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Obviedade ululante

Linomar Bahia

A frase “O Brasil não é um país para amadores” é cada vez mais pertinente, diante dos fatos que se repetem e se multiplicam, particularmente quando põem em conflito questões morais e éticas que dividem o joio e o trigo. Nem bem parece superada uma temporada de falcatruas, surgem novas ocorrências, como o escândalo da roubalheira
no INSS de agora e a continuada desidratação da “lei a ficha limpa”. Com isso, continuam sendo sepultados os assaltos aos cofres públicos, capitaneados pelo “petrolão” e desdobramentos, com a soltura e volta dos protagonistas às cenas dos crimes e consequente recondução a cargos públicos.

Avolumam decisões em causa própria em que até antagonistas se unem, acumulam processos contra parlamentares acusados de diversos tipos de transgressões enquanto
são tentadas formas de fugir à lei. A recente tentativa, moldada na óbvia auto-proteção, foi a “PEC da Blindagem”, por isso logo apelidada de “PEC da bandidagem”, felizmente rejeitada pelo bom senso, suscitou questionamentos sobre as “imunidades parlamentares”, um dos institutos mais emblemáticos da ordem constitucional, estabelecendo que “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Ao tempo em que foi deputado federal constituinte, entre os anos de 1986 a 1991, Lula praticamente inaugurou o comportamento padrão do PT de rejeitar tudo quanto é proposto pelos adversários, exercendo o lema revolucionário que prega “se há governo, sou contra”. Foi assim que se insurgiu contra os avanços da Constituinte, sempre contrariando os demais como ao se posicionar radicalmente contra o “Plano Real”. Mas inaugurou também o denuncismo contra os próprios colegas de atividades constituintes, mais ou mens escondidos nas “imunidades”, como na denúncia de que haviam “mais de 300 “picaretas” no Congresso nacional”.

Segundo o site “Congresso em foco”, até o ano passado 111 deputados federais e 20 senadores respondiam a processos, expostos nos sistemas de consulta pública do Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outros tribunais. Entre velhos conhecidos e os novos a seguirem a mesma trilha aberta aos fugitivos das leis, avulta a clareza da busca do salvo conduto do mandato, numa obviedade que levou Clarice Lispector a considerar “o óbvio a realidade mais difícil de enxergar” e Nelson Rodrigues chamou de “ululante”, porque tão autoexplicativo que chega a “gritar ou uivar”.

Mas ainda existem parlamentares que contribuem para que o Congresso Nacional desfrute de algum respeito, combatendo a descrença nas instituições e a desilusão com o país. Todavia se faz necessário o empenho para que não prevalecer o pensamento com que Rui Barbosa, em discurso no Senado em 1914, exprimiu a indignação com a corrupção e a desonestidade na sociedade, dizendo: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.

Linomar Bahia é jornalista e escritor, membro da Academia Paraense de Letras e da Academia Paraense de Jornalismo.