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JAMILLE SARATY

É advogada, mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra, pós-graduada em proteção de menores pelo Centro de Família da Universidade de Coimbra, membro da diretoria do IBDFAM-PA, professora de graduação e pós-graduação em Direito. | jsaratyadv@gmail.com

Existe religião oficial no judiciário?

Jamille Saraty

Na semana passada foi noticiado que uma mãe perdeu a guarda da filha após ter sido denunciada pela escola ao Conselho Tutelar, por ter levado a criança em um culto religioso de Umbanda. A criança foi encaminhada para um abrigo público, sendo afastada de sua mãe. 

Ainda este mês, participei de uma audiência em que o magistrado afirmou que quem não falasse a verdade durante o depoimento, poderia até não experimentar a justiça dos homens, mas com certeza amargaria a justiça divina, em uma tentativa clara de desestabilizar as partes.  

Claro que esses dois acontecimentos me fizeram refletir sobre que tipo de justiça, nós, homens e mulheres procuramos e podemos fazer contra o outro. E como jurista, coloco em xeque qual o limite do Estado na esfera privada de cada pessoa.  

A Constituição Federal Brasileira para além de garantir liberdade de crença no artigo 5, VI,VII e VII, fixa a separação administrativa entre Estado e Igreja em seu o artigo 19, I vedando os Estados, Municípios e União: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Assim, o Estado laico assegura a separação entre o Estado e a Igreja, garantindo a proteção de crença e as liberdades religiosas. É importante ressaltar, que o Estado laico, diferente do ateu, não desacredita e nem desrespeita Deus, Orixás, ou Javé, por exemplo. Ele reúne, agrega e guarda todos, sem hierarquia.  

Para tanto, as regras devem apresentar neutralidade, sem fazer diferença entre as pessoas, ou amedrontá-las com qualquer tipo de punição sobrenatural. E por isso, ao contrário das leis divinas, o ordenamento jurídico terreno deve ser descrito expressamente, com limite e com respeito, evitando comparação com a inatingível justiça dos céus.  

Por isso, servidores em pleno exercício e durante o efetivo cumprimento de seus cargos devem abster-se de vínculos subjetivos com o processo, demandando imparcialmente, sem levar em consideração princípios íntimos aos juridicionados.  

Trabalho com Direito de Família há dez anos e sei que a suspenção do poder familiar é umas das últimas instâncias no que concerne ao Direito da criança, e que tal decisão deveria partir não de indícios, mas de evidências cabais de que a mãe tivesse praticado o mal para a sua filha, e não pelo simples fato de ela recorrer à religião para ajudá-la em tratamento de saúde. Da mesma forma que, como advogada militante, sei que um a oitiva das partes não de ser uma santa inquisição, pautada em ideias puritanos de pessoas que se acham acima do bem e do mal.  

Sem pretender exaurir tema tão complexo, o que tem que ser refletido é que todos, inclusive os representantes estatais, neste caso os do judiciário, podem exercer suas crenças e exercer sua fé da mesma forma que os demais. No entanto, essa fé não pode ser exercida de modo a cercear a liberdade, dignidade e integridade do que pensa, age e crê diversamente. 

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Jamille Saraty
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