Passa pela capacidade de vulgarizar e zombar de momentos e personagens do cotidiano por mais sérios que sejam. Também cria nomes e denominações dos neologismos de que boa referência é o “Dicionário Papachibé” publicado pelo saudoso “comendador” Raymundo Mário Sobral.
Poucos sabem que “Forró”, palavra que denomina o famoso ritmo nordestino, é um exemplo da chamada “corruptela” palavra resultante de deformação da língua, no caso, da expressão “for all”, com qe os ingleses denominavam as festas de fim de semana com tudo de graça para estreitar as relações com o povo, evitando reações populares à construção de ferrovias da região. Outras tantas povoam o linguajar caboclo e caipira, algumas parecendo dialetos, além das adoções tupiniquins do estrangeirismo como “Ceo” em lugar de “presidente”.
Em tratamento intelectual, pensadores universais de todos os tempos produziram pensamentos de várias tonalidades e objetivos nas tentativas de explicarem a existência e o uso da palavra como forma de exprimir ou, principalmente, esconder o pensamento, Para Molière, frequentemente repicado sempre que oportuno a exibicionismos culturais, “A palavra foi dada ao homem para explicar os seus pensamentos, e assim como os pensamentos são os retratos das coisas, da mesma forma as nossas palavras são retratos dos nossos pensamentos”.
Embora haja quem ponha dúvidas sobre a primazia filosófica da reflexão, vale lembrar alguns dos cultores das obras de Molière. Charles Talleyrand-Périgord, considerava que “A palavra foi dada ao homem para disfarçar o próprio pensamento”. Maquiavel, a quem são atribuídos toda sorte de pensamentos sobre o bem e o mal, teria dito que “nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação da natureza, que produz o efeito no modo mais breve em que pode ser produzido, dando razão a quem discernir o bem do mal.
Nos tempos recentes, as precauções recomendáveis diante das espadas de Dâmocles que parecem sempre pendentes em nome das leis, mais pelas interpretações do que pelo sentido literal, têm exercitado a criatividade linguística, recorrendo ao condicional como proteção jurídica. Em lugar do antigo pedido de desculpas como forma de corrigir situações e evitar brigas, passou a figurar como espécie de “habeas-corpus preventivo” o verbo “supor” em suas variações e correspondentes em que “acusado” passou a ser “suspeito” em nome da “presunção da inocência”.
Poderia ser considerada uma criação moderna do uso da palavra como forma de esconder o pensamento nas evidências de que “supostos” e “suspeitos” são claramente protagonistas das ações e situações. Todavia, nem sempre tais recursos linguísticos podem servir de atenuantes, disputando a prevalência em episódios em que a versão parece mais verossímil do que o fato, contemplando a hipocrisia estampada nos rostos de personagens, no evidente exemplo de que “o corpo fala” como concluíram os psicólogos Pierre Weil e Roland Tompakov em famoso livro.
Linomar Bahia é jornalista e escritor, membro da Academia Paraense de Letras e da Academia Paraense de Jornalismo
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