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JAMILLE SARATY

É advogada, mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra, pós-graduada em proteção de menores pelo Centro de Família da Universidade de Coimbra, membro da diretoria do IBDFAM-PA, professora de graduação e pós-graduação em Direito. | jsaratyadv@gmail.com

CONDENADA POR DIZER A VERDADE? : caso Johnny Depp e Amber Heard

Jamille Saraty

Depp e Heard são atores Hollywoodianos que se casaram em 2015 e se divorciaram em meados de 2016. Na ação de divórcio, Depp foi condenado por violência doméstica contra a esposa, que por sua vez, obteve ordem de restrição ao seu favor, o que, aqui no Brasil, equivale a medida protetiva de afastamento do lar.

 Após o desfecho do processo, Amber publicou um artigo em jornal de grande circulação em que se intitulava como representante pública da violência doméstica. Na sequência, outro jornal publicou em manchete que Depp era um espancador. Por causa disto, o ator teve sua carreia comprometida e diversos contratos cancelados, e por isso processou o jornal, pedindo indenização por difamação, mas perdeu o processo, pois o juízo inglês considerou ser verdade as informações prestadas pelo meio de comunicação.

Inconformado, Deep decide processar a ex-mulher, Amber, por difamação, ela reconviu requerendo indenização pelo mesmo motivo.  

Durante o julgamento, Depp utilizou a estratégia básica do sistema patriarcal enraizado em nossa sociedade, colocou em xeque a sanidade da mulher. Mesmo tendo sido comprovado o abuso de drogas, álcool, os xingamentos e as ameaças, - como o áudio apresentado em juízo em que Deep explicita a vontade de matar Amber ao seu amigo -, o que foi discutido no júri foi a reputação de Amber.

Diria que a advogada do Ator foi esperta ao resgatar algo, que atualmente, anda encubado em nós, o machismo estrutural: a esposa deve se comporta para receber o respeito do seu marido. Clássico, porém, ultrapassado, a linha de defesa caiu como uma luva, ao concentrar o júri no esterismo de Amber para justificar as reações agressivas de Depp, que por sua vez se tornou uma grande vítima da esposa com transtornos psicológicos.

De todo modo, restou mais do que comprovado que o casal vivia um relacionamento tóxico e mutuamente agressivo. O que no mínimo garantia uma condenação recíproca aos dois, para de fato aprendem a se respeitar e não praticarem mais atos violentos contra si. Mas ok, o mérito versava sobre mentir ou não sobre Depp. Sobre isso, arrisco a dizer que o fato de Amber (re)agir às agressões de Depp não a torna culpada pelo crime de difamação, porém foi o ponto central do julgamento.

No entanto, o que deveria ser colocado em evidência era o artigo escrito de 2018. Aliás, alguém já leu, na íntegra? Em um texto que ela inicia falando que sofreu violência desde a adolescência e aborda sobre a dificuldade em denunciar atos como esses, não se pode presumir que ela teve intenção de imputar crime a alguém.

Direito é feito de fatos, não de presunções.  E o fato é que o mérito real do processo não foi discutido, e a corda estourou do lado mais fraco. 

Sem deixar de achar que ambos merecem e devem ter ajuda psicológica, o que mais me faz temer com a presente decisão é que a violência doméstica se retorne, mais uma vez, como um assunto velado, proibido de ser discutido publicamente, relegando a mulher, mais uma vez a um canto escuro de medo e terror em que ela deve ficar calada.

E voltamos para: em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher.

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Jamille Saraty
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