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JAMILLE SARATY

É advogada, mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra, pós-graduada em proteção de menores pelo Centro de Família da Universidade de Coimbra, membro da diretoria do IBDFAM-PA, professora de graduação e pós-graduação em Direito. | jsaratyadv@gmail.com

O filho-mobília: Posso mudar de estado com meu filho sem autorização do outro genitor?

Jamille Saraty

A disputa de guarda de uma criança é o assunto mais sofrido que se pode patrocinar dentro do Direito de Família. Tratadas como troféus, as crianças são objetificadas em uma briga que supostamente deveria defender o seu melhor interesse. Estado, pais, e sociedade, ainda não fazem ideia de como garantir o tratamento da criança como sujeito de direitos e desejos, e as tratam como coadjuvantes da própria vida.

Caso clássico é de um divórcio que culmina em rompimento não apenas de laços matrimoniais, mas também de uma vida, e com uma família inteira. Isso ocorre quando um dos genitores resolve mudar tudo, drasticamente. Muda marido/esposa. Muda estilo de vida. Muda de cidade, “adota nova família”, e conduz o “seu pacotinho” bem embrulhadinho para essa nova realidade.

Pronto, em uma decisão pouco pensada, em pouco tempo, a criança já está inserida com pessoas que nunca viu na vida, e pior, forçando um laço de amor (que deveria ser construindo ao longo do tempo) com o mais novo dono do coração do seu genitor. Já dizia Bauman, tempos líquidos, amores líquidos, pessoas ignoradas (ou ignorantes).

O genitor prejudicado peleja anos no Judiciário tentando convencer juízes que o filho será prejudicado, pouco a pouco, e por mais que nada se mostre agora, a psique da criança já registrou que o abandono é normal, que os laços familiares não são importantes e que pessoas são como mobília, muda-se rapidamente. Há anos venho falando que o prejuízo de brigas imaturas de pais causa sérios distúrbios naquele futuro adulto, mas parece que ninguém está preparado para esta conversa.

A verdade é que, em meio a uma sociedade machista que ainda enxerga homem provedor e mãe cuidadora, cada um com a função separada; em tempos que a lei de alienação parental é alvo de disputa entre gêneros (quando deveria ser sobre a proteção da criança); e em tempos em que a criança ainda é afastada de ter tutela jurisdicional própria, resta claro que o futuro será formado por adultos vazios, incapazes de amar.

A verdade é que em processo que se trata de interesse de crianças, não deve medir poder dos pais. Sobre o genitor ganhador e o perdedor, quem é o mais preferido ou menos preferido. Ou ainda sobre quem pode mais financeiramente ou não. E quem deve determinar isso são as autoridades judiciárias.

Nessa linha, a Constituição Federal é clara ao conferir a chefia familiar e a autoridade parental a ambos os pais, em igualdade de escolhas, direitos e deveres, avocando o judiciário em caso de desacordo. Por isso, é inadmissível um genitor arrancar o filho de uma cidade para a outra, afastando-o do outro genitor, sem que haja autorização expressa para tanto, e isso deve ser feito com antecedência e não maliciosamente à revelia do outro, para impor a sua vontade egoísta. Por isso, o legislador civil tratou expressamente a situação, determinando a expressa autorização de ambos os pais para a mudança definitiva de domicílio do filho, art. 1.634.

A tendência de que cuidar da criança é cuidar de um futuro saudável é tão forte e fundamentada que globalmente a Convenção de Haia já cuidou do assunto.  Países se reuniram para tratar de sequestro internacional de crianças realizados ilicitamente por pais, garantindo a cooperação entre os países signatários, na recondução da criança ao seu país de origem. Brasil é um deles.

Seu filho não é mobília, respeite os sentimentos dele.

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Jamille Saraty
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