Desembargador supõe que juiz com filho autista não deveria prestar concurso público

Fala ocorreu durante sessão do TJMA; Defensoria Pública da União repudiou declaração do magistrado

O Liberal
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A fala de um desembargador causou revolta durante sessão realizada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), na última quarta-feira (17). Na ocasião, desembargadores analisavam o pedido de teletrabalho por parte de um juiz, que justificava que precisava cuidar do filho diagnosticado com autismo, quando o magistrado Raimundo Bogea insinuou que o pai nem deveria prestar concurso público para o cargo.

“Eu acho até que nesse concurso já se deveria avaliar se o juiz, quando faz o concurso, tem um filho com problema”, disse o desembargador.

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Após a polêmica, a Defensoria Pública da União (DPU) se pronunciou neste sábado (20) por meio de nota, afirmando que a fala de Bogea  “ignora completamente os direitos das pessoas com deficiência, amplamente garantidos pelo ordenamento pátrio e pelo direito internacional”.

“A premissa de que se parte para rechaçar a defesa de condições especiais de trabalho a magistrado com filho com deficiência, por si só, já é equivocada: a produtividade e a qualidade do trabalho não estão atreladas à sua prestação sob critérios absolutamente padronizados”, diz o órgão.

De acordo com o DPU, além da Resolução 343/2020 do Conselho Nacional de Justiça, há atos normativos de outras instituições e diversas decisões judiciais nesse mesmo sentido, garantindo condições especiais de trabalho para pessoas com deficiência e familiares – tudo à luz de princípios e direitos fundamentais sobre o tema.

“O direito ao trabalho das pessoas com deficiência e/ou que tenham dependentes com deficiência deve contar com justas condições de acesso, admissão, permanência e ascensão, o que demanda o reconhecimento de suas necessidades diferenciadas. É dever do Estado reduzir as desigualdades e combater o capacitismo (discriminação de pessoas com deficiência)”, esclarece a entidade.

Ao se defender, o desembargador em questão disse que “não compactuo e jamais” compactuará “com qualquer tipo de discurso ou prática discriminatória”.

“O trecho destacado do meu voto, infelizmente, foi tirado de contexto. Não retratando, assim, a minha compreensão sobre o tema, como, aliás, o revela o meu histórico na concretização de direitos humanos e, especialmente, do direito à saúde”, justificou Bogea.

“Em momento algum pretendi ou sugeri impedir a participação em concurso e/ou admissão de candidatos com filhos e/ou cônjuges deficientes ou com necessidades especiais, mas criar mecanismos para permitir ao tribunal efetuar lotações de futuros magistrados, nessa situação, em comarcas próximas a grandes centros urbanos. Minimizando, dessa forma, a necessidade de teletrabalho e garantindo ao usuário do serviço público jurisdicional, a presença do juiz em sua comarca, conforme estabelecido na Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, continua.

“Por fim, nada obstante o presente esclarecimento, peço desculpas aos colegas e aos colegas da magistratura, e à sociedade em geral, que, eventualmente, tenham se sentido ofendidos pela minha manifestação”, finalizou o desembargador.

Defensoria Pública da União se manifestou após a declaração

A Defensoria Pública da União (DPU) se manifesotu após a declaração do magistrado. Confira a nota na íntegra:

A Defensoria Pública da União (DPU), por meio da Defensoria Regional de Direitos Humanos no Estado do Maranhão e do Grupo de Trabalho de Atendimento às Pessoas Idosas e com Deficiência – GTPID, respaldada no artigo 134 da Constituição Federal e no artigo 1º da LC n. 80/1994 (nova redação dada pela LC n. 132/2009), vem apresentar manifestação sobre as declarações prestadas pelo desembargador Raimundo Bogea, em sessão de julgamento realizada na data de 17 de maio de 2023, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, sobre pedido de teletrabalho de magistrado local (pai de criança com deficiência).

Em seu voto, o referido desembargador, ao afirmar “(...) que nesse concurso já se devia avaliar se o juiz quando faz o concurso ele já tem um filho com problema”, ignora completamente os direitos das pessoas com deficiência, amplamente garantidos pelo ordenamento pátrio e pelo direito internacional.

A premissa de que se parte para rechaçar a defesa de condições especiais de trabalho a magistrado com filho com deficiência, por si só, já é equivocada: a produtividade e a qualidade do trabalho não estão atreladas à sua prestação sob critérios absolutamente padronizados.

Para além da Resolução 343/2020 do Conselho Nacional de Justiça, há atos normativos de outras instituições e diversas decisões judiciais nesse mesmo sentido, garantindo condições especiais de trabalho para pessoas com deficiência e familiares – tudo à luz de princípios e direitos fundamentais sobre o tema.

O direito ao trabalho das pessoas com deficiência e/ou que tenham dependentes com deficiência deve contar com justas condições de acesso, admissão, permanência e ascensão, o que demanda o reconhecimento de suas necessidades diferenciadas. É dever do Estado reduzir as desigualdades e combater o capacitismo (discriminação de pessoas com deficiência).

Por outro lado, a Convenção de Nova York (março/2007), internalizada no ordenamento jurídico brasileiro pelo decreto presidencial 6.949 (agosto/2009) - há mais de 15 (quinze) anos - ampliou o conceito de pessoa com deficiência para além do mero critério físico, passando a considerar deficiência “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. Assim, as declarações do referido desembargador, além de desrespeitosas e preconceituosas, afastam-se da própria legislação nacional aplicável à hipótese, a qual todo membro do Poder Judiciário deveria conhecer e observar.

Nos termos do art. 4º, XI, da Lei Complementar n. 80/94 (alterada pela LC n. 132/2009), é função da Defensoria Pública exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos de grupos vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado, dentre os quais figura o grupo das pessoas com deficiência. Isso posto, a Defensoria Regional de Direitos Humanos no Estado do Maranhão e o Grupo de Trabalho de Atendimento às Pessoas Idosas e com Deficiência manifestam profundo REPÚDIO às falas que incentivem a discriminação e a exclusão de pessoas com deficiência e de seus familiares no ambiente de trabalho, o que está na contramão das políticas do Estado voltadas precisamente a garantir a igualdade material em prol de grupos vulneráveis.

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