Chega ao Congresso caderno de propostas para educação antirracista
Consulta pública recebeu mais de 400 sugestões para o novo PNE
A formação de professores antirracistas foi a principal reivindicação de uma consulta pública sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que colheu mais de 400 propostas entre maio e junho de 2025. A iniciativa ouviu movimentos negros, indígenas, quilombolas, educadores e conselhos sociais.
As sugestões foram reunidas no Caderno PNE Antirracista, lançado nesta terça-feira (1) pela Frente Parlamentar Mista Antirracismo do Congresso Nacional. O material propõe diretrizes para garantir uma educação que enfrente o racismo estrutural — reconhecido como um fator que compromete a permanência de estudantes em escolas e universidades, além da qualidade do ensino ao excluir saberes e identidades.
“Pensar em educação hoje no Brasil sem considerar o combate ao racismo não garante uma educação de qualidade, tampouco o cumprimento de um direito constitucional”, afirmou a deputada Carol Dartora (PT-PR), vice-coordenadora da Frente, durante o seminário que marcou a entrega do documento à Câmara.
Segundo ela, escolas que atendem majoritariamente a população negra — em periferias, áreas pobres e comunidades quilombolas — enfrentam carência de material didático, formação docente e respeito à cultura afro-brasileira. “São situações que vão da demonização das religiões de matriz africana à violência racial dentro das escolas”, alertou.
O novo PNE, que terá vigência de 2024 a 2034, está em discussão no Congresso desde maio. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP), relatora da proposta e presidente da Comissão Especial do PNE, deve sugerir alterações ao texto original enviado pelo governo, que inclui 18 metas a serem cumpridas em todos os níveis de ensino. A votação está prevista para o início do segundo semestre.
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Enfrentar a desigualdade racial
Thales Vieira, diretor de Estratégias e Programas do Observatório da Branquitude, que participou da redação do caderno, destaca que as propostas buscam uma educação que enfrente a raiz de outras desigualdades: o racismo. “Contribuir com o PNE é beneficiar estudantes e comunidades mais expostas aos efeitos da não correção de distorções históricas herdadas da escravidão”, disse.
Iraneide Silva, cientista e integrante da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, lembrou que a educação de pessoas negras no pós-abolição foi marcada por exclusão e discriminação, mas também por resistência. “A educação foi e continua sendo uma ferramenta fundamental para emancipação e equidade”, afirmou.
Afonso Gomes, do Coletivo Nacional da Juventude Negra da UNE, cobrou políticas de permanência estudantil. “O novo PNE deve garantir que os jovens se reconheçam nas escolas, para que não escolham faltar às aulas em vez de enfrentar o racismo”, disse.
Propostas concretas
Além da formação docente, o caderno propõe a efetiva aplicação das Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que tornam obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira, indígena e africana. Essas leis são consideradas conquistas fundamentais da educação antirracista no país.
As propostas também contemplam ações voltadas para a permanência de estudantes, especialmente quilombolas e indígenas, com atenção à infraestrutura das escolas e à produção de materiais didáticos que reflitam sua visão de mundo.
As contribuições defendem que a educação antirracista seja a base da formação dos jovens e professores — e não um conteúdo técnico ou isolado. Entre as estratégias sugeridas estão a arte-educação, pedagogias de terreiro e o uso da cultura hip hop como ferramenta pedagógica.
Também foi proposta a atualização dos cursos de licenciatura e pedagogia, a criação de polos regionais de formação continuada para professores e a ampliação da participação de universidades, lideranças comunitárias, movimentos sociais e famílias nas decisões educacionais — com financiamento público.
Outro destaque é a valorização da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), com a adoção de materiais como jogos interativos, livros infantis, exposições e visitas virtuais a terreiros, com foco no combate ao racismo religioso.
Há ainda propostas para criação de indicadores étnico-raciais, registro obrigatório de quesito raça/cor nas matrículas escolares e ações específicas para reverter o histórico de precariedade da educação quilombola.
Para a deputada Tabata Amaral, o caderno traduz uma urgência. “Assumir a educação antirracista como eixo do PNE é apostar em um projeto mais justo e inclusivo, que reconheça o direito de cada criança negra, indígena ou quilombola não apenas a estar na escola, mas a ter uma educação que valorize sua história, identidade e futuro”, afirmou, no texto de abertura do documento.