Brasil assume papel estratégico em rota ferroviária com a China, aponta especialista
Analista de política internacional avalia ganho geopolítico e alerta para desafios ambientais e projetos de longo prazo

Brasil e China assinaram, na última segunda-feira (7), um memorando de entendimento para desenvolver uma ferrovia de integração sul-americana que tem o objetivo de fortalecer o posicionamento do Brasil no comércio global. A proposta é ligar o Norte do país ao porto de Chancay, no Peru – um terminal recém-inaugurado e controlado pela estatal chinesa Cosco – para reduzir em até 10 dias o tempo de transporte de cargas à Ásia. Gustavo Freitas, analista de política internacional do Grupo Liberal, avalia que o projeto representa um avanço estratégico para os dois países, mesmo sem adesão formal do Brasil à Nova Rota da Seda, iniciativa global de infraestrutura liderada pela China.
O memorando foi firmado pelo Ministério dos Transportes, por meio da Infra S.A., com participação do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) e da Casa Civil. Do lado chinês, o parceiro é o China Railway Economic and Planning Research Institute, ligado à China State Railway Group. O objetivo inicial é realizar estudos técnicos para avaliar a viabilidade do corredor ferroviário, que deve interligar malhas brasileiras ao litoral peruano.
O projeto deve integrar trechos como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico) e a Ferrovia Norte-Sul (FNS). A ideia é escoar commodities até o Pacífico, facilitando o acesso ao mercado asiático. Estima-se que o Brasil exporte cerca de US$ 350 bilhões por ano para a China, sendo 60% desse valor composto por minério de ferro e soja. Segundo o governo, o projeto é parte de uma estratégia maior de integração logística sul-americana.
“É um ganho para os dois lados, onde ninguém fica numa saia justa”, diz Freitas. Ele ressalta que o projeto vinha sendo discutido há mais de uma década, mas o financiamento chinês é o fator que viabiliza a iniciativa. A China já é o principal parceiro comercial do Brasil e de boa parte da América do Sul, e a ferrovia tende a reduzir os custos logísticos das exportações brasileiras. “A China só fala uma língua, em comprar e vender, o que interessa à China é fazer negócios, fazer comércio, essa é a geopolítica da China”, afirma o analista.
Freitas também defende que o Brasil amplie a presença em outros mercados asiáticos, como os países da Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), que têm interesse crescente em alimentos e energia. Segundo ele, regiões como Indonésia, Vietnã e Malásia têm um potencial equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) de potências como Japão ou Alemanha.
A ferrovia está entre as cinco rotas estratégicas mapeadas pelo Brasil para conectar o país ao Pacífico. A chamada Rota Amazônica, por exemplo, deve favorecer a Zona Franca de Manaus. As outras rotas ligam o Centro-Oeste, o Sul e a região das Guianas ao restante da América do Sul, Caribe e Ásia.
Apesar de apostar no potencial da iniciativa, Freitas alerta que o projeto é de longo prazo. Os estudos técnicos ainda serão iniciados, e a previsão de conclusão da obra, caso avance como planejado, é de 15 a 20 anos. “Não é um projeto de um governo. Esse é um projeto de Estado”, afirma.
O especialista destaca que o sucesso da ferrovia dependerá do cuidado com impactos ambientais e sociais. A rota amazônica, por exemplo, envolve áreas sensíveis e comunidades tradicionais. Para Freitas, o Brasil deve minimizar danos e conciliar desenvolvimento com sustentabilidade.
Sobre eventuais riscos à soberania, Freitas considera que o Brasil tem maturidade diplomática para proteger os interesses do governo. Embora reconheça que a China busca aumentar a influência por meio de investimentos, ele afirma que essa é uma dinâmica geopolítica natural. “Eu não vejo esse projeto como uma interferência na soberania brasileira. O Brasil sabe muito bem como se comportar diplomaticamente para que não tenha a sua soberania ferida”, pondera.
A assinatura do acordo, às vésperas da Reunião de Líderes do Brics, reforça o compromisso do grupo com investimentos em infraestrutura nos países em desenvolvimento. Para o especialista, a ferrovia Brasil-Peru pode ser um marco na integração sul-americana e na nova geopolítica do comércio internacional – com a Amazônia no centro das atenções.
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